Anteriormente a uma votação de impeachment marcada para 7 de dezembro, o então presidente peruano, Pedro Castillo, dissolveu o Congresso e declarou que instalaria um “governo de exceção”, para governar por decreto até que um novo Congresso fosse eleito. O Congresso foi adiante com a votação mesmo assim e destituiu Castillo, elevando sua vice, Dina Boluarte, à presidência.
Castillo também havia anunciado uma reorganização do Judiciário, ordenado um toque de recolher e instado os cidadãos a entregarem suas armas.
A Americas Quarterly pediu a observadores que compartilhassem suas impressões.
Luis Miguel Castilla, economista e ex-ministro das Finanças do Peru
Esta presidência acabou da mesma maneira que foi exercida ao longo dos 16 meses recentes: com medidas arbitrárias. Na manhã de quarta, 7, a oposição não possuía nem os 87 votos necessários para destituir Castillo, não contava com o apoio do Peru Libre, e Vladimir Cerrón até tuitou mais cedo que seu partido não votaria a favor do impedimento.
Entenda a crise política no Peru
Mas então Castillo decidiu fechar o Congresso e virou rapidamente a maré contra si mesmo. Estávamos esperando um anúncio oficial das Forças Armadas - que seria a única maneira que permitiria a Castillo sair-se bem-sucedido. Mas os militares foram claros em seu apoio à Constituição. De fato, todas as instituições do país foram ágeis em denunciar a manobra inconstitucional de Castillo.
Agora, a nova presidente, Dina Boluarte, tem diante de si um grande desafio, precisa convocar um gabinete de unidade. Boluarte terá apoio do Congresso inicialmente, mas tem de construir uma coalizão rapidamente ou enfrentará instabilidade daqui a poucos meses.
Minha primeira reação foi de choque, mas o fato é que esse governo foi tão instável e continuou empobrecendo tantas coisas, que esta é uma resolução bem-vinda, ágil e imediata à crise dos 16 meses recentes.
Will Freeman, doutorando em ciência política na Universidade de Princeton
O pior desdobramento foi evitado no Peru. Afortunadamente, o Congresso, as Forças Armadas, a polícia, o Judiciário e a vice-presidente Dina Boluarte alinharam-se rapidamente para afirmar que a tentativa de Castillo de instaurar um “governo de exceção” não teria nenhum apoio, e Castillo foi colocado sob custódia policial.
Por um lado, a velocidade e a unanimidade com que as instituições do Peru disseram não à tentativa de golpe foram encorajadoras. Conflitos entre braços do governo podem parecer-se mais com brigas de bar do que salutares freios e contrapesos, e a frustração com a disfuncionalidade do governo pode se aprofundar. Mas quando se trata de preservar a democracia eleitoral do Peru, alguns limites (minimamente) se mantêm.
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Virtualmente todos os principais atores do espectro político e dos braços do governo parecem concordar que um rompimento com a ordem constitucional e eleições regulares seria ruim para o país — ou pelo menos para seus interesses próprios. O fracassado autogolpe de Castillo mostra que, não importa quão frustrados os peruanos possam estar com a disfunção descontrolada do governo (e eles estão frustrados), nenhuma força política foi capaz de canalizar esse descontentamento em apoio a algum autocrata — ainda.
Mas este problema pode ser mais de oferta do que de demanda. A pesquisa LAPOP tem mostrado ano após ano que o apoio a golpes no Executivo é mais disseminado no Peru do que em outras democracias latino-americanas. O autogolpe de Castillo fracassou provavelmente por causa de sua péssima maneira de governar, que o tornou impopular tanto entre o povo quanto entre outros braços do governo. Mas e se um presidente mais astuto aparecer e copiar a manobra de Castillo, mas com apoio popular ou aliados em algumas instituições-chave?
Não deveríamos estar confiantes de que testemunharemos uma repetição da unânime e ágil resposta que vemos hoje. Há figuras à espreita por aí — como o nacionalista-extremista Antauro Humala, que pretende desmantelar a democracia peruana — contudo mais determinadas em fazê-lo do que foi Castillo. Diz o ditado que “a história se repete primeiro como tragédia, depois como farsa”. Esperemos que o Peru não prove essa lógica ao revés: o autogolpe de Castillo como uma farsa que poderia facilmente ser seguida por uma tragédia, caso as instituições peruanas não consigam encontrar consenso no sentido da resolução dos problemas mais prementes do país.
Andrea Moncada, analista política peruano
A decisão de Castillo de dissolver o Congresso enquanto os legisladores se preparavam para votar, na quarta-feira, a respeito de seu impeachment é uma exibição da fraqueza do presidente e de sua falta de estratégia política. O movimento é inquestionavelmente inconstitucional — a única maneira legal de fechar a legislatura no Peru é o presidente ser submetido a dois votos de desconfiança consecutivos, o que não ocorreu.
Isso convenceu parlamentares que estiveram em cima do muro a respeito de removê-lo a votar por sua remoção e talvez até legisladores de seu antigo partido, o Peru Libre, que já haviam se irritado com uma ameaça de dissolução feita algumas semanas atrás. Seus ministros e outras graduadas autoridades já vinham se demitindo em massa. É claro que Castillo pensou que desta maneira evitaria ser destituído, mas tratou-se de uma decisão impulsiva e mal planejada.
O general que comanda as Forças Armadas deixou o cargo cerca de uma hora antes do discurso de Castillo, em um claro sinal de desaprovação. O presidente não tinha um relacionamento próximo com o Exército, conforme ficou evidente quando ele tentou influenciar promoções no início de seu mandato. Nesse 7 de dezembro, o Peru começou o dia com um presidente e o terminou com outro. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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