WASHINGTON - Em uma recente reunião com os seus principais assessores políticos, o presidente Donald Trump se mostrou impaciente quando o alertaram para o fato de que ele estará caminhando para a derrota em novembro, se persistir em seu comportamento incendiário em público e no Twitter.
Dias antes, Trump provocara um alarme reagindo aos protestos contra a brutalidade da polícia com uma ameaça: “Quando os saques começarem, começarão os tiros”.
Trump retrucou aos assessores: “Eu tenho de ser eu mesmo”, teria dito ele segundo três pessoas a par da reunião. Horas mais tarde, ele postou no Twitter uma carta do seu advogado pessoal que descrevia alguns dos manifestantes como “terroristas”.
Nesses momentos, e em repetidas ocasiões desde então, o tom costumeiro de desafio do presidente esteve impregnado por uma sensação de forte agitação diante da série de crises externas que não conseguiu conter, ou mesmo contribuiu para exacerbar, comentam pessoas próximas a ele.
Elas afirmam que seus repetidos atos de auto sabotagem política – a sessão de fotos amplamente denunciada em frente a uma igreja de onde manifestantes pacíficos haviam sido retirados à força, a ameaça de usar o Exército para dissolver os protestos – prejudicaram consideravelmente suas perspectivas de reeleição, e, no entanto, ele parece totalmente incapaz ou não disposto a acabar com eles.
Trump não quer ser visto como um “derrotado”, um rótulo que ele detesta, na campanha contra o ex-vice-presidente Joe Biden. E alguns assessores acreditam que o prazer de Trump pela batalha retornará no segundo semestre, quando a luta nas eleições gerais se tornar mais acirrada.
Mas, por enquanto, afirmam, o presidente está agindo muito na defensiva, como se sentisse acuado, e o seu comportamento auto destrutivo tem se mostrado tão fora de propósito para um presidente em um ano eleitoral que muitos conselheiros se perguntam se estará realmente interessado em governar em um segundo mandato.
Em lugar de concentrar-se em fazer planos e estabelecer objetivos para mais quatro anos na presidência, Trump foi afundando na auto comiseração por causa da cobertura que vem recebendo da imprensa desde o início da pandemia do coronavírus, segundo pessoas próximas a ele.
O republicano afirmou aos assessores que não importa o que faça, a imprensa não publica “bons” artigos a seu respeito, o que tem sido seu principal interesse. “Esta gente”, costuma rosnar Trump falando dos repórteres com os assessores, com um palavrão entre as duas palavras.
E queixou-se de que nada que ele faça é suficientemente bom, mostrando uma profunda irritação com as críticas de que não tratou da maneira devida a morte de George Floyd, o homem morto pela polícia em Minneapolis. Os comentários que ele fez sobre Floyd quando esteve presente ao lançamento da espaçonave SpaceX deveriam bastar, falou aos assessores.
Trump também ficou furioso, mais uma vez, com os vazamentos da Casa Branca, exigindo que os policiais descubram e processem os responsáveis pelas informações sobre sua ida ao bunker embaixo da Casa Branca durante os protestos mais acalorados.
E embora mostre entusiasmo pela retomada dos comícios que são a sua marca registrada, não tem expressado otimismo a respeito da possibilidade de governar por mais quatro anos, afirmam as mesmas fontes. Ele já tem os vilões para culpar caso seja derrotado – a péssima gestão da China no caso do coronavírus, o fechamento da economia e os democratas que, segundo declarou aos assessores, “roubarão” a eleição dele.
Os assessores admitem que ele sempre teve dificuldade em controlar o seu comportamento, o que vai muito além dos limites da conduta que se espera de um presidente. Sua tendência a usar uma linguagem racista – como no tuíte e que fala em atirar contra os saqueadores – é algo que há muito define e mina a sua presidência. Mas o seu e comportamento, os seus comentário recentes, e sua incapacidade de abandoná-los, impressiona os assessores que os consideram diferentes de suas usuais aberrações.
O New York Times entrevistou mais de dez pessoas que falam ou se encontram frequentemente com o presidente, inclusive assessores atuais ou anteriores na Casa Branca, conselheiros de campanha, amigos e associados. A maioria falou, sempre anonimamente, discutindo abertamente assuntos internos da Casa Branca, e para evitar retaliações. Eles gostariam de vê-lo ganhar mais uma vez, mas dizem que estão impressionados com a mudança do seu modo de ser durante esta última séria ameaça à sua presidência.
O deputado republicano Peter King, de Nova York, disse que as graves ameaças que o país enfrenta jogaram Trump em território desconhecido. “Não são coisas com as quais ele está acostumado”, disse King em uma entrevista.
“Mueller, de certo modo, foi algo até fácil”, acrescentou King, referindo-se ao forçado retrocesso na investigação sobre a Rússia realizada pelo advogado especial Robert Mueller. “Foi uma variação do que ele teve de enfrentar durante toda a sua carreira. Ele está sempre brigando, e sempre há pelo menos de 40 a 50% do público que começa do seu lado.” Mas, neste momento, afirmou King: “a coisa é diferente”.
Em um comunicado, uma porta-voz da Casa Branca, Alyssa Farah, disse: “O presidente está totalmente empenhado na consecução de um segundo mandato ampliando e enriquecendo as realizações do seu primeiro mandato para o povo americano”.
Um funcionário, que concordou em falar somente a respeito dos planos do governo, contou que o pessoal da área política só foi informado esta semana de que deveria apresentar iniciativas para 2021 e além.
Com a investigação sobre o caso da Rússia e o impeachment, disseram funcionários da Casa Branca e outros, Trump ansiava por lutar, e o fez com bastante eficiência. Agora, eles consideram o seu comportamento autodestrutivo, suas explosões de ira e auto-elogios inúteis contra um inimigo invisível como o vírus e um movimento de protesto pelo qual tem mostrado pouca simpatia.
“Ele é o moderno LBJ (Lyndon Johnson), em que tudo deu errado e nenhuma de suas habilidades foi eficiente para corrigir contra o que deu errado”, afirmou Anthony Scaramucci, que foi diretor de comunicaçõesna Casa Branca em um dos períodos mais breves de que se tem notícia – 11 dias. Embora depois disso tenha denunciado publicamente o presidente, Scaramucci conhece Trump há muitos anos e continua amigo de alguns funcionários da Casa Branca.
Nada do que Trump tentou até o momento, observa Scaramucci, mudou o discurso a respeito de sua presidência, ou afastou maiores preocupações sobre o racismo e a disseminação do vírus na cobertura da imprensa. “É essa a razão pela qual eu sei que ele não gosta deste cargo”, afirmou Scaramucci.
Faltando menos de cinco meses até as eleições, Trump parece em grande parte incapaz e nem um pouco disposto a modificar o seu comportamento, como fez periodicamente em momentos cruciais em 2016: como quando concordou com a escolha de Mike Pence, um conservador religioso e recatado, com quem não tivera nenhum relacionamento anterior, como seu companheiro de legenda, e silenciou seu feed no Twitter nas vésperas do dia das eleições.
No fim de semana passado, Trump tomou uma decisão política prudente, segundo os seus aliados, ao anunciar abruptamente que mudaria a data de um comício queos seus assessores planejavam marcar em Tulsa, Oklahoma, no feriado de Juneteenth, o Dia da Emancipação, em que é comemorado o fim da escravatura nos Estados Unidos. E até isso foi feito à sua maneira típica, porque Trump não avisou os assessores da mudança antes de transmiti-la no Twitter.
O deputado republicano Tom Cole, de Oklahoma, disse que a campanha de Trump parece melhor se comparada à de outro republicano que perdeu a reeleição, o presidente George H.W. Bush. “Vi uma letargia muito maior na campanha de Bush em 1992, do que nesta”, ressaltou Cole.
No entanto, o presidente fez declarações públicas sugerindo que sua mente está mais voltada para a vida depois da Casa Branca. Falando em um recente evento no Jardim das Rosas, a respeito do aumento das contratações, Trump se referiu ao boom da construção de veículos para recreação, depois parou antes de fazer uma nota melancólica: “Talvez tenha de comprar uma dessas coisas, dirigir pela cidade. Talvezvolte dirigindo para Nova York com a nossa primeira dama em um trailer”.
Na Casa Branca, alguns membros do staff descrevem o presidente como uma pessoa solitária, com poucas pessoas com as quais gosta de conversar, e vários outros disseram que sua moral está muito baixa em relação às primeiras semanas do governo. “Se eu não vencer, não venci,” declarou Trump. “Quer dizer, continuarei fazendo outras coisas." E acrescentou: “Acho que seria uma coisa muito triste para este país”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
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