CISJORDÂNIA - A análise de dezenas de imagens de câmeras de segurança e reconstruções 3D da cena de uma operação de Israel na Cisjordânia em 16 de março mostraram agentes israelenses abrindo fogo contra militantes palestinos em meio a civis e acertando um menor de idade. Segundo o The Washington Post, muitos dos disparos foram feitos quando os militantes já haviam sido atingidos e não representavam mais uma ameaça, em uma violação à própria lei israelense.
O adolescente Omar Awadin, de 14 anos, estava fazendo entregas de bicicleta para a loja de seu pai quando os agentes dispararam em meio a carros e pedestres em uma rua de Jenin. Os policiais estavam dentro de um carro em busca de dois militantes palestinos, Nidal Khazem, de 28 anos, e Yousef Shreim, de 29. O primeiro foi atingido e caiu nos primeiros três disparos efetuados. Shreim correu e foi neste momento que os agentes disparam as rajadas e um tiro acertou Omar nas costas.
Ainda de acordo com a reconstrução da cena feita pelo jornal americano, Shreim continuou correndo e foi atingido quando chegou a uma esquina. No entanto, as forças israelenses dispararam pelo menos cinco vezes depois que ele já havia sido atingido pela primeira vez, mostra o vídeo.
Em um primeiro momento Omar achou que havia apenas caído da bicicleta, mas vizinhos que o socorreram viram o ferimento do disparo e o menino começar a lutar pela vida. Em um dos últimos vídeos publicados pelo jornal é possível ver o carro das forças israelenses, um sedan cinza, passando ao lado do menino recebendo socorro. Nenhum ambulância conseguiu chegar ao local por causa do trânsito na região após a operação, e o menino chegou ao hospital já morto.
O Post identificou pelo menos 16 civis nas imediações, incluindo Omar, no momento em que os policiais abriram fogo. Não foi possível identificar qual dos agentes fez o disparo fatal contra o menino.
Autoridades israelenses defendem operação
Dean Elsdunne, porta-voz da polícia israelense, se recusou a dizer se houve uma investigação sobre as ações das forças de segurança durante a operação em geral, ou especificamente sobre o tiro a Khazem. As forças de segurança “estavam trabalhando sob condições de risco de vida para prender terroristas”, disse ele.
O porta-voz também afirmou que as forças de segurança estavam na área para “prender terroristas responsáveis por ataques a tiros contra soldados do IDF [Forças de Defesa de Israel], alguma produção de bombas e outras atividades terroristas”.
Em resposta às perguntas sobre Omar, a polícia israelense disse em um e-mail ao que “o sujeito de sua investigação participou ativamente do violento tumulto enquanto colocava em perigo a vida das tropas”. Não está claro a que tumulto eles estavam se referindo, mas as evidências visuais analisadas pelo Post não mostraram um tumulto antes do tiroteio. A polícia se recusou a revisar as evidências do jornal ou a responder às perguntas subsequentes.
Operações rotineiras
Essas cenas são cada vez mais comuns na Cisjordânia, onde mais de 3 milhões de palestinos vivem sob ocupação militar israelense e uma nova geração de radicais palestinos tem ganhado destaque. Israel diz que ataques como este são vitais para interromper redes terroristas e proteger seus cidadãos de ataques. Autoridades palestinas dizem que são crimes de guerra que devem ser encaminhados ao Tribunal Penal Internacional.
As operações militares israelenses são frequentes na Cisjordânia, mas antes ocorriam principalmente à noite e geralmente terminavam em apreensões. Este ano, sob o governo mais à direita da história de Israel, um número crescente de incursões foi realizado durante o dia, em áreas urbanas densamente povoadas, como Jenin.
Até 15 de maio, 108 palestinos na Cisjordânia e Jerusalém Oriental, incluindo militantes e civis, foram mortos pelas forças israelenses, de acordo com as Nações Unidas, mais que o dobro do número do mesmo período do ano passado. Pelo menos 19 eram crianças – incluindo Omar.
Para obter uma visualização completa da cena de 16 de março, o The Washington Post sincronizou 15 vídeos e revisou dezenas de outros a partir daquela data, incluindo imagens de câmeras de segurança de empresas vizinhas, algumas das quais levaram quase um mês para aparecer. O jornal também conversou com nove testemunhas e obteve depoimentos de outras quatro para produzir uma reconstrução em 3D do ataque.
Violação da lei israelense
Outra observação que foi possível ser feita a partir dos vídeo foi o momento das mortes dos dois militantes. Khazem era membro do grupo militante Jihad Islâmica, enquanto Shreim pertencia às Brigadas al-Qassam, a ala militar do Hamas. Israel considera ambos os grupos terroristas, o que torna seus militantes alvos legítimos sob a lei israelense.
No entanto, a lei israelense, em conformidade com a lei internacional, estabelece que uma vez que uma pessoa não é mais uma ameaça — como, por exemplo, quando está sob custódia — ela não pode ser alvo de força letal.
Após o primeiro militante, Khazem, receber a primeira rajada de tiros e cair, dois policiais se agacham e atiram contra a sua cabeça, mostra um dos vídeos.
O tiro na cabeça de Khazem enquanto ele estava imobilizado provavelmente foi ilegal, disseram especialistas em leis israelenses consultados pelo jornal. Eles relembraram um caso de 2017, quando um tribunal israelense condenou um médico militar a 18 meses de prisão por atirar em um palestino ferido e desarmado que atacou Hebrom.
“Pode-se dizer com certo grau de confiança que se trata de assassinatos extrajudiciais”, disse Philip Alston, que foi relator especial da ONU sobre mortes extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias entre 2004 e 2010, após revisar as evidências fornecidas pelo Post. Um assassinato ou execução extrajudicial é quando um agente do Estado executa uma pessoa sem os devidos processos legais./W.Post
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.