BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve participar de uma sessão especial na reunião de abertura dos trabalhos do Brics no Brasil, na semana que vem. A primeira reunião de sherpas, como são conhecidos os negociadores-chefes dos 11 países membros do bloco e 9 parceiros, ocorre nos dias 25 e 26 no Palácio do Itamaraty, em formato presencial. Na mira de tarifas e retaliações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o grupo dos maiores países emergentes se reúnem no Brasil neste ano, com uma Cúpula de Líderes convocada para os dias 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro.
O embaixador Mauricio Lyrio, negociador principal no Brics e secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty, disse que o encontro terá um panorama geral do Brics neste ano, no momento de “dificuldades” em relação ao funcionamento do multilateralismo e das instituições de governança global.
O embaixador afirmou que o bloco não vai discutir agora uma “moeda do Brics”, algo que já foi explicitamente incentivado em anos recentes pelo presidente Lula. Segundo o sherpa brasileiro, as reuniões vão focar em formas e alternativas de reduzir custos financeiros de operações comerciais e investimentos, principalmente com o uso de moedas locais. Issa é uma das maneiras de reduzir a dependência do dólar como moeda dominante nas transações internacionais.
Ele evitou citar o papel de Trump, mas nos bastidores da diplomacia e entre especialistas que acompanham as discussões é esperado que o bloco mande recados diretos às ações unilaterais do republicano, o que poderia envolver a guerra tarifária.

O assunto vem sendo debatido no Brics desde 2015, inclusive com participação do banco do grupo, o NDB - New Development Bank, presidido por Dilma Rousseff. Mas agora Trump promete taxar em 100% exportações de países do Brics caso ousassem substituir o dólar. Mais recentemente, disse o americano disse que o Brics “morreu” após sua ameaça.
O embaixador negou que a decisão de tirar do foco principal a moeda comum para transações de comércio exterior e investimentos tenha a ver com as bravatas de Trump. Segundo Lyrio, além de ser um projeto de longo prazo, há diferenças de percepção entre os países membros.
“Não tem a ver com declarações de outras autoridades, mas tem a ver com a lógica interna do Brics”, afirmou o embaixador.
Aposta de Putin
No ano passado, o presidente russo, Vladimir Putin, chegou a receber e exibir uma cédula simbólica da virtual moeda R5 - referência ao real, rand, renmimbi, rublo e rúpia. O país também fomentou estudos sobre meios de pagamento e compensação bancária internacional, lançando projetos concretos ao longo de 2024.
A Rússia é entusiasta das discussões porque planeja contornar as sanções decorrentes da guerra na Ucrânia. A China também tem interesse em aumentar trocas com o renmimbi (yuan), mas não agora, nem abandonar todo o comércio em dólar, segundo diplomatas brasileiros envolvidos nos bastidores.
O governo do Brasil se preocupa em deixar claro que nunca houve intenção de “substituir o dólar”, mas de fomentar mecanismos complementares, que reduzam a dependência da moeda americana, já dito por Lula. Lyrio afirmou que o processo de criação de uma unidade de referência seria um processo “muito complexo”, envolvendo economias grandes, e de “longo prazo”.
“O fato de que um país possa defender a moeda Brics é uma coisa. A questão é que são projetos que podem acontecer de longo prazo”, ponderou Lyrio. “O fato de que o presidente brasileiro defenda é a visão de um governo sobre o tema. Esse tema é um tema que não é fácil de administrar e, obviamente, há maneiras de redução de custos de operação que são passos que devem ser tomados antes, inclusive, disso. Agora, nada impede que os presidentes discutam a possibilidade de num horizonte mais distante de tratar o tema.”
Serão explorados projetos em desenvolvimento, como a plataforma de pagamentos e liquidação transfronteiriça, Brics Bridge - uma alternativa ao sistema de comunicação interbancária Swift, do qual Moscou foi excluído-; um sistema de pagamentos em moedas nacionais por QR code, o Brics Pay; e mecanismos entre os bancos centrais dos países Brics.
“Todos esses sistemas são para redução de custos de operação. Isso é perfeitamente realizável, e não só, na realidade, já existe. Agora, a questão eventual de uma moeda Brics é uma questão que, nesse momento, não está sendo discutida porque não há ainda acordo sobre o tema”, disse o sherpa brasileiro, nomeado por Lula. “Se essas iniciativas vão facilitar, no futuro, outros projetos, como o projeto da moeda Brics, se for esse o caso, excelente. Mas é que não é esse o assunto que está sendo discutido nesse momento.”
Putin no Rio
A presença de Vladimir Putin na cúpula dos Brics este ano segue em aberto. O embaixador confirmou que o governo brasileiro vai novamente estender convite ao líder russo, por ser membro fundador do Brics, assim como fez no G-20 em novembro passado. Putin, no entanto, deixou de ir ao Rio alegando que não iria atrapalhar as discussões das 20 maiores economias do mundo.
Como pano de fundo, na verdade, existe o risco concreto de que a Justiça brasileira receba pedido para cumprir a ordem de prisão do russo, expedida pelo Tribunal Penal Internacional. A captura é requerida por suposto crime de guerra na deportação ilegal de crianças ucranianas. O Brasil, como signatário dos tratados da corte, tem em tese obrigação de cumprí-la.
Embora diga que ele é bem-vindo ao País, o governo Lula não pode dar garantias totais a Putin. A prisão é considerada improvável por causa do poderio da Rússia, e de excepcionalidades dos chefes de Estado. Putin declinou de viajar em 2023 à África do Sul, e participou por videoconferência.
Em recente entrevista ao jornal espanhol El País, o chanceler Mauro Vieira afirmou esperar que a Rússia “esteja presente nível político mais elevado possível”.
Programação
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, vai participar da sessão de abertura dos trabalhos, no dia 25. No dia 26, o presidente Lula planeja discursar aos diplomatas, inclusive dos países parceiros, que serão convidados.
A nova categoria de associação ao Brics, criada no ano passado em Kazan, na Rússia, vai fazer sua estreia com assento e voz em parte das reuniões do Brics, como a Cúpula de Líderes e a reunião de chanceleres, mas sem direito a voto e poder de veto.
No dia 24, Lyrio vai receber os sherpas em reuniões bilaterais. Para a primeira reunião de sherpas, estão programadas ao longo dos dois dias sete sessões de debates relacionadas às cinco prioridades estabelecidas pelo Brasil:
- Cooperação em Saúde - com foco em medidas e estudos contra doenças tropicais, como a tuberculose, sejam medicamentos, pesquisas e vacinas
- Mudança do Clima - com ênfase em financiamento, diante da “decepção” de países em desenvolvimento com os resultados “modestos” sobre volume de dinheiro para mudança climática, como definiu o embaixador, da COP-29 em Baku e das discussões na COP-30, em Belém (PA)
- Comércio, Investimento e Finanças - com discussões sobre redução de custos comerciais e financeiros, uso de moedas locais para operações financeiras e mecanismos de compensação e pagamentos
- Governaça de Inteligência Artificial - debate sobre ausência de regras legais comuns e domínio da tecnologia, bem como aplicações e desinformação
- Desenvolvimento Institucional do Brics - definição de regras de participação no grupo, formato de rodízio da presidência, entre outros, após as expansões em Johannesburgo (2023) e Kazan (2024), critérios para futuras ampliações revisão de normativos