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Amorim vê brecha para Corte anular votação e pedir nova eleição na Venezuela

Ao Senado, assessor especial de Lula revela oferta para retirar opositores de Caracas em voo da FAB e afirma que País ‘não vai impor democracia’, mas não vai reconhecer um governo se as ‘atas não aparecerem’

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Foto do author Felipe Frazão

BRASÍLIA - O ex-chanceler Celso Amorim, chefe da Assessoria Especial da Presidência da República, disse nesta quinta-feira, dia 15, que a ideia de promover novas eleições na Venezuela não é dele, mas que vê brechas para esse desfecho a partir de eventual anulação do pleito pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), a entidade máxima do Judiciário da Venezuela controlada pela ditadura chavista.

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O assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enviado por ele ao país, participou de audiência pública no Senado para dar explicações sobre seu papel e a iniciativa de diálogo do Brasil, provocado pela oposição ao governo Lula. Insistentemente questionado sobre qual seria a posição do País se o resultado eleitoral não ficar demonstrado, Amorim disse que o Brasil não vai reconhecer um governo venezuelano se as atas de votação não forem divulgadas, como demanda a comunidade internacional.

Quase três semanas depois da eleição, a ditadura venezuelana ainda não apresentou publicamente as atas de votação, o documento que registra o total de votos e o resultado em cada um dos cerca de 30.000 locais de votação da Venezuela. “Se não houver nenhum acordo que possibilite avançar, nós não vamos reconhecer um governo se as atas não aparecerem”, afirmou o ex-ministro.

Segundo Amorim, a realização de uma espécie de “segundo turno” é um tema em discussão nos bastidores do governo Luiz Inácio Lula da Silva e com outros interlocutores externos, como saída para o impasse entre o regime do ditador Nicolás Maduro e a oposição. Os dois lados dizem ter vencido a disputa de 28 de julho. O assessor especial argumentou que, se ambos argumentam ter vencido, poderiam ganhar novamente uma segunda votação.

A ideia de uma nova eleição na Venezuela foi defendida também pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, mas é vista com ceticismo pela maioria da comunidade internacional. O próprio chavismo rejeitou a ideia. “É uma estupidez”, afirmou o número 2 do chavismo, Diosdado Cabello, sobre a ideia. “Não vamos repetir eleições coisa nenhuma”, disse o vice-presidente do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), a legenda que controla o Estado venezuelano e tem Maduro na liderança. “Um segundo turno? Na Venezuela não há segundo turno. Senhores... Não se metam nos assuntos internos da Venezuela que vamos respondê-los”.

Opositores também rejeitam a possibilidade de uma nova eleição, e consideram que a aprsentação de atas, a esta altura, estaria sujeita a novas fraudes. “Eu pergunto a vocês. Se não agradar o resultado de uma segunda eleição, vamos por uma terceira? Uma quarta? Uma quinta? Vocês aceitariam isso em seu país?”, disse María Corina Machado em uma coletiva de imprensa. “Propor isso é desconhecer o que aconteceu em 28 de julho, é um desrespeitos aos venezuelanos”, completou.

Partidários do opositor Edmundo González Urrutia divulgaram cópias atas eleitorais que o mostram com 67% dos votos, ante 30% de Maduro. Um estudo realizado por Walter Mebane, professor de ciência política da Universidade de Michigan (EUA) e especialista em detecção de fraude eleitoral, concluiu que não houve fraude nas atas eleitorais divulgadas pela oposição da Venezuela para afirmar que o vencedor das eleições foi Urrutia.

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O assessor especial da presidência, Celso Amorim, participa de audiência pública no Senado, em Brasília  Foto: Evaristo Sa/AFP

Já o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão oficial controlado pelo chavismo, deixou de dar transparência aos dados e proclamou a reeleição do ditador por 52% a 43%. O CNE disse ter sofrido um ataque cibernético - alegação que é contestada internacionalente.

Ao menos três apurações independentes, da AP, do Washington Post e da plataforma AltaVista, desenvolvida por uma organização sem fins lucrativos da Venezuela indicam que o opositor venezuelano Edmundo González Urrutia venceu as eleições contra o ditador Nicolás Maduro nas eleições da Venezuela, diferentemente do que afirma o resultado oficial do Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Feitas com base em atas eleitorais disponíveis, as apurações identificaram que o opositor recebeu pelo menos meio milhão de votos a mais que o divulgado pelo órgão eleitoral do país, dominado pelo chavismo.

“Nosso objetivo é que tem que aparecer essas atas. E têm que ser publicadas pelo CNE. O problema e aí a gente não sabe bem, a legislação parece contraditória... A sala eleitoral da Corte Suprema permite considerar e se (a corte) verificar que a vontade popular não está sendo respeitada pode anular a eleição. Então acabaria resultando no que a senhora e muitos outros chamam de minha proposta de novas eleições”, disse Amorim, em resposta à senadora Teresa Cristina (PP-MS), autora do requerimento que o levou à audiência pública.

Celso Amorim afirmou que, oficialmente, nem ele nem o governo brasileiro jamais fizeram uma proposta de novas eleições, embora reconheça que o assunto vem sendo discutido nos bastidores. Amorim afirmou que ouviu a sugestão de um interlocutor “não brasileiro” com o qual discutiu uma saída. Ele se negou a revelar a identidade dessa pessoa.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, participa de coletiva de imprensa em Caracas, Venezuela  Foto: Matias Delacroix/AP

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“É um tema. É uma ideia que está aí. Estamos dialogando e vendo se surge uma ideia. Manter a paz é o objetivo principal”, disse o ex-chanceler, que agregou que “segundo turno” - não previsto nas leis venezuelanas e rechaçado pela oposição - dependeria de uma sólida supervisão internacional e do levantamento de sanções.

Acordo

Ele também lembrou que o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, já sugeriu um acordo de garantias mútuas. E disse que o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, “se retraiu” da participação na diplomacia presidencial tríplice com Lula e Petro para não lançar pressão sobre o novo governo da sucessora Claudia Scheinbaum. Ela assume em 1º de outubro e indicou indisposição de se envolver, ao sugerir que a controvérsia deve ser resolvida na Justiça venezuelana, controlada pela ditadura chavista, e depois avaliada por instituições internacionais.

O ex-chanceler destacou que o País tem recebido apoio de líderes globais como o presidente dos EUA, Joe Biden, e o presidente da França, Emmanuel Macron. Segundo eles, todos os países demonstram confiança na interlocução mantida pelo Brasil, embora nos bastidores haja discordâncias e também receio com o resultado final, como mostrou o Estadão. Amorim revelou que recebeu um telefonema do Vaticano, nesta semana, e que Biden pediu uma nova chamada com Lula para tratar do assunto, o que pode ocorrer nas próximas horas.

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“O Brasil nao corre o risco de ser pária. Não vamos impor a democracia à Venezula”, afirmou o ex-chanceler.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de coletiva de imprensa com a mídia internacional em Brasília  Foto: Evaristo Sa/AFP

O ex-chanceler afirmou que o regime e a oposição têm “visão distinta” também sobre o papel legal da Corte Suprema no ordenamento jurídico do país. Enquando Maduro acionou a sala eleitoral do TSJ, controlada pela ditadura, pedindo uma investigação sobre um suposto ataque hakcer vindo da Macedônia do Norte e a “certificação” de sua vitória, a Plataforma Unitária Democrática enxerga uma “invasão de competência”, porque o CNE deveria ser o órgão que trata das eleições, e boicotou o chamado para que González se apresentasse e se manifestasse na ação, alegando insegurança.

O assessor de Lula confirmou que não se encontrou com a líder opositora María Corina Machado nem visitou opositores na prisão. Ele disse ter sido enviado por Lula como potencial mediador de diálogo e que não “dispunha de ferramentas” para fazer uma ampla observação do pleito.

No entanto, afirmou que a perseguição preocupa o País. Citou que a comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas relatou 23 mortes em manifestações contrárias ao regime após a votação e 1,2 mil presos - número abaixo dos 2,2 mil citados pelo chavismo, o que indica, para o ex-ministro, uma forma de causar “temor” e ameaça.

Amorim revelou que o governo brasileiro ofereceu ao regime e à oposição enviar um avião oficial da Força Aérea Brasileira para retirar da Venezuela assessores da campanha de González que estavam abrigados na embaixada da Argentina.

As instalações argentinas e os edifícios ficaram sob a proteção do Brasil quando os países romperam relações, a partir da expulsão dos diplomatas de Buenos Aires. Amorim afirmou que não houve ainda resposta, mas insistiu que é necessário manter canais de diálogo com Caracas.

Segundo ele, somente a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a União Europeia (UE) teriam capacidade de realizar tal tarefa em escala, mas que a primeira “perdeu credibilidade” e que a segunda deu um “pretexto para ser desconvidada” pelo regime chavista, ao não levantar sanções.

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“Não recebi a María Corina deliberadamente porque eu achei que alguém tinha que manter contato com o governo, mas sim recebi o candidato González. Todo mundo sabe das influências recíprocas (entre eles). O candidato foi à embaixada, achei uma pessoa tranquila, não ameaçou nada”, relatou o assessor de Lula, sobre um encontro na residência oficial brasileira, em 29 de julho. “Há contatos em nível muito alto com a senhora Corina”, complementou, diante de reiteradas perguntas da oposição.

O ex-chanceler também lançou dúvidas sobre ação diplomática na OEA. O governo dos Estados Unidos tenta mais uma vez negociar uma resolução e calibram o teor do texto para que pressione o regime de Maduro a parar a repressão de manifestação e divulgar o resultado da votação, permitindo uma checagem imparcial. Na primeira negociação, Brasil, México e Colômbia coordenaram a derrubada do documento da OEA.

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