Foi o jeito dela de dançar que chamou a atenção dele. Em seguida, reparou no sorriso dela e no seu humor espirituoso. Ele nunca tinha conhecido alguém assim.
Durante a Guerra da Coreia, em 1953, o jovem marinheiro Duane Mann, de Iowa, então com 22 anos e lotado no Japão, apaixonou-se pela primeira vez.
O nome dela era Peggy Yamaguchi e, aos olhos dele, a moça era perfeita.
“Era uma garota tão bonita, e tão doce e sensível”, recorda Mann, agora com 91 anos, que administrou um armazém de suprimentos de aviação antes de se transferir para uma base aérea em Tóquio. “Nos divertíamos tanto.”
O casal se conheceu em um clube de oficiais, onde Peggy trabalhava na chapelaria, e Mann trabalhava como mecânico e sargento nas horas vagas. Peggy fez aulas de inglês e ajudava a traduzir as conversas entre membros das forças armadas e moradores locais.
Havia uma banda tocando no clube e, certa noite, após o trabalho, “Peggy e eu começamos a dançar”, disse Mann. “E pode acreditar em mim”, prosseguiu ele, “aquela garota sabia dançar de verdade”.
Eles começaram a se encontrar todos os dias, ficando juntos até serem os últimos no clube, dançando ao som de Elvis Presley e Tony Bennett.
“Algumas pessoas ficavam assistindo”, disse Mann. “Com ela nos meus braços, fui me apaixonando cada vez mais.”
Cerca de um ano mais tarde, o romance deles chegou a um fim abruptamente quando a marinha mandou Mann de volta aos Estados Unidos antes do esperado.
“A Guerra da Coreia tinha terminado, e o exército estava inchado. Assim, para poupar recursos, eles anteciparam as dispensas”, explicou ele.
Na época, Peggy, então com 22 anos, estava grávida do filho do casal. Os dois criaram um plano: Mann voltaria para Iowa, sacaria o dinheiro que tinha juntado na conta bancária, aberta em nome do pai para o caso de ele morrer na guerra, e traria seu novo amor para os EUA. “Queria casar com ela”, disse Mann.
O plano foi por água abaixo quando ele chegou à cidade onde morava, Pisgah, Iowa, e descobriu que o pai tinha gasto toda a sua poupança.
“Até o último centavo”, disse ele. “Se soubesse que não tinha dinheiro, jamais teria voltado para casa.”
Enquanto ele lutava por uma solução, o casal manteve contato por meio de cartas, e Mann começou a trabalhar na construção de ferrovias, o emprego mais bem pago que ele encontrou.
Após um mês de correspondências, Peggy parou de responder. Mais tarde, Mann soube por quê: a mãe dele interceptou e queimou as cartas de Peggy, pois não aprovava o relacionamento do filho.
“Ela não queria que eu me casasse com uma japonesa”, explicou Mann, acrescentando que sua irmã lhe entregou secretamente uma carta de Peggy, que chegou meses mais tarde. Nela, a jovem contava que perdera o bebê e se casara com um membro da força aérea americana, de Wisconsin. “Fiquei arrasado.”
Um forte sentimento de culpa tomou conta de Mann. A sensação perdurou por sete décadas. “Temi que ela pensasse que eu a tinha abandonado”, disse Mann, hoje viúvo.
Conforme a vida avançou, abrindo um próspero negócio de produtos agrícolas, casando-se duas vezes e educando seis filhos, Peggy jamais saiu da cabeça dele.
Até hoje, ele mantém duas fotos dela na carteira. Diz que tentou rastrear seu paradeiro, mas nunca teve sorte. “Queria que ela soubesse que não a abandonei”, disse Mann.
Em uma última tentativa desesperada de encontrá-la, Mann publicou um apelo no Facebook no dia 1.º de maio, compartilhando uma foto que tirou dela acompanhada do seu relato da história, escrevendo que tinha “o coração muito pesado por causa de tudo que aconteceu”.
Amigos, desconhecidos e detetives da internet contribuíram com sugestões. Um canal de notícias locais, KETV7, se interessou pela história, divulgando ainda mais o apelo dele. Foi então que uma jovem de Vancouver ficou sabendo da situação de Mann.
“Não conseguia tirar aquela história da cabeça”, disse Theresa Wong, 23 anos, que trabalha no History Channel. “Claramente, Duane está buscando um encerramento para essa história há sete décadas. Não posso imaginar o peso disso para ele.”
Ela decidiu ajudar na busca, e logo “encontrei o nome dela e dos seus parentes. Foi tudo bem rápido”, disse ela.
Theresa pesquisou pelo nome de “Peggy Yamaguchi” no site newspapers.com, na esperança de encontrar alguma nota de casamento ou coisa do tipo. Surgiu um artigo promissor, “Noiva de Tóquio gosta da vida em Escanaba”. “Aquilo parecia se encaixar com tudo o mais”, disse Theresa.
Ela compartilhou suas descobertas com a emissora KETV7, que então pôde seguir a investigação com um nome de casada e um endereço em Michigan. Um repórter entrou em contato com o filho de Peggy, Rich Sedenquist.
Inicialmente, Sedenquist, 66 anos, ficou perplexo com a mensagem, mas depois de mostrar fotos antigas de Mann à mãe, Peggy Yamaguchi Sedenquist, 91 anos, ela disse, “Eu me lembro dele”.
Peggy tinha suprimido a maior parte das lembranças de Mann, mas, subitamente, pareceu-lhe que a dança foi ontem, disse ela. Descreveu o namorado da época como “bonito, alto e muito honesto”.
Quando soube que Mann estava procurando por ela, “Fiquei muito surpresa”, disse Peggy de sua casa em Escanaba, onde criou três filhos e vive com o marido com quem se casou em 1955.
Diferentemente do que Mann temia, Peggy não guardava nenhum ressentimento, disse ela. Quando ele deixou o Japão, “foi difícil”, lembrou ela, mas sabendo que ele era das forças armadas, “quando era hora de ir, não havia o que fazer”.
Sabendo que ela estava viva, Mann insistiu em encontrar Peggy pessoalmente. O filho mais velho dele, Brian Mann, 63 anos, o acompanhou na jornada.
Durante a infância, Brian Mann e os irmãos tinham ouvido histórias a respeito do amor perdido do pai, e apoiou os esforços dele para reencontrá-la.
Enquanto pai e filho viajavam de carro as 14 horas que separam Iowa de Michigan para o encontro do dia 1.º de junho, Mann foi tomado pela ansiedade. “Será que ela deixará que eu a abrace?” indagou, tímido. Assim que viu Peggy, suas preocupações ficaram para trás.
“Ela se levantou e me deu um abraço, e ganhei muitos beijos na bochecha”, disse Mann. A primeira coisa que Peggy disse para Mann foi: “Lembra-se de como dançávamos?”
Eles passaram horas rememorando, e Mann ficou sabendo que Peggy tinha batizado um dos filhos em homenagem a ele. O mais velho, Mike, recebeu Duane como nome do meio.
“Foi muito emocionante”, disse Mann, que vive atualmente em Woodbine, Iowa.
“Foi uma experiência especial”, disse Peggy, acrescentando ter garantido a Mann que jamais se sentiu abandonada por ele. As duas famílias se conheceram, e todos se deram bem.
“Eu tinha algumas ideias preconcebidas de como seria o encontro, e tudo foi muito melhor do que eu tinha imaginado”, disse Brian Mann.
“Foi maravilhoso”, ecoou Rich Sedenquist. “São todos ótimas pessoas.”
“Só espero ter mais um ou dois anos pela frente para poder conhecê-los melhor”, acrescentou Mann.
Mas o que ele mais queria, acima de tudo, era explicar o que tinha acontecido. Sete décadas depois, ele finalmente teve essa oportunidade. “Agora estou em paz”, disse Mann.
Ainda assim, “Adoraria dançar com ela novamente”, prosseguiu, “só uma última vez”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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