Alvo de Trump, moeda comum do Brics sai da pauta de reunião do bloco que será comandada por Lula

Embaixador Mauricio Lyrio afirma que discussão que provocou ameaça de tarifa do presidente americano será deixada de fora do programa

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Foto do author Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve participar de uma sessão especial na reunião de abertura dos trabalhos do Brics no Brasil, na semana que vem. A primeira reunião de sherpas, como são conhecidos os negociadores-chefes dos 11 países membros do bloco e 9 parceiros, ocorre nos dias 25 e 26 no Palácio do Itamaraty, em formato presencial. Na mira de tarifas e retaliações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o grupo dos maiores países emergentes se reúnem no Brasil neste ano, com uma Cúpula de Líderes convocada para os dias 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro.

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O embaixador Mauricio Lyrio, negociador principal no Brics e secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty, disse que o encontro terá um panorama geral do Brics neste ano, no momento de “dificuldades” em relação ao funcionamento do multilateralismo e das instituições de governança global.

O embaixador afirmou que o bloco não vai discutir agora uma “moeda do Brics”, algo que já foi explicitamente incentivado em anos recentes pelo presidente Lula. Segundo o sherpa brasileiro, as reuniões vão focar em formas e alternativas de reduzir custos financeiros de operações comerciais e investimentos, principalmente com o uso de moedas locais. Issa é uma das maneiras de reduzir a dependência do dólar como moeda dominante nas transações internacionais.

Ele evitou citar o papel de Trump, mas nos bastidores da diplomacia e entre especialistas que acompanham as discussões é esperado que o bloco mande recados diretos às ações unilaterais do republicano, o que poderia envolver a guerra tarifária.

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O embaixador Mauricio Carvalho Lyrio, Secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Ministério das Relações Exteriores, e chefe das negociações diplomáticas no G-20 e no Brics Foto: Pedro Kirilos/Estadão

O assunto vem sendo debatido no Brics desde 2015, inclusive com participação do banco do grupo, o NDB - New Development Bank, presidido por Dilma Rousseff. Mas agora Trump promete taxar em 100% exportações de países do Brics caso ousassem substituir o dólar. Mais recentemente, disse o americano disse que o Brics “morreu” após sua ameaça.

O embaixador negou que a decisão de tirar do foco principal a moeda comum para transações de comércio exterior e investimentos tenha a ver com as bravatas de Trump. Segundo Lyrio, além de ser um projeto de longo prazo, há diferenças de percepção entre os países membros.

“Não tem a ver com declarações de outras autoridades, mas tem a ver com a lógica interna do Brics”, afirmou o embaixador.


Aposta de Putin

No ano passado, o presidente russo, Vladimir Putin, chegou a receber e exibir uma cédula simbólica da virtual moeda R5 - referência ao real, rand, renmimbi, rublo e rúpia. O país também fomentou estudos sobre meios de pagamento e compensação bancária internacional, lançando projetos concretos ao longo de 2024.

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A Rússia é entusiasta das discussões porque planeja contornar as sanções decorrentes da guerra na Ucrânia. A China também tem interesse em aumentar trocas com o renmimbi (yuan), mas não agora, nem abandonar todo o comércio em dólar, segundo diplomatas brasileiros envolvidos nos bastidores.

O governo do Brasil se preocupa em deixar claro que nunca houve intenção de “substituir o dólar”, mas de fomentar mecanismos complementares, que reduzam a dependência da moeda americana, já dito por Lula. Lyrio afirmou que o processo de criação de uma unidade de referência seria um processo “muito complexo”, envolvendo economias grandes, e de “longo prazo”.

“O fato de que um país possa defender a moeda Brics é uma coisa. A questão é que são projetos que podem acontecer de longo prazo”, ponderou Lyrio. “O fato de que o presidente brasileiro defenda é a visão de um governo sobre o tema. Esse tema é um tema que não é fácil de administrar e, obviamente, há maneiras de redução de custos de operação que são passos que devem ser tomados antes, inclusive, disso. Agora, nada impede que os presidentes discutam a possibilidade de num horizonte mais distante de tratar o tema.”

Serão explorados projetos em desenvolvimento, como a plataforma de pagamentos e liquidação transfronteiriça, Brics Bridge - uma alternativa ao sistema de comunicação interbancária Swift, do qual Moscou foi excluído-; um sistema de pagamentos em moedas nacionais por QR code, o Brics Pay; e mecanismos entre os bancos centrais dos países Brics.

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“Todos esses sistemas são para redução de custos de operação. Isso é perfeitamente realizável, e não só, na realidade, já existe. Agora, a questão eventual de uma moeda Brics é uma questão que, nesse momento, não está sendo discutida porque não há ainda acordo sobre o tema”, disse o sherpa brasileiro, nomeado por Lula. “Se essas iniciativas vão facilitar, no futuro, outros projetos, como o projeto da moeda Brics, se for esse o caso, excelente. Mas é que não é esse o assunto que está sendo discutido nesse momento.”

Putin no Rio

A presença de Vladimir Putin na cúpula dos Brics este ano segue em aberto. O embaixador confirmou que o governo brasileiro vai novamente estender convite ao líder russo, por ser membro fundador do Brics, assim como fez no G-20 em novembro passado. Putin, no entanto, deixou de ir ao Rio alegando que não iria atrapalhar as discussões das 20 maiores economias do mundo.

Como pano de fundo, na verdade, existe o risco concreto de que a Justiça brasileira receba pedido para cumprir a ordem de prisão do russo, expedida pelo Tribunal Penal Internacional. A captura é requerida por suposto crime de guerra na deportação ilegal de crianças ucranianas. O Brasil, como signatário dos tratados da corte, tem em tese obrigação de cumprí-la.

Embora diga que ele é bem-vindo ao País, o governo Lula não pode dar garantias totais a Putin. A prisão é considerada improvável por causa do poderio da Rússia, e de excepcionalidades dos chefes de Estado. Putin declinou de viajar em 2023 à África do Sul, e participou por videoconferência.

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Em recente entrevista ao jornal espanhol El País, o chanceler Mauro Vieira afirmou esperar que a Rússia “esteja presente nível político mais elevado possível”.

Programação

O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, vai participar da sessão de abertura dos trabalhos, no dia 25. No dia 26, o presidente Lula planeja discursar aos diplomatas, inclusive dos países parceiros, que serão convidados.

A nova categoria de associação ao Brics, criada no ano passado em Kazan, na Rússia, vai fazer sua estreia com assento e voz em parte das reuniões do Brics, como a Cúpula de Líderes e a reunião de chanceleres, mas sem direito a voto e poder de veto.

No dia 24, Lyrio vai receber os sherpas em reuniões bilaterais. Para a primeira reunião de sherpas, estão programadas ao longo dos dois dias sete sessões de debates relacionadas às cinco prioridades estabelecidas pelo Brasil:

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  • Cooperação em Saúde - com foco em medidas e estudos contra doenças tropicais, como a tuberculose, sejam medicamentos, pesquisas e vacinas
  • Mudança do Clima - com ênfase em financiamento, diante da “decepção” de países em desenvolvimento com os resultados “modestos” sobre volume de dinheiro para mudança climática, como definiu o embaixador, da COP-29 em Baku e das discussões na COP-30, em Belém (PA)
  • Comércio, Investimento e Finanças - com discussões sobre redução de custos comerciais e financeiros, uso de moedas locais para operações financeiras e mecanismos de compensação e pagamentos
  • Governaça de Inteligência Artificial - debate sobre ausência de regras legais comuns e domínio da tecnologia, bem como aplicações e desinformação
  • Desenvolvimento Institucional do Brics - definição de regras de participação no grupo, formato de rodízio da presidência, entre outros, após as expansões em Johannesburgo (2023) e Kazan (2024), critérios para futuras ampliações revisão de normativos