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Opinião | Como a Nicarágua está prestes a se tornar uma Coreia do Norte tropical

O ditador Daniel Ortega propôs uma reforma que deve dar ao governo uma cobertura legal para prender opositores; texto foi aprovado e será ratificado em janeiro

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Foto do author Andrés Oppenheimer

O ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, enviou ao Congresso uma reforma constitucional que provavelmente tornará o seu país o mais repressivo das Américas, ainda pior do que Venezuela e Cuba. Isso transformará oficialmente a Nicarágua em uma Coreia do Norte tropical.

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As mudanças constitucionais de Ortega, entre outras coisas, darão ao governo uma cobertura legal para prender opositores sob a acusação de “traição” e retirar-lhes a nacionalidade. Também farão de Ortega e da sua esposa, a atual vice-presidente Rosario Murillo, “co-presidentes”, com poderes para “coordenar” todos os outros ramos do governo.

A reforma foi enviada por Ortega à Assembleia Nacional controlada pelo governo em 20 de novembro e aprovada no dia 22. O partido sandinista no poder e os seus aliados detêm 84 dos 90 assentos na Assembleia Nacional. A medida será ratificada em uma segunda legislatura em janeiro.

O ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, e sua esposa, Rosario Murillo, participam de um comício em Managua, Nicarágua  Foto: Alfredo Zuniga/AP

“A Nicarágua já é a sociedade mais fechada do hemisfério, pior do que Cuba ou Venezuela”, disse-me Juan Pappier, diretor latino-americano do grupo de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch. “Está se tornando a versão latino-americana da Coreia do Norte.”

Embora em Cuba e na Venezuela ainda haja um pequeno número de jornalistas independentes e ativistas de defesa dos direitos humanos tentando fazer o seu trabalho apesar da repressão governamental, isso se tornou quase impossível na Nicarágua, disse-me Pappier.

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Desde as grandes manifestações de rua de 2018, nas quais os esquadrões paramilitares de Ortega mataram cerca de 350 manifestantes, na sua maioria pacíficos, o regime de Ortega-Murillo fechou cerca de 5.000 organizações não governamentais. O governo também retirou a cidadania de cerca de 450 opositores, jornalistas e ativistas dos direitos humanos.

Legisladores da Nicarágua participam de debate sobre reforma proposta pelo ditador Daniel Ortega, em Managua, Nicarágua  Foto: Assembléia da Nicarágua/AFP

Muitos deles foram considerados “traidores”, colocados em aviões e enviados para os Estados Unidos. Ortega não se incomoda muito com as críticas internacionais. Quando o entrevistei longamente na sua casa em Manágua, em 2018, não hesitou quando perguntei a ele a respeito das acusações feitas por grupos de direitos humanos.

Ele me disse que isso fazia parte de uma suposta campanha difamatória contra a Nicarágua por parte dos Estados Unidos. Quando perguntei se ele não se importava de ser chamado de “ditador”, ele encolheu os ombros e respondeu com um sorriso: “A verdade é que estou habituado a que me chamem de qualquer coisa”.

Segundo o artigo 1º da reforma constitucional de Ortega, “todos aqueles que atacarem” os “direitos sagrados do povo nicaraguense serão considerados traidores do país”. De acordo com o artigo 17, “os traidores da pátria perdem a nacionalidade nicaraguense”.

Entre outros destaques das 66 páginas do plano de reforma constitucional de Ortega, que leva a sua assinatura:

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- Define a Nicarágua como um país “revolucionário” e diz que o Estado se baseia em um conjunto de princípios, incluindo “ideais socialistas”.

- Cria uma “polícia voluntária”, que grupos de direitos humanos dizem que será efetivamente uma força paramilitar como a que agiu contra os protestos de rua em 2018.

- Afirma que a nova “copresidência” Ortega-Murillo “coordenará” os órgãos legislativo, judicial e eleitoral, bem como as organizações autônomas.

- Afirma que as pessoas terão o direito de se expressar livremente em público e privado, “desde que” não se oponham “aos princípios consagrados” na Constituição. Em outras palavras, criticar os “ideais socialistas” poderia tornar ilegais os partidos políticos ou os meios de comunicação independentes.

O ditador da Nicarágua, Daniel Ortega, participa de um evento ao lado de sua esposa, Rosario Murillo, em Managua, Nicarágua  Foto: Inti Ocon/AFP

Há várias teorias quanto ao motivo pelo qual Ortega, 79 anos, decidiu realizar esta reforma constitucional, considerando que já controla todos os poderes do Estado, e já vinha realizando várias das ações repressivas que ficariam consagradas no novo texto constitucional. Uma teoria possível é que ele queira dar cobertura legal à brutalidade do seu regime.

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Outra possibilidade é que, por insistência de sua esposa e vice-presidente, ele queira preparar o terreno jurídico para que Murillo assuma o comando sem problemas caso Ortega morra em um futuro próximo.

Seja o que for, a Nicarágua está a caminho de se tornar, constitucionalmente, um campeão da repressão política na América Latina. Infelizmente, poucos estão prestando atenção a esse fenômeno. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Opinião por Andrés Oppenheimer

Andrés Oppenheimer foi considerado pela revista Foreign Policy 'um dos 50 intelectuais latino-americanos mais influentes' do mundo. É colunista do The Miami Herald, apresentador do programa 'Oppenheimer Apresenta' na CNN em Espanhol, e autor de oito best-sellers. Sua coluna 'Informe Oppenheimer' é publicada regularmente em mais de 50 jornais

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