Durante seu mandato temos observado muitos alertas sobre as tendências autoritárias de Donald Trump. Ele tem jogado com os temores de seus críticos ignorando cada vez o sistema de freios e contrapesos da república. E, com a ajuda de uma câmara de eco de direita, ele tem levado adiante um discurso que combina o interesse nacional com seu ganho pessoal, patriotismo com a lealdade inquebrantável ao ocupante do Salão Oval.
À medida que Trump se lança numa campanha para sua reeleição e desfruta do resultado do julgamento do impeachment no Senado, no qual, graças a um Partido Republicano totalmente dominado pelo trumpismo, a absolvição era um fato consumado, ele vem intensificando as dissensões na polarizada democracia dos Estados Unidos. Seus esforços para serem abertos processos contra seus inimigos e seus ataques contra juízes e promotores federais envolvidos em casos contra seus aliados foram tão anormais que provocaram uma reprimenda do secretário da Justiça, William Barr, visto pelos oponentes de Trump como um membro do gabinete vergonhosamente condescendente.
“Se um presidente interfere num caso criminal para ajudar um amigo, então nada o impede de interferir para prejudicar alguém que ele considera seu inimigo”, escreveu Joyce White Vance, ex-procuradora federal num artigo para o The Washington Post.
Há uma tendência inquietante que sugere um mal-estar e divisões arraigadas profundas. David Roberts, da revista Vox, afirmou que os EUA estão dominados por uma crise “epistêmica”. Um projeto de direita de décadas para criar a própria bolha de mídia consolidou uma realidade política polarizada em que os campos rivais não concordam nem mesmo com os fatos de seus desacordos.
“É isso que um tribalista como Trump deseja: que a comunicação e o compromisso nas linhas tribais fiquem impossíveis, de modo que a lealdade se torne a única medida e tudo se reduza a uma luta por dominação”, escreveu Roberts.
Antigos membros do governo Trump apareceram em público na quarta-feira para criticar o comportamento e as políticas do presidente, incluindo o ex-chefe de gabinete John Kelly. Diversos políticos e agentes republicanos se queixam em particular da condução do partido por Trump, mas poucos se arriscam a mostrar abertamente sua discordância. Os que o fazem são severamente censurados por Trump e os políticos leais a ele. “O Partido Republicano está traindo a democracia e estes são tempos históricos”, disse Jason Stanley, professor de filosofia e autor do livro How Fascism Works.
Hoje há muita contenda nos EUA, mas é difícil ver algum vestígio de uma reconciliação cívica. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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