As indicações de Finlândia e Suécia de que devem confirmar os pedidos de adesão à Otan em breve representam, na mesma medida, um novo trunfo e uma nova responsabilidade para a aliança militar, de acordo com o analista político Oliver Stuenkel, coordenador do programa de pós-graduação em Relações Internacionais da FGV-SP e colunista do Estadão.
De acordo com Stuenkel, ao mesmo tempo que os aliados do Tratado do Atlântico Norte vão agregar tecnologia militar e tropas bem preparadas, a inclusão dos países nórdicos também aumenta a área sob a proteção conjunta dos Estados-membros, além de expandir a fronteira direta com o território russo.
Em entrevista ao Estadão, o professor também apontou a aproximação das nações europeias ao bloco militar como um fracasso diplomático da Rússia, e afirma que a demanda popular de finlandeses e suecos pela entrada na Otan enfraquecem o argumento do Kremlin de que a organização sediada em Bruxelas encampa um projeto de pressão ao país.
Leia a entrevista na íntegra:
Como a provável adesão à Otan impacta os arranjos de segurança da Europa?
Há uma grande discussão sobre isso. A princípio, a adesão certamente fortalece a Otan, porque Finlândia e Suécia possuem uma capacidade militar considerável. Ao mesmo tempo, esse movimento aumenta a chance de uma inflexão com a Rússia, porque expande a fronteira compartilhada com a organização. Na visão de alguns, a situação desestabiliza a segurança, sobretudo no norte europeu, e será preciso encontrar um novo equilíbrio. Creio que o mais provável é que a adesão seja utilizada pela retórica russa como forma de se mostrar como a parte acuada, cercada, e não agressora.
Qual a principal consequência desta adesão para as partes envolvidas diretamente?
Para a Rússia é uma derrota diplomática. O país fez uma grande aposta ao invadir a Ucrânia com a justificativa de buscar conter a expansão da influência da Otan. Agora, mesmo se conseguir evitar o ingresso ucraniano, que, diga-se de passagem, não era iminente, a adesão da Suécia e da Finlândia representa um fortalecimento do bloco militar.
Para a Finlândia e a Suécia, a adesão à Otan não era vista como necessária antes da guerra, porque a Rússia não era entendida como uma ameaça próxima. Esse cálculo mudou, e há para os dois um ganho estratégico, porque passam a não depender mais da sua própria capacidade de proteção, assumindo que as candidaturas serão aceitas, mas também traz obrigações, porque ficarão obrigados a participar da defesa conjunta do bloco.
Para Entender
Concretamente, o que a entrada dos países nórdicos traz de benefício para a Otan?
Do ponto de vista tecnológico, sobretudo, a adesão da Suécia cria oportunidades de cooperação militar, já que o país é um importante exportador de armamentos, incluindo para o Brasil. Facilita-se também o compartilhamento de inteligência e a interação com dois países que possuem capacidade militar sofisticada, além de uma localização geopolítica importante, nos arredores do Polo Norte.
De certa forma, facilita uma tentativa de contenção, que é cada vez mais o novo modelo assumido por parte do Ocidente em relação à Rússia. Mas também não se pode exagerar o impacto disso, porque até agora a fronteira entre a Finlândia e a Rússia não era vista como uma “fronteira quente”. A adesão desses dois países no momento atual tem um impacto menor em questões de segurança do que a adesão da Ucrânia teria tido antes da guerra, por exemplo.
Putin justificou a invasão da Ucrânia, em parte, pelo expansionismo da Otan. A inclusão dos nórdicos na aliança não alimenta a narrativa do Kremlin em certo sentido, ao menos na sociedade russa?
Facilita a construção dessa narrativa para uso interno na Rússia e também para algumas pessoas que a apoiam em outras partes do mundo, incluindo no Brasil, que veem a expansão da Otan como a principal causa para os conflitos no Leste Europeu. Algumas figuras da extrema direita e da extrema esquerda convergem nesse aspecto da narrativa russa sobre o papel desestabilizador da aliança militar.
Mas há um argumento importante que é preciso levar em consideração: há uma demanda popular pela adesão na Suécia e na Finlândia. A maioria da população sueca e finlandesa quer aderir à Otan para se sentir mais segura, e isso parte de uma posição preventiva, defensiva.
Tanto agora quanto no período após o fim da URSS, os pedidos de adesão não partiram de uma campanha de pressão de Washington ou Bruxelas: foram processos orgânicos no leste da Europa que fizeram com que países procurassem se afastar da zona de influência de Moscou.
Autoridades russas voltaram a alardear (na quinta-feira, após o anúncio finlandês) sobre a possibilidade da situação evoluir para um conflito total entre Rússia e Otan, mencionando a possibilidade de uso de armas nucleares. Qual o risco de uma escalada nesse sentido?
A retórica adotada pelo governo russo é uma forma de mobilizar a opinião pública. No âmbito interno, a Rússia não está mais em guerra contra a Ucrânia, está em guerra contra o Ocidente e todos os atores globais. A Rússia está sitiada e precisa se defender. A guerra era inevitável.
Um segundo objetivo é fortalecer o argumentos daqueles que, no Ocidente, se opõem aos envios de armamentos à Ucrânia, por ver uma provocação à Rússia. Pretende assustar a opinião pública para reduzir o apoio.
A única coisa que é um pouco mais preocupante é que, na história das guerras, quando olhamos o comportamento de atores que estão perdendo, muitas vezes há um processo de radicalização.
Os EUA invadiram o Camboja em decorrência da frustração militar no Vietnã. A Alemanha abriu novas frentes de batalha na 1ª Guerra quando se viu em um cenário desfavorável, mesmo não sendo uma ação lógica. Temos precedentes de países que escalam o conflito em resposta à frustração dos objetivos iniciais.
Isso não quer dizer que a Rússia vá fazer o mesmo. Acredito que o Kremlin entende que, no caso de uso de armamentos táticos nucleares, o isolamento econômico e político que o país vem sofrendo se agravaria drasticamente.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.