As eleições presidenciais de 2 de junho no México poderiam colocar em jogo o futuro da democracia e a estabilidade política do país, com enormes consequências para seus vizinhos latino-americanos e os Estados Unidos.
Várias pesquisas mostram que a candidata do governo, Claudia Sheinbaum, provavelmente derrotará a candidata da oposição de centro-direita, Xóchitl Gálvez. Sheinbaum promete dar continuidade às políticas do presidente populista de esquerda, Andrés Manuel López Obrador, que destinou uma enorme quantidade de recursos estatais para ajudá-la a ganhar.
Gálvez me disse em uma entrevista recente que o resultado das eleições dependerá do nível de participação. Se a participação for baixa, é provável que ganhe Sheinbaum, porque conta com uma grande máquina eleitoral que pode levar às urnas milhões de funcionários públicos e beneficiários de programas sociais do governo.
Por outro lado, se a participação for alta, de 63% do eleitorado ou mais, a oposição ganhará, disse-me Gálvez. “O número mágico são os 63%. Se 63% do eleitorado votar, serei a presidente”, indicou ela.
A razão pela qual a democracia poderia estar em jogo no México é que López Obrador propôs uma reforma para emendar 51 dos 136 artigos da Constituição, que se aprovada converteria todo o país em um estado populista autoritário. Sheinbaum disse que apoiará a reforma constitucional do presidente.
Entre outras coisas, as mudanças constitucionais de López Obrador debilitaram ainda mais o independente Instituto Nacional Eleitoral (INE), a instituição de acompanhamento eleitoral do país, que desempenhou um papel chave na transição do México para a democracia. López Obrador já enxugou funções no INE, sob o duvidoso argumento de que o organismo é um desperdício de dinheiro, algo que parece difícil de criar à luz dos gastos muito maiores do presidente em obras públicas de utilidade questionável.
As reformas propostas por López Obrador também incluíram uma redução do número de legisladores no Congresso e mudanças drásticas na maneira como são escolhidos os juízes. Em ambos os casos, sob as emendas propostas pelo presidente, a influência de seu partido – Morena – na eleição de deputados e juízes aumentaria.
Para aprovar sua reforma constitucional, López Obrador precisará obter uma supermaioria de dois terços do Congresso nas eleições de domingo. Se isso acontecer, ele poderá aprovar sua reforma antes de deixar o poder em 1º de outubro, ou incumbir sua provável sucessora dessa tarefa.
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“O pacote de reformas constitucionais do presidente coloca em sério risco a democracia do México”, disse Tamara Taraciuk, especialista em Estado de Direito do centro de estudos Diálogo Interamericano. “Se fosse aprovada, enfraqueceria gravemente a capacidade das instituições independentes de atuar como controles do poder executivo”.
É claro que, se Sheinbaum ganhar, sempre existe a possibilidade de que ela se distancie de López Obrador, como ocorreu com muitos presidentes mexicanos no passado em relação a seus antecessores.
A diferença de López Obrador, que não fala nenhum idioma estrangeiro nem tinha viajado para o exterior até ter uma idade avançada, Sheinbaum é uma cientista que fez estudos de pós-graduação na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e segundo relatou o jornal americano The Washington Post, tem uma irmã e uma filha que vivem nos Estados Unidos.
Mas Sheinbaum é uma ativista de esquerda desde seus dias de estudante universitária. Por sinal, se ela quisesse se distanciar de López Obrador, seria muito difícil fazê-lo, por falta de apoio político.
López Obrador é o fundador e líder indiscutível do partido Morena, no governo, enquanto Sheinbaum carece de uma grande base de apoio.
Mais importante ainda, após uma nova lei de revogação do mandato aprovada por López Obrador, Sheinbaum poderia ser destituída depois de dois anos como presidente. Em outras palavras, será uma política refém de López Obrador, porque ele poderia ordenar ao seu partido que convocasse um referendo e a tirasse do cargo.
Minha conclusão é que, se López Obrador efetivar sua reforma constitucional, o México voltará a seus velhos tempos, quando tinha um presidente todo-poderoso com poucos freios ao seu poder.
Isso só levaria a mais corrupção governamental, mais instabilidade política e mais problemas para todos os países vizinhos./TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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