WASHINGTON - Enquanto Donald Trump se prepara para deixar o cargo na quarta-feira, um mercado lucrativo para dar acesso ao presidente e tentar prospectar perdões presidenciais e comutações de pena está chegando ao auge, com alguns de seus aliados cobrando taxas de criminosos ricos ou seus associados para pressionar a Casa Branca por clemência, segundo documentos obtidos e entrevistas feitas pelo jornal The New York Times.
O mercado de indultos reflete o tráfico de influência que definiu a presidência de Trump, bem como a sua abordagem heterodoxa para exercer poderes presidenciais de clemência. Perdão e comutações de pena têm o objetivo de mostrar misericórdia, mas Trump usou muitos deles para recompensar aliados pessoais ou políticos.
O lobby do perdão esquentou quando ficou claro que Trump não tinha como contestar sua derrota nas eleições, dizem lobistas e advogados. Um deles, Brett Tolman, ex-promotor federal que aconselhou a Casa Branca sobre indultos e comutações, lucrou com seu trabalho de clemência, arrecadando dezenas de milhares de dólares nas últimas semanas para fazer lobby junto à Casa Branca por perdão para o filho de um ex-senador do Arkansas, um traficante de drogas e uma socialite acusada de fraude fiscal.
O ex-advogado pessoal de Trump John Dowd vendeu para criminosos condenados seus serviços como alguém que poderia conseguir perdões por causa de seu relacionamento próximo com o presidente, aceitando dezenas de milhares de dólares de um criminoso rico e aconselhando ele e outros clientes em potencial para solicitar o perdão a Trump.
O caso mais notório é da ex-conselheira de campanha de Trump Karen Giorno que teve acesso ao entorno do presidente mesmo depois de comandar a campanha de Trump na Flórida em 2016. Ela se reuniu em 2018 com John Kiriakou, um ex-agente da CIA condenado por divulgar ilegalmente informações confidenciais. Na reunião, no escritório de seu advogado em Washington, Kiriakou disse que havia sido injustiçado pelo governo e estava pedindo perdão para que pudesse carregar uma arma e receber sua pensão.
Em julho de 2018, Giorno assinou um acordo com Kiriakou, um documento obtido pelo New York Times, “para buscar o perdão total junto ao presidente Donald Trump por sua condenação” por US$ 50 mil, com um bônus de US$ 50 mil se ela conseguisse um perdão.
Giorno disse que nunca falou com Trump diretamente sobre Kiriakou e não pressionou ninguém em seu governo por um perdão. Kiriakou disse que também falou com Rudolph Giuliani, advogado de Trump, em uma reunião em uma festa. Na ocasião, quando Giuliani foi ao banheiro, um de seus confidentes teria dito a Kiriakou: “Giuliani poderia ajudar, mas vai custar US$ 2 milhões, ele vai querer US$ 2 milhões”, Kiriakou lembrou. “Eu ri. US$ 2 milhões – você está louco?”, disse Kiriakou. “Mesmo se eu tivesse US$ 2 milhões, não os gastaria para recuperar uma pensão de US$ 700 mil.”
Após o impeachment de Trump por incitar seus partidários antes da invasão no Capitólio, e com os líderes republicanos se voltando contra ele, o poder de perdão continua sendo uma das últimas e mais aventadas soluções unilaterais para um presidente cada vez mais isolado e errático. Ele sugeriu aos assessores que deseja dar o passo sem precedentes de perdoar a si mesmo. Ele também discutiu a concessão de perdões preventivos para seus filhos, seu genro e conselheiro sênior, Jared Kushner, e para Giuliani. A Casa Branca não quis comentar.
Estudiosos do direito e alguns advogados especializados em perdão presidencial dizem temer a perspectiva de tais movimentos, bem como o espectro dos amigos e aliados de Trump se oferecendo para buscar perdão para outros em troca de dinheiro. “Esse tipo de tráfico de influência é inédito, um sistema de privilégios especiais que nega consideração às centenas de pessoas comuns que obedientemente esperam na fila, conforme exigido pelas regras do Departamento de Justiça, e é uma violação básica do esforço de longa data para fazer esse processo pelo menos parecer justo”, disse Margaret Love, que dirigiu o processo de clemência do Departamento de Justiça de 1990 a 1997.
Trump evitou esse processo mais do que qualquer presidente recente, criando um sistema de controle pessoal na Casa Branca sobre o qual Kushner teve uma influência significativa e contou com a contribuição de uma rede informal de consultores externos. Esse sistema, dizem os especialistas, favorece os requerentes de perdão que têm conexões com Trump ou sua equipe, ou que pagam alguém que tem.
Concessões de clemência presidencial e lobby para elas tem pouca ou nenhuma regulação, especialmente os feitos por advogados, e não há nada de ilegal em associados de Trump sendo pagos para fazer lobby por clemência. No entanto, qualquer oferta explícita de pagamento ao presidente em troca de perdão pode ser investigada como possível violação das leis de suborno. Nenhuma evidência surgiu de que Trump recebeu uma oferta de dinheiro em troca de um perdão.
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