PUBLICIDADE

Análise: Putin abraçou a turbulência, e agora ela está abalando sua liderança

Nos últimos meses, enquanto o líder mercenário Ievegni Prigozhin aumentava sua rivalidade com os militares russos, Putin não revelou publicamente nenhum desconforto com suas diatribes.

PUBLICIDADE

Atualização:

THE NEW YORK TIMES - O presidente Vladimir V. Putin da Rússia sempre pareceu prosperar no caos. Agora, ele ameaça consumi-lo.

Nos últimos meses, enquanto o líder mercenário Ievegni Prigozhin aumentava sua rivalidade com os militares russos, Putin não revelou publicamente nenhum desconforto com suas diatribes. O silêncio promoveu o tipo de ambiguidade política que há muito é uma marca registrada do governo de Putin: um estilo de gestão no qual ele parecia confortável com os conflitos entre a elite porque eles mantinham potenciais rivais sob controle, ao mesmo tempo em que ressaltava que a autoridade máxima sempre cabia ao próprio presidente.

Agora, esse tiro saiu pela culatra. No sábado, as forças de Prigozhin assumiram o controle de importantes instalações militares na cidade de Rostov-on-Don, no sudoeste do país, e ameaçaram marchar para Moscou, criando o desafio mais dramático ao governo de Putin desde que ele foi nomeado presidente interino da Rússia em 31 de dezembro de 1999.

Membros do grupo Wagner detêm um homem na cidade de Rostov-on-Don, neste sábado. O líder Prigozhin disse que seus combatentes controlam importantes locais militares na cidade de Rostov-on-Don, no sul da Rússia. Movimento foi considerado uma "facada nas costas" por Putin. Foto: STRINGER / AFP

PUBLICIDADE

A tolerância de Putin com as explosões de Prigozhin este ano pode ter servido a seus propósitos políticos, mas levou autoridades chocadas com os ataques verbais de Prigozhin ao alto escalão da Rússia a concluir que ele desfrutava do apoio tácito do presidente, disseram analistas. E também encorajou ainda mais o Sr. Prigozhin.”Eles estavam tentando decifrar o comportamento de Putin, porque Putin estava em silêncio”, disse Tatiana Stanovaya, membro sênior do Carnegie Russia Eurasia Center, referindo-se a altos funcionários do Kremlin e dos serviços de segurança.

A confusão sobre as opiniões pessoais de Putin só chegou ao fim na manhã de sábado, quando o presidente fez um discurso de cinco minutos à nação descrevendo Prigozhin - sem nomeá-lo - como um traidor e prometendo reprimir a revolta que o líder paramilitar havia iniciado.

Mas o estrago já estava feito.

Não havia sinal de que o poder de Putin estava prestes a desmoronar. Outros homens poderosos nos nós da estrutura de poder informal de Putin - como Ramzan Kadyrov, o líder da região da Chechênia, no sul da Rússia, que controla sua própria força paramilitar - expressaram publicamente seu apoio ao presidente no sábado.Ainda assim, os eventos foram uma consequência marcante da estrutura de poder informal que Putin construiu em seus 23 anos no comando da Rússia. Por mais de duas décadas, o sistema ajudou Putin a garantir sua autoridade inigualável, assegurando que ele possuísse pessoalmente as chaves da riqueza e influência na Rússia moderna.

Publicidade

As pessoas que conhecem Putin dizem que o presidente sempre se sentiu confortável com esse sistema personalizado, porque lhe permitia confiar tarefas importantes a um círculo interno de confiança, ao mesmo tempo em que evitava o surgimento de grupos rivais que poderiam prejudicá-lo. E assegurava que as instituições do estado - dos tribunais ao Parlamento, da mídia aos múltiplos serviços de segurança - permanecessem meros instrumentos em jogadas de poder mutuamente destrutivas mediadas por Putin, em vez de fontes de influência por direito próprio.Um magnata dos negócios russo, refletindo sobre a ascensão de Prigozhin enquanto falava sob condição de anonimato, disse que a abordagem de Putin ao seu governo sempre foi “dividir para conquistar”. Como outra pessoa colocou, referindo-se às autoridades policiais rivais da Rússia: “Você nunca sabe quem vai prendê-lo”.

Putin fez um discurso de cinco minutos à nação na manhã de sábado, descrevendo Prigozhin - sem nomeá-lo - como um traidor e prometendo reprimir a revolta que o líder paramilitar havia iniciado. Foto: Gavriil Grigorov, Sputnik, Kremlin Pool Photo via AP

Um parceiro de judô da juventude de Putin tornou-se um bilionário da construção e construiu a ponte histórica de Putin para a Crimeia. Amigos dos tempos da K.G.B. de Putin agora supervisionam o complexo industrial militar da Rússia e seu setor de petróleo. Um amigo de São Petersburgo dos anos 1990 é encarregado do controle dos mais importantes ativos de mídia privada da Rússia e do banco que dizem estar no centro das próprias transações financeiras de Putin.E havia Prigozhin, que conheceu Putin há mais de 20 anos como dono de um restaurante em São Petersburgo. Ele transformou esses laços pessoais em contratos lucrativos com o governo e se autodenominou um solucionador de problemas implacável e polivalente em nome do Kremlin.

Em 2016, enquanto o Kremlin tentava influenciar a eleição presidencial americana a favor de Donald J. Trump, Prigozhin entrou na briga com uma “fábrica de trolls” da Internet, travando uma “guerra de informação contra os Estados Unidos”. Enquanto a Rússia trabalhava para expandir seu alcance na Síria e na África, Prigozhin deslocou sua crescente força mercenária Wagner para essas regiões - permitindo que o Kremlin projetasse poder enquanto minimizava as botas militares russas no terreno.

Na Ucrânia, como diz Prigozhin, as tropas Wagner só foram convocadas depois que o plano inicial de invasão de Putin falhou. Durante grande parte do primeiro ano da guerra, Prigozhin apareceu acima da lei, enquanto visitava as prisões russas para recrutar milhares de condenados para se juntar à sua força.

PUBLICIDADE

No início deste ano, o Kremlin parecia estar tomando algumas medidas para limitar a ascensão de Prigozhin. Os comentaristas de televisão foram instruídos a evitar mencioná-lo no ar, e ele perdeu a capacidade de recrutar condenados.Mas Putin parecia vacilar em seu próprio apoio a Prigozhin. Em maio, ele parabenizou os mercenários Wagner por seu papel na tomada da cidade ucraniana de Bakhmut, em um comunicado publicado no site do Kremlin. Semanas depois, ele apoiou a pressão do Ministério da Defesa para que os mercenários assinassem contratos de serviço com os militares russos até 1º de julho, uma exigência que enfureceu Prigozhin.

Agora, enquanto Putin luta para reprimir uma rebelião que ele alertou no sábado que poderia levar à “anarquia e fratricídio”, Prigozhin surge como uma criação do próprio presidente russo.

Prigozhin “não tinha nenhuma base de poder independente real, exceto o favorecimento do presidente”, disse Mark Galeotti, especialista em serviços militares e de segurança russos. “Seja como for, isso mina a credibilidade e a legitimidade de Putin.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.