‘Aliança de governo de Petro era frágil desde o começo’, avalia cientista político

Coalizão do governo de esquerda com partidos de centro e de direita no Congresso se rompeu na terça por atritos com reforma na saúde; crise culminou na demissão de sete ministros

PUBLICIDADE

Foto do author Carolina Marins
Atualização:
Entrevista comAndrés LondoñoCientista político pela Universidade Nacional da Colômbia e doutor pela UERJ

Na noite da última terça-feira, 25, o governo de Gustavo Petro na Colômbia entrou em sua maior crise desde que assumiu o cargo em agosto de 2022. O primeiro líder de esquerda na história do país começou a ter dificuldades para governar depois de fazer alianças com partidos de centro e direita, como o Liberal, o Conservador e o De la U. Nesta quarta, 26, o colombiano anunciou mudanças em seu gabinete, que incluíram demissões nas pastas da Saúde, Fazenda e outras.

Mais cedo, se especulava que Petro poderia demitir todos os seus ministros para “replanejar” o governo, como escreveu no Twitter. Sua coalizão se desfez no Congresso depois de atritos entre a então ministra da Saúde, Carolina Corcho, e os partidos de direita da aliança sobre uma reforma da Saúde.

As reformas foram as maiores promessas de campanha de Petro quando era candidato. Para conquistar a maioria no Legislativo e conseguir avançar com essa promessa, Petro fez alianças frágeis com a direita e o centro, afirma Andrés Londoño, cientista político pela Universidade Nacional da Colômbia e doutor pela UERJ. Confira trechos da entrevista:

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro Foto: Luisa Gonzalez/Reuters

Como o governo de Gustavo Petro chegou a uma crise tão grande, que quase o levou a reformar todo o gabinete?

As alianças que foram formadas em agosto de 2022, quando o presidente assumiu o poder, eram entre partidos mais tradicionais, como o partido Liberal, o partido Conservador e o De la U. Esses partidos claramente não compartilhavam o projeto político de Petro, mas apoioaram a aliança também na expectativa de ter mais cargos no governo. São partidos muitos diferentes ao Pacto Histórico que levou Petro ao poder. Isso fez com que esses partidos entrassem em conflito com a reforma política que não avançou no Congresso e depois teve muitas mudanças no caminho. Demonstrou que os partidos têm um projeto político muito diferente e que também estavam na coalizão mais na expectativa de cargos que por um projeto político ou ideias compartilhadas a respeito das mudanças que o país precisa. Inclusive quando o Partido Liberal entrou na coalizão houve bastante críticas de parlamentares liberais dizendo que o governo tinha dado poucos cargos nos ministérios e que o partido tinha pouca influência no governo. Então, desde o começo essa coalizão era na verdade bastante frágil.

Quais são os pontos de atrito entre o governo e o Congresso nessas reformas?

Especificamente a reforma da Saúde tem gerado mais controvérsias entre os partidos e que tem sido uma das principais bandeiras do governo. Essa reforma pretende fazer grandes mudanças ao sistema de saúde que funciona no país desde o começo da década de 90. Vários políticos tem defendido o sistema de saúde colombiano, que tem uma cobertura ampla, mas vários problemas de qualidade e de garantia do direito á saúde.

Publicidade

A então ministra da Saúde da Colômbia, Carolina Corcho, em foto de fevereiro de 2023  Foto: Luis Eduardo Noriega A./EFE

A reforma tem sido discutida com os partidos, mas eles sentem que suas recomendações e mudanças não têm sido levadas em conta e o governo insiste em avançar com a reforma sem fazer essas mudanças. Só que é bem difícil chegar a um consenso com partidos tão diferentes e com visões tão diferentes. Por isso, por exemplo, o líder do partido Liberal, César Gaviria - que é ex-presidente da Colômbia - disse aos seus parlamentares que as pessoas do partido que votassem a favor da reforma da saúde iriam sofrer consequências.

Inclusive, a reforma foi aprovada num debate preliminar, mas ainda faltam mais debates para que seja totalmente aprovada. E foi uma congressista liberal que não fez caso às indicações do partido, e votou a favor, por isso a reforma passou nos primeiros debates. Porém, a ministra de Saúde não tinha muita popularidade com os ministros tradicionais. Nesse sentido, acho que é uma boa decisão retirá-la porque ela não tinha conseguido muitos consensos com os partidos.

O que acontece agora após o fim da coalizão do governo com os partidos Liberal, Conservador e De la U no Congresso?

Vai ser muito mais difícil as reformas serem aprovadas. Tem duas visões: uma de membros do Pacto Histórico que diz que os partidos tradicionais estavam se aproveitando da necessidade do governo de aprovar as reformas e pedindo o que eles queriam. Mas também existe a visão de que é necessário ter uma coalizão com os partidos. E de fato vai ser muito mais difícil pro governo aprovar qualquer reforma, especialmente tendo em vista que o Pacto Histórico não consegue por si só aprovar as reformas. Ainda mais nesses casos em que o governo de Petro prometeu mudanças amplas como a reforma política e da saúde sem o apoio dos partidos tradicionais.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.