Alvo de Trump, imigrantes impulsionam crescimento dos EUA, mas deportação em massa ganha apoio

Polarização trava reformas mais abrangentes e país não consegue reformar o sistema migratório para atender a crescente demanda do mercado por trabalhadores

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Foto do author Jéssica Petrovna
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ENVIADA ESPECIAL A EL PASO E CIUDAD JUAREZ - Mãe solo, aos 24 anos, Jennifer encarou meses de caminhada rumo aos Estados Unidos com os três filhos pequenos e o irmão. Na fila do abrigo, em El Paso, Texas, ela compartilhava com dezenas de imigrantes o sonho de uma vida melhor.

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“Acho que aqui eu vou ter oportunidade de crescer, conquistar as minhas coisas”, anseia. “Na Venezuela, não tenho nada, só a casa materna e, mesmo assim, é dos meus pais. Quero trabalhar, me esforçar pelas crianças, garantir que tenham uma boa educação porque, pra eles, eu sou pai e mãe.”

Jennifer cruzou a fronteira ilegalmente e se entregou às autoridades americanas como requerente de asilo. Entrou com tornozeleira eletrônica, autorizada a permanecer no país enquanto corre o processo. Os filhos (o menino de quatro anos e as gêmeas de um ano e meio) seguiram com ela. O irmão, contudo, ficou detido.

“Não sei o que fazer nem para onde ir porque não sei onde está o meu irmão. É ele quem me ajuda com as crianças”, lamentou Jennifer, que mantinha a esperança de reunir a família, se estabelecer nos Estados Unidos e conseguir emprego para, quem sabe um dia, voltar para a Venezuela em condições melhores.

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Foi esse mesmo sonho de melhorar de vida motivou Miguel, 40, a deixar a Venezuela com a família e encarar a arriscada rota até os EUA, onde entrou ilegalmente. “Viemos com muita vontade de trabalhar”, disse ele. “Sou construtor, sei fazer casas.”

Os imigrantes em idade economicamente ativa, como Jennifer e Miguel, podem preencher as lacunas de uma economia com mais vagas abertas do que pessoas para ocupá-las. Mas a polarização impede o país de adotar um sistema mais eficiente, baseado nas necessidades do mercado, dizem analistas ouvidos pelo Estadão.

Imigrantes recém chegados a El Paso, no Texas, esperam poder trabalhar e mudar de vida. Foto: Jéssica Petrovna

O líder republicano Donald Trump insiste que os imigrantes estariam roubando os empregos dos cidadãos americanos, especialmente negros e latinos. “Temos um desastre econômico nas nossas mãos”, disse em evento do Economic Club of New York. “100% dos empregos criados neste governo (Biden-Kamala) foram para os imigrantes ilegais que entraram no nosso país.”

A alegação é falsa. Os estrangeiros correspondem a menos de 20% da força de trabalho nos EUA. Ainda assim, os americanos se mostram cada vez mais conservadores quando o assunto são as fronteiras.

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Um terço concordou que os imigrantes estão invadindo os Estados Unidos. E a metade se mostrou favorável à deportar aqueles que entraram ilegalmente no país, mostrou a pesquisa de Valores Americanos publicada este mês pelo Public Religion Research Institute.

Déficit de mão de obra nos Estados Unidos

A proposta de Donald Trump para deportação em massa, contudo, traria impactos sociais e econômicos para o país, que precisa de mão de obra. A taxa de desemprego nos Estados Unidos está em 4,1%, mas a conta não fecha. São 8 milhões de vagas abertas para 6,8 milhões de pessoas em busca de emprego, de acordo com a Câmara de Comércio dos EUA.

“O raciocínio econômico argumenta que a economia americana será capaz de absorver e se beneficiar (da imigração), mesmo no caso dos menos escolarizados, porque há necessidade de trabalhadores”, avalia o economista Giovanni Peri, diretor do Centro de Migração Global na Universidade da Califórnia, em Davis.

O economista destaca que “ninguém quer o caos na fronteira”, mas defende uma abordagem pragmática, com número de vistos pensado para atender as necessidades do mercado e permitir que essa mão de obra entre ao país legalmente. Reconhece, contudo, que a teoria está cada vez mais longe de ser aplicada na prática, à medida que as disputas políticas, cada vez mais ideológicas e acaloradas, dominam a pauta migratória.

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Peri argumenta que os benefícios superam o impacto fiscal, considerando que os imigrantes pagam mais impostos do que recebem em serviços públicos, como a educação dos filhos, por exemplo. “Essas crianças precisarão de escolas mas serão contribuintes no longo prazo e precisaremos dessa geração mais jovem no mercado de trabalho”, afirma, destacando o envelhecimento da população americana.

Imigração como motor do crescimento

No longo prazo, a expectativa é que a imigração impulsione a economia americana. Essa foi a conclusão do Gabinete de Orçamento do Congresso (CBO da sigla em inglês), que produz análises independentes para dar suporte aos legisladores.

A projeção aponta que o aumento do fluxo na fronteira deve resultar no acréscimo de US$ 9 trilhões ao PIB dos Estados Unidos em uma década. Nesse mesmo período, a tendência é que a imigração leve à redução de U$S 990 bilhões no déficit ao passo em que eleva a arrecadação do governo em U$S 1,2 trilhão.

Esses números são explicados, afirma o relatório, pela chegada de mais trabalhadores, que terão impostos descontados na folha de pagamento. “A imigração nos EUA é um motor de crescimento econômico e não tira oportunidades dos americanos, mas cria mais oportunidades para eles”, afirma Giovanni Peri.

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Ele argumenta que os Estados Unidos têm recebido muitos imigrantes com ensino superior. Os mais escolarizados, afirma, alavancam o crescimento de setores como o Vale do Silício e a indústria da saúde em San Diego. Além de pagar impostos, eles contribuem para economia abrindo os próprios negócios.

Trump com promessa de green card mas insiste em ‘invasão’ dos EUA

Os imigrantes responderam por 25% das novas empresas empregadoras, com peso destacado na indústria de alta tecnologia, mostrou a pesquisa publicada este ano pelo National Bureau of Economic Research. As quatro companhias privadas mais valiosas do país — SpaceX, Stripe, Instacart, Databricks — foram fundadas por estrangeiros. Elon Musk, dono da SpaceX, da Tesla e do X, e apoiador de Donald Trump é sul-africano.

Em podcast com investidores do Vale do Silício, o republicano chegou a prometer que os graduados em universidades americanas receberiam o green card para permanecer no país automaticamente, como parte do diploma, ao ser questionado se as empresas teriam mais capacidade de importar os “melhores e mais brilhantes do mundo”.

Na sequência, a campanha fez a ressalva que o programa se limitaria aos “mais qualificados, que podem fazer contribuições significativas para América”. E que haveria um processo de veto para comunistas, islamistas radicais, apoiadores do Hamas e aqueles que odeiam os Estados Unidos, sem dar muitos detalhes de como isso funcionaria.

A proposta foi vista com ceticismo pelos democratas, que relembraram o histórico de Donald Trump contra a imigração. Na mesma entrevista em que defendeu a permanência dos mais graduados, ele insistiu na tese de que os EUA seriam alvo de uma “invasão” de imigrantes ilegais e criminosos, embora o número de travessias na fronteira tenha caído 68% se comparado com o mesmo período do ano passado.

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Parte do muro da fronteira construído durante o governo de Donald Trump é vista na fronteira EUA-México, a leste de Douglas, no Arizona, em 15 de outubro de 2024  Foto: Olivier Touron/AFP

Falta de consensos políticos para a fronteira

A defasagem da política para as fronteiras é um dos raros consensos nos Estados Unidos, onde o número de imigrantes ilegais é estimado em 11 milhões

“Temos um sistema de imigração quebrado”, admitiu Kamala Harris em entrevista à Fox News, alegando que o problema vem de antes, e também não foi resolvido por Donald Trump. “Vamos ser honestos com relação a isso. Não tenho o orgulho de dizer que esse é um sistema perfeito e acho que todos nós concordamos que precisa ser consertado.”

A Casa Branca e o Congresso tem falhado, ano após ano, em construir acordos que levem a reformas mais abrangentes. A última data da década de 1990, quando George H.W. Bush, o pai, expandiu de 270 para 700 mil a cota de vistos para aqueles que buscam se estabelecer no país legalmente.

George W. Bush, o filho, até tentou passar uma mudança para a legislação sobre as fronteiras, assim como Barack Obama, Donald Trump e Joe Biden. Todos fracassaram.

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Sem conseguir avançar com reformas mais significativas, os presidentes recorrem aos decretos para implementar suas políticas migratórias. Sob Donald Trump, a Casa Branca invocou ainda o chamado Título 42, uma esquecida lei de saúde pública, para fechar a fronteira durante a pandemia.

A medida seguiu em vigor nos primeiros anos do governo Joe Biden-Kamala Harris. A retirada levou ao aumento das travessias, que atingiram máximas históricas no fim do ano passado até que os democratas assinaram o próprio decreto com gatilho para o fechamento da fronteira e restrições aos pedidos de asilo.

Essa tem sido a principal ferramenta para os imigrantes, que se entregam às autoridades americanas após meses de caminhada pelas américas do Sul e Central. Acontece que o asilo se aplica às pessoas que sofrem algum tipo de perseguição. Vir de um país em crise, por si só, não garante o status de refugiado.

Enquanto corre o processo, que tende a ser longo, os requerentes de asilo podem permanecer temporariamente nos Estados Unidos e solicitar a permissão de trabalho.

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Maria*, da Venezuela, tinha emprego num restaurante quando decidiu pegar as economias e seguir em busca do sonho americano com o marido e o filho pequeno. Ela seguiu o caminho legal — o aplicativo do governo para marcar audiências com as autoridades migratórias. Estava ansiosa para trabalhar quando falou com o Estadão, recém chegada a El Paso. A licença, no entanto, só é imitida após seis meses.

E os gargalos no sistema deixam milhões de pessoas no limbo sem saber se poderão se estabelecer em solo americano ou serão, no fim, deportadas de volta para os países de onde fugiram.

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