Nas primeiras semanas do governo Trump, integrantes do alto escalão da administração lançaram um novo plano: melhorar as relações com Moscou ajudaria a Casa Branca a forçar uma cisão entre a Rússia e o Irã, ambos firmes aliados do presidente sírio, Bashar Assad.
Pouco tempo depois, no entanto, ficou claro que a Casa Branca não tem nem o traquejo diplomático nem as condições práticas necessárias para criar tal ruptura. O ataque americano da semana passada contra instalações aéreas sírias aumentou a tensão entre EUA e Rússia. Os americanos pretendiam mandar a Assad e seus aliados o recado de que os EUA não tolerariam mais uso de armas químicas contra civis. Mas o resultado foi aproximar Assad dos que o apoiam.
Militares russos fecharam o canal de comunicações com as forças americanas usado pelos dois países para manter seus aviões afastados das rotas um do outro na Síria. Funcionários de alto escalão iranianos e russos de fato se reuniram após o ataque americano. Como era esperado, não manifestaram nenhuma intenção de mudar sua estratégia em relação a Assad.
Enquanto isso, os EUA aumentam sua pressão retórica sobre o Kremlin. “Acho que deveríamos perguntar a Putin como foi possível que, tendo assessores na base aérea, a Rússia ignorasse que a Força Aérea síria estivesse preparando e executando um mortífero ataque com armas químicas”, disse o conselheiro de Segurança Nacional de Trump, H. R. McMaster, à Fox News.
Isso tudo indica que o secretário de Estado, Rex Tillerson, que chegou ontem a Moscou, embarcou numa estranha visita. Como informou minha colega Carol Morello, Tillerson ainda pretende pressionar a Rússia a se distanciar de Assad, embora suas chances de sucesso sejam poucas.
“É um banho de água fria”, afirmou Samuel Charap, especialista em Rússia da Rand Corporation, a Carol. “Mesmo que, a portas fechadas, eles possam abordar pragmaticamente outros temas, sua posição pública deverá enfatizar quanto discordam sobre a Síria. Putin não vai querer ser visto confraternizando demais com o secretário de Estado.” A ideia de pressionar a Rússia a afastar-se do Irã “não vai levar a nada”, afirmou Alex Vatanka, especialista em Irã do Middle East Institute, em Washington.
Em muitos aspectos, Irã e Rússia não são aliados naturais. Há muito a separá-los além de séculos de rivalidade histórica. Os dois países são exportadores de energia e disputam mercados semelhantes. Ambos acalentam grandes ambições de domínio geopolítico do Oriente Médio. E, é claro, haverá sempre limites para uma aliança entre a República Islâmica e um governo russo simpatizante de nacionalismo cristão.
“A Rússia está pouquíssimo interessada no chamado ‘eixo de resistência’ iraniano, que abrange Irã, Iraque, Líbano e Síria e consiste essencialmente em forças xiitas”, assinalou Moshen Milani na revista Foreign Affairs. “Dada sua ambição de se tornar uma grande força no Oriente Médio, ela não pode se afastar de países sunitas.”
Rússia e Irã precisam um do outro para lidar com Assad. “Será difícil afastar a Rússia do Irã”, previu Anna Borshchevskaya, do Washington Institute para Política do Oriente Médio. “Eles têm muitos interesses em comum.” Considerando-se os acontecimentos dos últimos dias, essa proximidade parece cada vez mais difícil de ser rompida. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ É JORNALISTA
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