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Adesão à Otan não manterá a paz na Ucrânia

Ampla evidência sugere que expandir a Otan ao longo dos anos atiçou ressentimentos em Moscou e aumentou a vulnerabilidade da Ucrânia

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Por Stephen Wertheim

THE NEW YORK TIMES - Às vezes as histórias que contamos para vencer a guerra nos fazem perder a paz. Depois dos ataques de 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos decidiram que o governo taleban no Afeganistão era tão culpado quanto os terroristas da Al-Qaeda que atacaram os americanos, e Washington gastou 20 anos tentando manter o Taleban inteiramente fora do poder, para depois ceder-lhe todo o território afegão.

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A história que estamos contando para nós mesmos hoje sobre a guerra na Ucrânia corre seu próprio risco. Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, no ano passado, o debate em capitais ocidentais a respeito das origens do conflito estabeleceu uma causa principal: a Rússia pegou em armas motivada exclusivamente por impulsos imperialistas, e as políticas do Ocidente, incluindo a expansão da Otan ao longo dos anos, mal influenciaram a situação.

Quando a aliança avaliar or prospectos da Ucrânia para adesão durante sua cúpula, no próximo mês, em Vilnius, Lituânia, seus membros devem reconhecer que a guerra tem causas mais complexas do que essa popular narrativa sugere. Não há dúvida que a Rússia está cometendo uma agressão horripilante e injustificável contra a Ucrânia, e atitudes imperialistas calam fundo no governo russo. Mas em parte por causa dessas mesmas atitudes as lideranças da Rússia também reagem à expansão da Otan. Integrar a Ucrânia à aliança não colocará fim a esse impulso, mesmo com o apoio dos EUA e as garantias nucleares que a adesão implica. O melhor caminho da Ucrânia para a paz é ser bem armada e apoiada fora da Otan.

O presidente ucraniano Volodimir Zelenski discursa em uma coletiva de imprensa na Cúpula da Comunidade Política Europeia (CPE) no Castelo Mimi em Bulboaca, Moldávia, em 1º de junho de 2023.  Foto: DUMITRU DORU / EFE

Desde a invasão, um coro de autoridades e ex-autoridades dos EUA tem insistido que, conforme tuitou Michael McFaul, ex-embaixador americano na Rússia, “Esta guerra não tem nada a ver com a expansão da Otan”. Em sua narrativa, a invasão emanou principalmente de motivações domésticas da Rússia. Em uma versão, Putin, o Autocrata busca destruir a democracia em sua vizinhança, apesar de os russos comuns exigirem liberdade. Em outra, Putin, o Imperialista pretende restaurar o Império Russo anexando território. Seja como for, as ações do Ocidente surtiram pouca influência.

É difícil imaginar que os historiadores do futuro venham a ser tão simplistas. Nem mesmo os tiranos agem num vácuo. Invadir a Ucrânia, o segundo maior país da Europa territorialmente, implicou em custos e riscos enormes para Vladimir Putin. Antes de atacar Kiev, ele governou a Rússia por mais de duas décadas, no início alinhavando-se com o Ocidente e depois inclinando-se contra ele. Desconsiderar qualquer culpa do Ocidente cheira a um fenômeno que os psicólogos chamam de erro fundamental de atribuição: a tendência de atribuir o comportamento das pessoas à sua natureza essencial — e não às situações que elas encaram.

Expansão da Otan no leste

Ampla evidência sugere que expandir a Otan ao longo dos anos atiçou ressentimentos em Moscou e aumentou a vulnerabilidade da Ucrânia. Após o fim da Guerra Fria, Moscou desejou que a Otan, anteriormente uma aliança militar antissoviética, congelasse como estava e diminuísse de importância. Em vez disso, os países ocidentais elevaram a Otan ao posto de principal veículo da segurança europeia e iniciaram um processo irrestrito de expansão da aliança para o leste. Apesar de, conforme notou a ex-secretária de Estado americana Madeleine Albright, os russos “se oporem fortemente à expansão”, os EUA e seus aliados foram adiante mesmo assim, esperando que as animosidades arrefecessem com o tempo.

Mas o tempo surtiu o efeito oposto. Ainda que a Otan alegasse não ser direcionada para nenhum Estado, a aliança deu boas-vindas a novos integrantes que claramente — e compreensivelmente — buscavam proteger-se da Rússia. Moscou, de sua parte, nunca deixou de reivindicar uma “zona de influência” sobre o espaço anteriormente abrangido pela União Soviética, conforme declarou categoricamente, em 1995, o então presidente russo, Boris Iéltsin. Apesar de a Ucrânia inicialmente não ter buscado adesão à Otan após sua independência, em 1991, esse cálculo ganhou tração no país no início dos anos 2000, especialmente depois de a Rússia interferir nas eleições presidenciais ucranianas de 2004. Naquele ano, a Otan recebeu sete novos membros, incluindo os três Países Bálticos, deixando a Ucrânia em uma faixa estreita de países apanhados entre a aliança ocidental e o ex-império amargurado.

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À medida que as dificuldades internas da Ucrânia se emaranharam numa ressurgente rivalidade Oriente-Ocidente, Kiev foi buscando juntar-se à Otan e encontrou um poderoso apoiador: o ex-presidente George W. Bush.

Nos preparativos para a cúpula da Otan de 2008, Bush quis oferecer à Ucrânia e à Geórgia um caminho formal de entrada na aliança chamado Plano de Ação para a Adesão. Antes da reunião entre os líderes dos países-membros, William Burns — atual diretor da CIA que na época era embaixador na Rússia — alertou que uma manobra desse tipo poderia ter consequências letais.

“A entrada da Ucrânia na Otan é o limite mais evidente para a elite russa (não apenas para Putin)”, aconselhou Burns de Moscou. Ele previu especificamente que tentar trazer a Ucrânia para a Otan “criaria campo fértil para intervenções russas na Crimeia e no leste da Ucrânia”. Outras graduadas autoridades de inteligência, como Fiona Hill, emitiram alertas semelhantes.

Irredutível, Bush pressionou com seu argumento, deparando-se com oposição generalizada dos aliados dos EUA na Europa. No fim, eles forjaram um meio-termo: a Otan declarou que Ucrânia e Geórgia “se tornarão membros” da aliança, mas não apresentou nenhum caminho tangível para sua adesão. Foi uma solução estranha, que provocou a Rússia sem prover segurança para a Ucrânia. Mas os líderes da Otan repetiram isso obstinadamente, incluindo na cúpula anterior à invasão russa de 2022.

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A Ucrânia parou de buscar adesão à Otan em 2010, quando Viktor Yanukovich, favorável à Rússia, tornou-se presidente. Depois que uma revolução obrigou Yanukovich a fugir da Ucrânia, em 2014, Putin temeu que os novos líderes do país adotassem uma posição pró-Ocidente, e prontamente anexou a Crimeia. Ele tentou usar essa intrusão para se impor sobre Kiev, mas não encontrou nenhuma concessão. Na realidade, a agressão russa apenas inclinou os ucranianos ainda mais para o Ocidente. A Ucrânia consagrou sua busca pela adesão à Otan registrando a intenção em sua Constituição, em 2019. Em 2022, depois de não conseguir evitar que a Ucrânia se afastasse da órbita russa, Putin ordenou que seus soldados marchassem sobre Kiev.

Riscos à segurança dos membros da aliança

Não importa como a guerra venha a acabar, o risco de recorrência será alto. Desde 2014, a Otan tem demonstrado que não pretende lutar com a Rússia pela Ucrânia. E se a Ucrânia aderir à aliança e a Rússia invadir novamente, os EUA e o restante da Otan teriam de decidir se travariam a “3.ª Guerra Mundial”, conforme o presidente Joe Biden tem adequadamente classificado um conflito direto com a Rússia, ou declinariam de defender a Ucrânia, violando, portanto, a garantia de segurança a todos os membros da aliança.

Qualquer fórmula para uma paz duradoura tem de reconhecer essa complexidade. Quando negociações ocorrerem, o presidente Volodmir Zelenski deve retomar uma proposta que a Ucrânia, segundo relatou-se, discutiu em março do ano passado, de parar de buscar adesão à Otan. Em vez disso, uma Ucrânia pós-guerra, conforme sugeriu Zelenski, deveria adotar um “modelo israelense”, construindo Forças Armadas grandes e avançadas e uma base industrial de defesa formidável com amplo apoio externo.

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A União Europeia, de sua parte, deveria estabelecer um caminho para a Ucrânia aderir ao bloco rapidamente, para atrair investimentos para a reconstrução. Isso engendraria garantias de segurança próprias, às quais os EUA e parceiros não europeus poderiam acrescentar uma promessa de fornecer ajuda material na eventualidade de uma agressão futura.

Não existem balas de prata. A Rússia provavelmente também se oporá à Ucrânia aderir à UE ou a outras instituições ocidentais. Mas Moscou é mais capaz de tolerar a adesão ucraniana à UE do que à Otan, que é liderada pelos EUA. Tanto melhor se os países europeus assumirem a liderança na assistência pós-conflito, minimizando o escopo que faz Putin acreditar que os americanos estão cercando seu país e dando todas as cartas.

A Ucrânia precisa da visão de uma vitória genuína — de um futuro próspero, democrático e seguro — não da vitória pírrica dos sonhos da Otan nem de invasões russas. Seus parceiros internacionais devem começar a prover esta visão neste verão (Hemisfério Norte). É hora de nos movermos para uma fase menos propagandística de debate público, que aprenda com o passado para moldar o futuro. Seja qual for o veredicto sobre a sabedoria da expansão da Otan até aqui, é uma coisa boa que a Ucrânia, os EUA e seus aliados ainda possam empreender ações que afetem a conduta da Rússia e não   sejam simplesmente reféns dos desígnios mais obscuros de Moscou. Eles devem tomar as decisões mais duras com olhos mais abertos. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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