Agência de inteligência alemã acusa China e Rússia de intensificarem operações de espionagem

Alemanha é um alvo cada vez mais frequente de espionagem estrangeira, declarou a agência, em meio às crescentes tensões em razão da guerra na Ucrânia e às rivalidades entre Washington e Pequim

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Por Erika Solomon

THE NEW YORK TIMES, BERLIM — Serviços estrangeiros de inteligência miram cada vez mais a Alemanha, afirmou a agência alemã de inteligência interna na terça-feira, alertando que espionagem, ciberataques e campanhas de desinformação — praticados particularmente por Pequim e Moscou — “representam uma séria ameaça” ao país.

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Apesar de análises desse tipo serem publicadas anualmente, o relatório deste ano foi incomum tanto pela força de seus alertas quanto como indicador da medida em que o ambiente de segurança na Alemanha mudou em um ano.

Anteriormente este mês, o governo tornou pública pela primeira vez uma estratégia de segurança nacional abrangente, como parte de um esforço em expansão para enfrentar a vulnerabilidade da Alemanha às novas ameaças militares, econômicas e geopolíticas.

O chanceler alemão Olaf Scholz e o primeiro-ministro chinês Li Qiang dão uma coletiva de imprensa durante as consultas entre os governos alemão e chinês em Berlim, Alemanha, em 20 de junho de 2023.  Foto: Nadja Wohlleben / REUTERS

A invasão russa à Ucrânia e as crescentes tensões globais com a China servem como pano de fundo para a crescente exposição da Alemanha à interferência estrangeira, dada sua posição tanto na Otan quanto como um dos países mais poderosos na União Europeia, afirmou a agência.

“A guerra da Rússia contra a Ucrânia também também determina um ponto de inflexão para a segurança interna”, afirmou a ministra alemã do Interior, Nancy Faeser, durante a conferência de imprensa que apresentou o relatório do Escritório Federal para Proteção da Constituição, como a agência é conhecida.

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Mas o alerta mais forte ficou reservado para a China, que a agência descreveu como “a maior ameaça em termos de espionagem econômica e científica”.

A publicação da contundente análise a respeito das atividades de inteligência de Pequim ocorreu num momento embaraçoso para o chanceler Olaf Scholz, que no mesmo dia recebeu o primeiro-ministro chinês, Li Qiang, como parte das consultas anuais entre os governos de Alemanha e China.

As conversas — com objetivo de renovar as relações entre os países após um hiato de três anos sem tratativas cara a cara ocorrido durante a pandemia de coronavírus — ocorreram em um mundo transformado, com tensões geopolíticas cada vez maiores envolvendo a China em razão de sua relação com a Rússia e esforços crescentes empreendidos por Washington em “reduzir o risco” das relações econômicas com os chineses.

O relatório notou que em 2022 a Alemanha foi um dos destinos mais importantes da China para investimentos legais na Europa. “Os investimentos diretos oferecem à China não apenas oportunidade de compensar déficits em inovação e alcançar liderança tecnológica, mas também abrem a porta para influência política, espionagem e sabotagem”, afirmou o relatório, alertando que isso também poderia apresentar riscos para a segurança nacional.

“A amplitude dessas atividades também pode colocar em perigo a competitividade da Alemanha enquanto polo industrial e tecnológico e minar as leis da economia de mercado”, acrescentou o relatório. “Em última instância, isso ameaça resultar em uma perda de prosperidade e, como consequência, coloca em risco a democracia, a coesão social e a independência da Alemanha.”

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A delegação chinesa, que também tinha reuniões marcadas com líderes empresariais alemães, deveria tentar convencer Berlim a não impor restrições mais severas sobre as empresas chinesas que operam na Alemanha.

Previa-se também que a delegação chinesa pressionasse contra restrições à empresa de telecomunicações Huawei expandir sua rede 5G na Alemanha, conforme muitos esperam que o governo aja em cumprimento a leis recentemente aprovadas que limitam investimentos estrangeiros em infraestruturas críticas.

O establishment político da Alemanha segue profundamente dividido em relação à decisão do governo de permitir que a estatal chinesa de frete Cosco comprasse uma participação minoritária no Porto de Hamburgo. Serviços de inteligência e vários ministérios tinham aconselhado contra.

Mas em outros dois casos recentes Berlim bloqueou compras chinesas de duas empresas alemãs envolvidas na indústria de semicondutores.

Três outros países apontados pela agência alemã por realizar mais operações de inteligência foram Irã, Turquia e Coreia do Norte, mas grande parte dessa espionagem pareceu ter foco em rivais dos países com base na Alemanha.

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O chefe da agência alemã de inteligência doméstica, Thomas Haldenwang, afirmou que a Alemanha e a Europa intensificaram esforços com resultados bem-sucedidos em expulsar diplomatas russos suspeitos de espionagem — a Alemanha deportou 40 agentes clandestinos da embaixada russa no ano passado, e na Europa cerca de 400 foram expulsos no total.

Outros suspeitos foram expulsos em 2023, notou ele, afirmando que esses esforços limitaram a capacidade de espionagem da Rússia.

Moscou tende a “agir mais clandestinamente e agressivamente no futuro”, afirmou Haldenwang. “Isso poderia incluir o uso dos chamados ‘ilegais’ — agentes de inteligência que usam identidades falsas — assim como aumentar ciberataques e até operações de sabotagem.”

Vários “ilegais” foram flagrados em toda a Europa desde o início da guerra na Ucrânia, apesar de nenhum caso mais grave ter sido detectado na Alemanha até aqui. Contudo, no ano passado, a Alemanha descobriu um espião russo dentro de seus próprios serviços de inteligência. Faeser, a ministra do Interior, afirmou que a cibersegurança é “um risco ainda mais severo para a Alemanha”.

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Ela acrescentou que a Rússia teria foco em “ataques híbridos”, que incluem campanhas de desinformação encorajando teorias de conspiração e apoio a grupos de extrema direita.

A agência classificou por muitos anos a extrema direita como a principal ameaça à democracia alemã, incluindo o partido Alternativa para a Alemanha (AfD). A agência estimou que aproximadamente 10 mil dos 28,5 mil membros do partido eram suspeitos de atos de extremismo.

Mesmo assim, o partido tem crescido, alcançando 20% em algumas pesquisas nacionais. A ascensão de teorias conspiratórias na esteira da pandemia de coronavírus colaborou para potencializar a ameaça da extrema direita, afirmam analistas.

No ano passado, operações policiais frustraram um plano de tentativa de golpe de Estado elaborado por direitistas adeptos de teorias conspiratórias — entre eles, membros do AfD — que haviam elaborado um complô fantástico com objetivo de instaurar um príncipe como líder do país.

Essa conspiração não possui nenhum vínculo conhecido com a Rússia, mas evidencia a razão para a preocupação das autoridades. Os conspiradores dificilmente representariam uma ameaça grave para o governo alemão, mas estavam se armando e planejavam atacar o Parlamento.

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Durante a conferência de imprensa, foi solicitado a Haldenwang que descrevesse a diferença, segundo sua avaliação, entre os riscos de inteligência vindos da Rússia e da China.

Ele se recusou a afirmar diretamente qual país representa maior ameaça, mas afirmou: “A abordagem dos serviços russos é mais robusta, mais visível. Eles trabalham de um jeito clássico, realmente com todos os meios conhecidos do setor de espionagem — e às vezes com meios vistos apenas em filmes. Os serviços russos não se contêm diante de consequências extremas, não evitam nem mesmo matar pessoas. Essa maneira bastante robusta de fazer as coisas nós não vemos nos chineses”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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