A recente viagem do secretário de Estado americano, Antony Blinken, para a China, mostrou claramente que Pequim não tem disposição de abordar nenhum dos temas de segurança nacional que preocupam os Estados Unidos e seus aliados na Ásia. O presidente chinês, Xi Jinping, mandou Blinken de volta para casa de mãos vazias, recusando-se até mesmo em estabelecer linhas de comunicação entre militares chineses e americanos destinadas a crises. Talvez Xi estivesse apenas anuindo a aspirações de Blinken enquanto aguarda visitas de autoridades econômicas mais flexíveis do governo Biden.
Mas Blinken não era a única autoridade graduada de segurança nacional dos EUA na Ásia nas últimas semanas. Enquanto as conversas em Pequim dominavam as manchetes, o conselheiro de segurança nacional americano, Jake Sullivan, estava em Tóquio, participando de reuniões diplomáticas de alto nível com os maiores parceiros dos EUA na região. Homólogos de Sullivan do Japão, das Filipinas e da Coreia do Sul se reuniram com autoridades americanas e (em agrupamentos distintos) entre si. Essas reuniões — no longo prazo — se provarão mais significativas para lidar com a ascensão da China do que a visita de Blinken a Pequim.
O comunicado da Casa Branca sobre a viagem de Sullivan não enfatizou a natureza inédita dessa diplomacia furtiva. Pela primeira vez, os conselheiros de segurança nacional do Japão, da República das Filipinas e dos EUA se reuniram como um trio. Tratou-se de uma elevação de um novo agrupamento trilateral que os negociadores chamam de JAROPUS, combinando os nomes dos três países de maneira similar ao AUKUS, o grupo mais formal entre Austrália, Reino Unido e EUA.
Uma reunião em Tóquio entre os conselheiros de segurança nacional de EUA, Japão e Coreia do Sul seria impensável até pouco tempo atrás. Mas o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, e o presidente sul-coreano, Yoon Suk-yeol, assumiram riscos políticos significativos no sentido de deixar para trás ressentimentos históricos e juntar forças para abordar suas preocupações compartilhadas em relação à agressão regional da China. Ambos os líderes deverão se encontrar juntos com Joe Biden pela primeira vez em Washington ainda este ano.
As preocupações que essas importantes nações do Indo-Pacífico têm a respeito da estratégia chinesa não são produto das tentativas de Washington de “conter” a China, conforme alega Pequim. A principal motivação desses movimentos é, na realidade, o próprio Xi. O presidente chinês acelerou a expansão militar regional da China, intensificou a beligerância de sua diplomacia do lobo guerreiro e ampliou a coerção econômica por toda a região.
O Indo-Pacífico é certamente enorme e diverso, e a economia chinesa segue sedutora. Mesmo que líderes como o presidente filipino, Ferdinand Marcos Jr, também conhecido como Bongbong, busquem mais cooperação em segurança com os EUA e seus aliados, eles não podem se dar ao luxo de alienar Pequim completamente. Mas esses novos agrupamentos diplomáticos — apelidados informalmente de “minilaterais”— estão forjando uma nova arquitetura de segurança na Ásia de maneiras significativas. As reações negativas do governo chinês provam que Pequim compreende a importância desses desdobramentos.
Coação chinesa
“Muitos países grandes na região têm uma percepção de estar sendo influenciados e coagidos. A característica duradoura e consistente da diplomacia chinesa no Indo-Pacífico é esta”, disse-me uma graduada autoridade governamental. “Eles têm alienado sistematicamente vários países com sua busca ativista do que consideram seus objetivos nacionalistas.”
Em Washington, é comum perceber a Ásia somente através as lentes estreitas da relação bilateral EUA-China. Isso colabora com o desejo de Pequim de estabelecer uma falsa narrativa postulando os EUA como agressores. Mas os fato desses outros líderes regionais estarem se movimentando dessa maneira evidencia que as preocupações sobre as ações da China não podem ser atribuídas à belicosidade dos EUA ou a algum pensamento de grupo. O sinal de demanda emana da própria região.
“Os aliados e parceiros dos EUA estão se voltando cada vez mais para estratégias de segurança coletiva no Indo-Pacífico literalmente porque a China está cavando sua própria sepultura”, disse-me Derek Grossman, analista sênior de defesa da Rand Corporation.
Começou a corrida para fazer essas conexões se desenvolverem em parcerias genuínas que perdurarão após os atuais líderes dessas democracias partirem. De modo encorajador, tem havido avanço substancial em cooperações militares, planejamentos estratégicos e coordenações diplomáticas — movimentos certamente motivados pela posição cada vez mais ameaçadora de Pequim em relação a Taiwan.
Mas muitos aliados regionais preocupam-se por considerar que falta à política do governo Biden um componente econômico robusto e temem que o apetite americano por internacionalismo possa estar se esvaindo. Os planos dos EUA de construir uma cooperação real em áreas como tecnologia e segurança energética ainda não se concretizou. Para satisfazer o desejo dos aliados asiáticos por mais envolvimento americano, o governo, o Congresso e o povo dos EUA terão de apoiar um aumento nos recursos destinados à região.
O objetivo não é “conter” a China, mas, em vez disso, preservar a soberania de aliados regionais e a ordem que sustenta a prosperidade da região. Pequim quer separar dos EUA seus aliados asiáticos, assim como isolá-los um do outro, mas suas ações produzem sua união. Resta ver se Washington será capaz de tirar vantagem. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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