Os candidatos à presidência da Argentina protagonizaram no último domingo, 12, um debate acalorado na Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires (UBA), com direito a várias estocadas de lado a lado, e subidas de tom, principalmente na hora de discutir as relações com o Brasil.
Para analistas, o atual ministro da Economia, Sergio Massa, saiu vencedor ao impedir que seu adversário colasse nele a grave crise econômica que atinge a Argentina. Já Javier Milei teve mérito por não cair na estratégia adotada pelo peronista de enervá-lo diante de um “bullying” sem fim com temas que costuma fazer o libertário perder as estribeiras.
Os embates deste domingo, 12, eram vistos como essenciais para conquistar o eleitorado indeciso destas eleições (em média13% dos eleitores). Ambos os candidatos provocam uma grande rejeição do eleitorado devido ao temor que provocam (Milei pelo ineditismo e radicalismo de suas propostas, Massa pela continuidade de um modelo peronista que destruiu a economia argentina). A rejeição a Milei gira em torno 49%, e a de Massa é de 56% segundo a pesquisa Atlas Intel mais recente. O medo, aliás, tem sido bastante explorado pelas campanhas, por isso analistas dizem que os dois candidatos tem espaços de crescimento limitados. Além disso, os dois disputam os mais de 6 milhões de votos que recebeu Patricia Bullrich no primeiro turno, bem como possíveis ausentes dos pleitos anteriores.
Analistas acreditam que o libertário pode ter batido em seu teto tanto nas primárias quanto no primeiro turno, com seus 30% de votos. Já o peronista surpreendeu ao crescer 15 pontos porcentuais entre uma eleição e outra e terminar em primeiro em 22 de outubro, mas parece difícil conquistar novos votos frente à maior rejeição que tem o peronismo em seus 80 anos de existência. As pesquisas de intenção de votos publicadas na semana passada - este semana elas já estão proibidas - mostraram uma vantagem para Milei que supera a do empate técnico (Milei tem 52,1%, contra 47,9% de Massa, segundo a pesquisa Atlas Intel feita dia 9 de novembro).
Foi com este cenário que os candidatos chegaram à UBA ontem com estratégias bem definidas: Massa queria desestabilizar o adversário como aconteceu no primeiro debate do primeiro turno e expor a figura de “el loco Milei”, como o libertário ficou conhecido por seu temperamento explosivo e respostas atravessadas. Já Milei tinha todas as ferramentas para colocar a culpa da inflação de 140% e a pobreza de 40% do país no atual ministro da Economia de Alberto Fernández e Cristina Kirchner.
Nenhum dos dois teve sucesso total em suas estratégias, segundo analisas, mas Massa pelo menos conseguiu impedir a discussão sobre Economia. “Foi incrível como Milei, sendo economista, não conseguiu nem manter o debate nos temas econômicos. Nesse sentido foi um fiasco total da parte de Milei”, afirma o cientista político Pablo Touzon. “O único trunfo que teve Milei foi não explodir e talvez deixar exposta a vontade de Massa de fazê-lo explodir, mas em todo o resto foi muito pobre.”
E completa: “O debate me pareceu uma espécie de Víctor Frankenstein e sua criatura. Havia uma dominância psicológica e política de Massa. E para mim o pior momento de Massa não foi nem político e nem argumentativo, mas sim momentos em que ele se excedia e parecia fazer quase um bullying explícito a Milei. Ficou claro que ele buscava quebrar Milei emocionalmente.”
Para o sociólogo Carlos De Angelis, Milei foi bem-sucedido em evitar explosões e destemperos. “Me parece que o objetivo maior de Milei era não se mostrar como o ‘el loco’, o que é um objetivo pouco ambicioso para um candidato a presidente”, disse. “Já Massa buscava apresentar suas características presidenciais, ou seja, se fazer ser visualizado como presidente. Que, no fim, é o que busca o eleitorado agora”.
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“[Massa] não conseguiu fazê-lo ficar com raiva”, diz o cientista político da Universidade Católica Argentina (UCA) Fabian Calle. “Massa buscou basicamente duas coisas: mostrar que ele sabe mais de Estado do que Milei, e não depende dos kirchneristas. Conseguiu o primeiro, coisa que é lógica já que está em cargos públicos há quase 30 anos. O segundo não conseguiu. Quando saiu o tema dos kirchneristas atacando a Justiça, tentou se safar, mas sem êxito”.
“No primeiro bloco, Sergio Massa se impôs e Milei não conseguiu atacar o colapso econômico. Já o segundo bloco foi mais para Milei”, conclui.
O debate foi dividido em dois blocos com três eixos temáticos cada, sendo eles: Economia, as relações da Argentina com o mundo, educação e saúde, produção e trabalho, segurança e Direitos Humanos e coexistência democrática. Milei começou a sua apresentação se classificando como especialista em Economia e o único que “poderia tirar a Argentina do câncer da inflação”, por causa de seu diploma como Economista - Sergio Massa é formado em Direito.
“Milei perdeu a oportunidade de atacar a segurança, que é um ponto de distância entre ele e Massa porque as políticas de segurança dos governos kirchneristas são muito permissivas”, afima De Angelis. De fato, Milei focou em falar do narcotráfico em Rosário, um tema que tem pouco apelo nacional, e em um dado momento até elogiou a política de segurança pública conduzida por Massa quando ele era prefeito de Tigre.
O formato do debate também parece ter favorecido Massa, já que os mediadores não interferiam, e os candidatos tinham 6 minutos para debater livremente. Nesse sentido, as décadas de experiência de Massa frente aos dois anos de vida política de Milei mostraram vantagem.
“Quem conduziu o debate foi Sergio Massa, principalmente na primeira parte em que ele que definia o que se ia discutir. Mostrou ter mais conteúdo, propostas e conhecimento do Estado, pelo menos colocou em evidência o desconhecimento de Javier Milei no tema, que todos já sabíamos, mas no debate ficou óbvio”, afirma a professora e Ciência Política da UCA, María Lourdes Puente.
Relações com Brasil em foco
Um dos momentos mais tensos do primeiro bloco foi quando Sergio Massa trouxe o tema das relações entre Argentina e Brasil. Também tratou das relações com a China, mas devido à proximidade tanto geográfica quanto política com Brasília, o foco ficou com o Brasil. O peronista tem investido em falar que seu adversário vai romper as relações entre os dois maiores parceiros comerciais da América Latina, embora Milei nunca tenha dito isso.
Milei defende que as relações entre os países sejam tratadas diretamente entre os empresários e produtores interessados, sem uma intervenção do Estado. No próprio debate chegou a sugerir uma “terceirização” destes contatos, o que seria uma novidade nas relações internacionais. Mas Massa bate nesta tecla, citando que o suposto corte vai prejudicar milhares de empregos e empresas argentinas. O foco no Brasil também aparece por causa da presença de marqueteiros ligados ao PT na campanha do peronista.
“Brasil e China, vai manter relações ou não? Porque chamou de comunistas ambos os presidentes”, questionou Massa. Milei respondeu: “Você pertence a um governo onde Alberto Fernández não falou com [o ex-presidente Jair] Bolsonaro, que problema tem se eu falar ou deixar de falar com Lula?”.
Em uma entrevista recente a um jornalista peruano, Milei disse que não se reuniria com Lula e acusou o petista de estar interferindo nas eleições. Analistas apontam que desde a chegada dos brasileiros, as peças eleitorais de Massa mudaram de tom, saindo de um “evitar falar de Milei” para uma campanha de medo do que o libertário pode trazer para a democracia argentina.
“Massa buscou se mostrar como um pragmático nas relações com Brasil e China e mostrar que Milei não teria relações com esses países. Milei esclareceu que o comércio argentino se dará entre os setores privados”, explica Calle. “A campanha dos marqueteiros brasileiros é marcar Milei como perigoso, contra as mulheres e que não se discuta a Economia”.
De todos os temas do debate, as relações internacionais foram os que Massa mais se sentiu confortável em polarizar com Milei, segundo os analistas. “Ele usou [o tema das relações com Brasil] para colocar em evidência que essa é uma das fronteiras ideológicas de Milei”, afirma Pablo Touzon. “Ele falou de China também, mas a China está longe. Já o Brasil está perto, existe proximidade entre argentinos e brasileiros, principalmente nas províncias”.
“Pela importância histórica que tem o vínculo, o Brasil surge como um bom exemplo para o bloco das relações internacionais, era onde havia a oportunidade de mostrar diferentes visões”, concorda Lourdes Puente. “E além disso era a chance de Massa expor as falas de Milei de romper relações, dizer que Brasil é comunista, e nesse sentindo me parece que Massa soube aproveitar bem e mostrar essa contradição.”
Impacto no eleitorado
Historicamente os debates não alteram os ânimos do eleitorado argentino, segundo avaliou o observatório Pulsar da UBA. Porém, com o cenário tão apertado como o atual, a expectativa é de que este debate tenha servido para que o eleitorado indeciso escolha se não por um, ao menos contra o outro.
“Se busca conquistar o voto do Juntos pela Mudança (da terceira colocada, Patricia Bullrich), mas também aquele que ainda não está convencido, por exemplo o voto do radicalismo, o direitista mais centro, e nesse sentido Massa mostrou muito mais conteúdo”, afirma Touzon.
A dúvida é se o debate convenceu este eleitorado de que o adversário seria uma escolha pior. “O voto a favor de Massa não é necessariamente porque ele agrada, mas sim dos que não querem Milei”, afirma Lourdes Puente. “Ou seja, pode ser que detestem Massa, mas vendo Milei pensam que não podem votar neste personagem como presidente. E o mesmo do outro lado”.
“Aquele que está em dúvida tende a ser mais racional, e quem não tem intenção de votar em Massa, mas também não está convencido com Milei, pode ver esse debate e ir em favor de Massa. Mas não tenho certeza se essa porcentagem pode mudar algo”, completa Puente.
Não será possível, porém, ver em números se o debate provocou mudanças no eleitorado, já que pesquisas estão proibidas a partir de agora até o dia da eleição.
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