A decisão da ditadura cubana de impor novas restrições às pequenas e médias empresas privadas da ilha não deveria surpreender ninguém: a medida faz parte do esforço do regime para não perder o controle político em meio a uma profunda crise econômica.
De acordo com uma nova resolução publicada no dia 5 de dezembro na Gazeta Oficial, as pequenas e médias empresas privadas, conhecidas na ilha como mipymes, deixarão de poder realizar vendas por atacado, a não ser que o façam em associação com o Estado. Trata-se da disposição mais recente que limita as atividades das empresas privadas no país.
A nova medida está gerando receio sobre a possibilidade de uma nova onda de emigração. O êxodo de cubanos já atingiu níveis-recorde nos últimos dois anos, em meio à pior crise econômica da ilha em várias décadas. A escassez de alimentos e medicamentos é generalizada, e há apagões intermitentes.
Dez por cento da população deixou o país entre 2022 e 2023, segundo dados oficiais. Até ao fim de 2024, esse número provavelmente terá atingido os 20%, segundo estudos independentes.
A economia cubana contraiu 1,9% em 2023 e não crescerá este ano. O turismo, principal fonte de rendimentos da ilha, caiu drasticamente, já que muitos estrangeiros estão optando por outros destinos no Caribe em vez de visitar uma ilha onde as ruas ficam, muitas vezes, escuras à noite.
E não há nenhuma solução rápida à vista para os apagões, porque a já obsoleta rede elétrica da ilha foi ainda mais danificada nos últimos meses pelos furacões Oscar e Rafael.
“Cuba está numa situação desastrosa em nível social, político e econômico”, afirma Ricardo Zúniga, ex-alto funcionário do Departamento de Estado durante o governo Biden. “O nível de ressentimento é maior do que em qualquer momento da história recente.”
Numa rara demonstração pública de discordância interna, o ex-diplomata cubano Carlos Alzugaray, morador de Havana, tuitou em 8 de dezembro, numa aparente referência às últimas medidas do governo, que “parece que alguém quer levar Cuba diretamente ao suicídio econômico”. Ele acrescentou que “isso é um ato de suicídio político”.
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O regime cubano anunciou novas regras em 2021 que conferiam maior liberdade econômica a pequenas e médias empresas, na esperança de revitalizar a economia.
No início de 2024, havia mais de 11 mil pequenas e médias empresas na ilha, empregando quase 300 mil pessoas, além de 600 mil empresários autônomos, segundo o Ministério da Economia e Planejamento de Cuba.
Algumas mipymes importavam alimentos e bens de consumo dos Estados Unidos e distribuíram-nos em restaurantes e mercados. O embargo comercial dos EUA a Cuba prevê isenções para alimentos.
As vendas de pequenas empresas e empresários autônomos dispararam de 4% das vendas no varejo em Cuba em 2020 para 44% em 2023, segundo economistas cubanos.
Quando lhe perguntei por que razão o governo cubano está arremetendo contra o setor privado, Zúniga disse-me que “o governo está tentando espremer todos os dólares que pode, porque não tem outras fontes de rendimento”.
Segundo afirmou um contador de uma pequena empresa privada ao site independente de notícias 14 y Medio: “A lua de mel com as mipymes acabou. Agora, o Estado está mostrando sua verdadeira face abusiva ao setor privado”.
É provável que o regime cubano também tenha tentado restringir o setor privado num esforço para manter o controle político no país. Vários funcionários do governo dirigiam mipymes por meio de testas de ferro e ficavam com os lucros, de acordo com os meios de comunicação oficiais de Cuba.
“Esses funcionários estavam ficando ricos e poderosos demais; e representavam uma potencial ameaça para o governo”, afirma Emilio Morales, diretor do Havana Consulting Group, com sede em Miami.
No entanto, é provável que o regime cubano esteja dando um tiro no pé. Novas medidas para reprimir o setor privado só farão a economia cubana afundar ainda mais e aumentarão o descontentamento social. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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