Alvo de protesto de centros acadêmicos da USP, seminário explica origens da crise política em Israel

Debate com professores israelenses teve formato alterado para o online depois que centros da FFLCH convocaram manifestações contra o evento em parceria com o Instituto Brasil-Israel

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Por Redação

O seminário “Reflexões sobre a democracia israelense na atualidade” abordou as origens da crise política em Israel no mento em que o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu busca demitir o chefe da Agência de Segurança Interna, o Shin Bet, destituir a procuradora-geral e reformar o Judiciário.

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O seminário promovido pelo Centro de Estudos Judaicos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), com apoio do Instituto Brasil-Israel (IBI), contou com a participação da historiadora Aviva Halamish, professora da Open University of Israel e Sammy Smooha, professor emérito de Sociologia na Universidade de Haifa e um dos mais renomados estudiosos da sociedade israelense.

O debate estava programado para ocorrer em auditório da faculdade. Nesta quarta-feira, 26, contudo, foi anunciada a mudança para o formato online em meio aos protestos do Comitê de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino (ESSPP) e de centros acadêmicos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

Em vídeo publicado nas redes sociais, o ESSPP convocou uma manifestação contra o que chamou de “escolha política” da Universidade de “se posicionar ao lado de um Estado genocida”, referindo-se a Israel. “Não vamos deixar esse evento acontecer de maneira plena”, segue a publicação ao anunciar o protesto. “Não vamos deixar essa conferência passar sem resposta”.

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Origens da crise política israelense

O futuro da democracia, tema do seminário, preocupa a maior parte dos israelenses enquanto Binyamin Netanyahu é acusado de avançar contra instituições.

Primeiro-ministro Binyamin Netanyahu é alvo de protestos, acusado de avançar contra instituições de Israel  Foto: Associated Press

Em sua fala, Sammy Smooha apontou as limitações da democracia israelense. “Israel não tem Constituição, isso significa que o governo pode facilmente desobedecer as leis porque não tem uma Constituição para limitar o governo”, disse. Outro ponto abordado pelo professor são as implicações de ter um Parlamento unicameral, o Knesset, na divisão de Poderes.

“Quando se tem duas Câmaras no Parlamento é preciso cooperar. No caso de Israel, o governo pode resolver tudo em uma única Casa”. E para formar governo é preciso ter maioria, ou seja controle, sobre o Knesset. “Não existe uma separação real entre os poderes”.

Além disso, afirma, o status permanente de emergência amplia os poderes do governo, inclusive com restrições para a liberdade de imprensa. Assim, a direita tem se mantido no poder. E cada vez mais radical.

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“Existe uma direita que está tentando mudar Israel radicalmente, que vê Israel como sendo criado pela esquerda sionista e quer recriar, mudando as instituições, mudando o país para que Israel vá mais para a direita”, aponta Smooha. Essa direita, contudo, tem falhado em alcançar os seus objetivos porque “não tem uma solução para o conflito”.

“O centro, a esquerda tem uma solução, que não é prática neste momento, mas tem uma solução que é compartilhar o território para a solução de dois Estados”, pondera. “A direita não tem uma solução”.

A crise ficou ainda mais complexa depois que os terroristas do Hamas invadiram Israel no trágico 7 de outubro de 2023. “Depois do ataque, muitos israelenses, inclusive na esquerda, expressaram desilusão sobre qualquer acordo com os palestinos, amplificando a declaração do então primeiro-ministro Ehud Barak, que depois do fracasso de Camp David, disse ‘Não há parceiro para a paz’. A verdade angustiante é que, mesmo antes do 7 de outubro, os palestinos não facilitaram para esquerda ganhar poder”, afirma Aviva Halamish.

A historiadora observa que a esquerda perdeu a sua capacidade de influência sobre a política israelense ao longo das últimas décadas. “As últimas eleições, em 2022, refletem os sintomas da fraqueza fatal da esquerda: a tendência em se dividir e a ausência de líderes”, observa a historiadora destacando que, embora os blocos pró e contra Netanyahu tenham recebido número parecidos de votos, a divisão no Parlamento foi de 64 cadeiras para a situação e 56 para a oposição. Isso porque, afirma, a esquerda perdeu até sete assentos de partidos que não conseguiram ultrapassar a cláusula de barreira.

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Israelenses protestam contra o governo Binyamin Netanyahu.  Foto: Ohad Zwigenberg/Associated Press

Desafios para a democracia

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Mais de 60% dos israelenses disseram que temem pela democracia, segundo pesquisa divulgada no fim de semana, logo após o governo anunciar que demitiria o diretor da Segurança Interna, Ronen Bar. Alvo de protestos, a controvertida decisão foi suspensa pela Suprema Corte enquanto o suposto conflito de interesses de Netanyahu é analisado. O Shin Bet investiga as alegações de que seus assessores teriam recebido milhares de dólares para promover interesses do Catar. O primeiro-ministro nega que a demissão tenha sido motivada pela investigação e alega ter perdido a confiança em Bar depois do ataque terrorista de 7 de outubro.

Netanyahu sugeriu, sem apresentar provas, que o caso do Catar seria resultado de um conluio entre o chefe do Shin Bet e a procuradora-geral, que se posicionou contra a demissão de Ronen Bar, acirrando a tensa relação com o governo. No fim de semana, o gabinete de Binyamin Netanyahu aprovou uma moção de desconfiança contra a procuradora Gali Baharav-Miara, dando início ao processo de destituição, que pode levar semanas.

De acordo com informações de bastidor publicadas na imprensa israelense, Netanyahu teria se inspirado no aliado Donald Trump, que visitou em Washington no mês passado. Nos Estados Unidos, o republicano priorizou a lealdade ao preencher suas fileiras.

“Veja Trump. Ele fez três coisas nos Estados Unidos: cercou-se de pessoas que são leais a ele e somente a ele; demitiu todas as pessoas que não são leais a ele; e está eliminando o ‘Estado profundo’ de forma metódica e completa”, teria dito Netanyahu em reunião de gabinete ao voltar dos Estados Unidos.

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A tese do Estado profundo foi citada publicamente por Netanyahu em post nas redes sociais sobre a investigação envolvendo o Catar. “Nos Estados Unidos e em Israel, quando um forte líder de direita vence uma eleição, o Estado Profundo esquerdista arma o sistema judiciário para frustrar a vontade do povo. Eles não vencerão em nenhum desses lugares! Nós nos mantemos fortes juntos”, escreveu.

Em resposta aos críticos, que o acusam de minar as instituições, Netanyahu insistiu em discurso no Knesset que “A democracia não está em perigo. O governo dos burocratas está em perigo. O Estado profundo está em perigo”. Ele discursava aos parlamentares antes da votação da controvertida proposta que aumentaria o controle político sobre as nomeações para o Judiciário.

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