A decisão do governo da África do Sul de acusar Israel de genocídio perante a Corte Internacional de Justiça por causa de guerra contra o grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza tem raízes históricas na aliança forjada entre o movimento antiapartheid liderado por Nelson Mandela e a Organização para a Libertação da Palestina, de Iasser Arafat, ainda na Guerra Fria.
Nos últimos anos, o Congresso Nacional Africano (CNA), partido que controla a África do Sul desde o fim do apartheid cultivou as ligações políticas e diplomáticas com grupos palestinos, entre eles o Hamas, e o discurso anti-Israel tem forte apelo junto à militância mais jovem do partido.
Um exemplo desse vínculo histórico é a viagem de Nelson Mandela voou para a Zâmbia, logo após sua libertação em 1990, para se reunir com líderes africanos que haviam apoiado sua luta contra o sistema de segregação racial forçada do apartheid da África do Sul. Na ocasião, uma figura se destacou entre os homens de terno escuro que aguardavam ansiosamente para cumprimentar Mandela na pista do aeroporto: Arafat, usando seu keffiyeh xadrez preto e branco, tinha viajado para ver o recém-libertado Mandela.
Apoio à causa palestina
A África do Sul não é um peso pesado em termos diplomáticos e está geograficamente distante do conflito. Mas o CNA, que Mandela liderou como movimento de resistência ao apartheid e se transformou em um partido político no governo, manteve sua forte posição pró-palestina mesmo após a morte de seu líder maior, em 2013.
Além disso, o ataque de Israel a Gaza provocou uma solidariedade renovada com a causa palestina na África do Sul. Milhares de pessoas marcharam em apoio a Gaza na Cidade do Cabo e em Johanesburgo, e os prédios do bairro de Bo Kaap, na Cidade do Cabo, foram adornados com pichações pró-palestinas nas semanas após o início da guerra.
“Ficamos ao lado dos palestinos e continuaremos a ficar ao lado de nossos irmãos e irmãs palestinos”, disse o neto de Mandela, Mandla Mandela, em um comício pró-palestino na Cidade do Cabo em outubro, dias depois que o ataque terrorista do Hamas no sul de Israel matou 1,2 mil pessoas, no maior ataque contra judeus desde o Holocausto. Mandla Mandela, um deputado do CNA, usava um keffiyeh palestino preto e branco em volta do pescoço enquanto falava para uma grande multidão.
Elos com o Hamas
O presidente sul-africano Cyril Ramaphosa - o atual líder do CNA - criticou tanto Israel quanto o Hamas pelo que ele chama de atrocidades cometidas por ambos os lados no conflito. Mas ele também apareceu em público usando um keffiyeh e segurando uma bandeira palestina, ao mesmo tempo em que ofereceu condolências a Israel pelos ataques do Hamas em 7 de outubro, deixando pouca dúvida sobre as simpatias da África do Sul.
Autoridades do CNA, incluindo Mandla Mandela, receberam três autoridades do Hamas na África do Sul em dezembro, incluindo o principal representante do grupo no Irã. Eles participaram de uma cerimônia que marcou o 10º aniversário da morte de Nelson Mandela, diante de uma estátua do ex-presidente sul-africano na sede do governo, em homenagem à sua ligação histórica com a causa palestina.
O governo sul-africano liderado pelo CNA afirma que está adotando uma posição moral em seu caso de genocídio contra Israel, primeiro buscando uma ordem para que Israel pare com os ataques em Gaza que mataram mais de 23.300 palestinos, dois terços deles mulheres e crianças, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas.
Acusações de hipocrisia
Mas o caso deu origem a acusações de hipocrisia: O próprio CNA ignorou ordens de tribunais internacionais quando se recusou a prender o então presidente do Sudão, Omar Bashir, quando ele visitou a África do Sul em 2015, enquanto era alvo de um mandado de prisão por alegações de genocídio pelo Tribunal Penal Internacional.
A África do Sul também mantém fortes laços com a Rússia e com o presidente Vladimir Putin desde a invasão da Ucrânia, ignorando uma acusação do TPI contra Putin por supostos crimes de guerra em relação ao sequestro de crianças da Ucrânia.
Vínculos históricos
Nelson Mandela sempre mencionava a situação dos palestinos. Três anos depois que o apartheid e o domínio da minoria branca foram desmantelados na África do Sul e Mandela foi eleito presidente em eleições multirraciais em 1994. Após a vitória, ele agradeceu à comunidade internacional por sua ajuda e acrescentou: “Sabemos muito bem que nossa liberdade é incompleta sem a liberdade dos palestinos”.
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Mandela e os líderes sul-africanos depois dele compararam as restrições impostas por Israel aos palestinos em Gaza e na Cisjordânia com o tratamento dado aos sul-africanos negros durante o apartheid, enquadrando as duas questões como fundamentalmente relacionadas a pessoas oprimidas em sua terra natal. Israel forneceu sistemas de armas para o governo do apartheid da África do Sul e manteve laços militares secretos com ele até meados da década de 1980, mesmo depois de ter denunciado publicamente o apartheid.
O CNA sempre criticou Israel como um “estado de apartheid”, mesmo antes da guerra atual. Grupos internacionais de direitos humanos também acusaram Israel do crime de apartheid contra os palestinos e isso “ressoa fortemente na África do Sul”, disse Thamsanqa Malusi, um advogado sul-africano de direitos humanos.
Israel rejeita categoricamente essa caracterização, dizendo que sua minoria árabe goza de plenos direitos civis. O país vê Gaza, de onde retirou soldados e colonos em 2005, como uma entidade hostil governada pelo grupo militante islâmico Hamas, e considera a Cisjordânia como um território disputado sujeito a negociações de paz - que fracassaram há mais de uma década.
Retórica anti-Israel
Malusi disse que muitos membros do governo sul-africano vivenciaram a opressão do apartheid e que isso poderia ajudar a explicar sua decisão de apresentar o caso contra Israel na principal corte da ONU.
Embora Mandela, o estadista ganhador do Prêmio Nobel da Paz, também tenha procurado Israel na tentativa de promover uma solução pacífica, a retórica anti-Israel na África do Sul se fortaleceu ao longo dos anos, às vezes se infiltrando na vida cotidiana. Por exemplo, a ala jovem do ANC pressionou as cadeias de supermercados sul-africanas a retirarem os produtos israelenses e ameaçou fechá-las à força se não o fizessem.
No entanto, a visita do Hamas à África do Sul não foi bem recebida por todos. O principal partido de oposição da África do Sul disse que considera o Hamas uma organização terrorista, assim como os Estados Unidos e a União Europeia, e o apoio aos palestinos na África do Sul tem conotações raciais complicadas. Os sul-africanos negros e mestiços, brutalmente oprimidos pelo apartheid, têm estado na vanguarda do apoio aos palestinos. O apoio não é tão pronunciado entre a minoria branca da África do Sul./ W. POST.
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