Acordo sobre armas de fogo nos EUA é menos do que os democratas queriam e mais do que eles esperavam

Proposta apresentada neste domingo foca menos sobre armas de fogo e mais sobre saúde mental e análise de antecedentes de possíveis compradores

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Por Carl Hulse
Atualização:

WASHINGTON (THE NEW YORK TIMES) — O acordo bipartidário para maior controle sobre armas de fogo nos EUA anunciado neste domingo, 13, ficou longe do que os democratas teriam preferido após os massacres de Buffalo e da escola de ensino fundamental em Uvalde, mas alcançou consideravelmente mais do que eles esperavam anteriormente.

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A proposta, que ainda tem um longo caminho a percorrer antes de virar lei, coloca o foco menos sobre as armas de fogo “em si” e mais sobre outros fatores, como a saúde mental dos compradores ou tendências à violência, em uma concessão à hesitação dos republicanos e à difícil realidade da resistência política que inviabiliza controles mais duros sobre as vendas, sem mencionar banimentos sobre armas de fogo.

Apesar de não elevar a idade mínima para compra de fuzis de assalto de 18 para 21 anos, o plano melhoraria as checagens de antecedentes sobre os menores de 21 anos antes que eles possam adquirir uma arma de fogo — o que talvez seja o elemento mais significativo da nova medida. Republicanos afirmam que existe sentimento suficiente a favor de uma elevação na idade limite, mas talvez não para contornar uma obstrução.

Senador democrata Chuck Schumer durante coletiva de imprensa na última semana para falar sobre mudanças no controle de armas nos EUA. Esboço de acordo com republicanos foi apresentado neste domingo, 12 Foto: Drew Angerer / AFP

Os democratas teriam preferido muito mais banir fuzis de assalto e cartuchos de alta capacidade, impor checagens de antecedentes universalmente e dar outros passos rigorosos para limitar o acesso a armas de fogo. Mas eles aceitarão o acordo como um passo na direção correta.

“Não podemos permitir que a perfeição seja obstáculo para a ação do congresso”, afirmou o senador Dick Durbin, democrata de Illinois, vice-líder de seu partido no Senado, que afirmou preferir o banimento de armas de assalto de uso militar. “Apesar deste acordo não atender este e outros aspectos, ele pode fazer e fará do nosso país um lugar mais seguro.”

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Em entrevistas ao longo das duas semanas recentes, vários senadores democratas deixaram claro que estavam prontos para aceitar quase qualquer termo que negociações bipartidárias fossem capazes de produzir, em vez de se envolver em mais um impasse infrutífero no recinto do Senado e acabar de mãos vazias.

Esse resultado poderia ter lhes permitido marcar um ponto político potente, esculachando os republicanos por atrapalhar o caminho de iniciativas populares de controle sobre armas de fogo, mas não teria respondido ao apelo público com ação. Bloqueados em várias frentes legislativas, os democratas estão ávidos para cantar algum tipo de vitória, para variar.

“Ainda de que seja preciso mais, este pacote dará passos no sentido de salvar vidas”, afirmou em um comunicado emitido no domingo a presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, democrata da Califórnia, indicando que apoiará a proposta apesar de os deputados terem aprovado na semana passada medidas muito mais abrangentes.

Enquanto as discussões transcorriam, duas semanas atrás, parecia mais provável que o esforço se frustraria, como muitos antes deles, uma vez que o ultraje inicial em relação aos massacres mais recentes passasse. E a designação do senador John Cornyn, do Texas, como principal negociador republicano limitou as possibilidades desde o início, já que Cornyn se apressou para declarar que não apoiaria um banimento aos fuzis de assalto nem outros passos que dificultassem a obtenção de armas de fogo.

Imagem mostra reação de moradores de Buffalo, em Nova York, após massacre que deixou dez mortos em um supermercado, no dia 15 de maio. Ataque reacendeu debate sobre armas nos EUA Foto: Brendan McDermid/Reuters

Mas à medida que as negociações seguiram, o senador Chris Murphy, democrata de Connecticut, principal negociador de seu partido, afirmou que progressos constantes estavam sendo alcançados, e que as tratativas tinham um sentimento diferente do que esforços fracassados no passado. No domingo, ele afirmou no Twitter pensar que os americanos ficariam “surpresos” com o escopo do novo ordenamento legislativo, que incluiu medidas mais substanciais do que as inicialmente colocadas sobre a mesa.

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A checagem mais extensa de antecedentes de compradores de 18 a 21 anos é uma versão mais estreita do que medidas nesse sentido promovidas há anos pelos democratas, e permitirá mais tempo para que sejam verificados possíveis compradores de armas de fogo que tenham sido assinalados por uma checagem instantânea inicial. E, pela primeira vez, fichas criminais de menores de idade e de saúde mental serão admitidos como parte da análise.

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O acordo inclui incentivos federais para os Estados elaborarem as chamadas “leis de alerta” para apreender temporariamente armas de fogo de pessoas classificadas como ameaças para si mesmas ou para os outros. Em uma mudança almejada havia muito, rejeitada pelos republicanos no passado, ficará mais difícil para pessoas acusadas de violência doméstica obter armas de fogo, e restrições a parceiros amorosos integrarão uma proibição que atualmente se aplica apenas a cônjuges.

Qualquer dessas provisões tende a atrair oposição significativa de republicanos que acreditam em não ceder nenhum milímetro em relação a medidas de controles de armas de fogo, que eles consideram afrontas intoleráveis contra os direitos previstos na Segunda Emenda. Mas os republicanos envolvidos nas negociações acreditam que abriram concessões aceitáveis, sem perturbar os direitos às armas que tantos eleitores republicanos consideram sacrossantos.

Apesar dos proponentes dos controles de armas terem afirmado no domingo esperar que a proposta seja o início de uma nova era de concessões mútuas, esta é considerada provavelmente a melhor oportunidade para intensificar o controle de armas de fogo em um bom tempo.

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Dado o alarde do público em relação aos massacres e à criminalidade em geral, ambos os partidos estão prontos para agir e fazer concessões mútuas. Republicanos o suficiente também se posicionaram para dar o passo político necessário, e negociadores em ambos os partidos tiveram apoio de suas lideranças para tentar fazer algo acontecer. Mas com os republicanos posicionados para conquistar a maioria na Câmara e ameaçando tomar o Senado em novembro, a perspectiva dos democratas para as mudanças mais expansivas que eles almejam não está nada boa nos próximos meses.

Ainda assim, ambos os lados perceberam que vale a pena concordar, provando que o Congresso, sob o horror da violência abominável com armas de fogo, pode pelo menos desta vez oferecer mais que pêsames e orações.

“Quando deixamos nossas diferenças partidárias de lado e colocamos foco no que é melhor para o povo americano, o Senado é capaz de causar um impacto positivo e substancial na nossa sociedade”, afirmou o senador Chris Coons, democrata de Delaware. “Este é um passo adiante para o Senado e, se a proposta virar lei, será um passo adiante muito maior no sentido da prevenção à violência com armas de fogo e um passo adiante para o nosso país.” /TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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