Angela Merkel se aposentou, mas ainda é figura central no debate político na Alemanha

Um dos elementos que mais une os partidos na campanha eleitoral da Alemanha é evitar a ex-chanceler, cujo legado os eleitores rejeitam

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Por Jim Tankersley (The New York Times)

BERLIM — Friedrich Merz, o favorito para se tornar chanceler da Alemanha, recebeu um coro de críticas no mês passado quando rompeu o tabu a respeito de nunca trabalhar com um partido de extrema direita para aprovar uma lei. Mas foi uma voz solitária na dissidência que abalou o cenário político do país: Angela Merkel, a ex-chanceler amada no passado, que classificou a decisão de Merz simplesmente como “errada”.

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Merkel e Merz disputaram a liderança dos democrata-cristãos da Alemanha por grande parte deste século. Merkel venceu as primeiras rodadas, atuou 16 anos como chanceler e se aposentou em 2021. Merz finalmente tem a chance de ascender à função nas eleições deste mês.

Mas Merkel está complicando seus esforços — tanto com suas críticas abertas quanto, mais importante, com um legado político amargo para os eleitores alemães.

A eleição alemã tem se agitado com preocupações sobre a economia estagnada, a onda de imigração que dura uma década, os altos preços da energia e a frágil segurança nacional, com a Rússia travando uma guerra no leste e o presidente Donald Trump ameaçando retirar a Otan do Ocidente. Os problemas fazem o eleitorado repensar Merkel e a maneira como ela conduziu a Alemanha.

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A ex-chanceler Angela Merkel participa do funeral do ex-presidente da Alemanha, Horst Koehler, em Berlim  Foto: Odd Andersen/AFP

Imigração e crise energética

Foi Merkel que manteve as fronteiras da Alemanha abertas a partir de 2015, permitindo a entrada de milhões de refugiados da Síria, do Afeganistão e de outros países. Essa medida motivou uma reação negativa entre os eleitores alemães. Muitos líderes políticos culpam Merkel pela ascensão do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha, ou AfD, que faz campanha incansavelmente pela deportação de determinados imigrantes e está em segundo lugar nas pesquisas nacionais, atrás dos democrata-cristãos.

Foi Merkel que concordou em fechar as usinas nucleares do país e aumentar a dependência da Alemanha do gás natural importado da Rússia, colaborando para criar um pico no preço da eletricidade e uma crise de segurança anos depois, após Moscou decidir fechar as torneiras após sua invasão em grande escala da Ucrânia em 2022.

E foi Merkel que, dizem economistas, investiu insuficientemente na revitalização de infraestruturas críticas da Alemanha, contribuindo para o que os líderes empresariais alemães costumam chamar de crise de competitividade. Ela também pressionou por um comércio mais profundo com a China e o restante do mundo. Aquela aposta em um modelo de negócios globalizado que deu errado numa nova era de protecionismo populista de países como os Estados Unidos e de aumento da concorrência de importações chinesas de baixo custo para fabricantes alemães.

A ex-chanceler da Alemanha, Angela Merkel, participa de um evento para promover seu livro em Berlim, Alemanha  Foto: Michael Kappeler/AFP

Nas semanas recentes da campanha Merkel tem recebido críticas de todos os lados da disputa. Seu livro de memórias não causou o impacto que muitos analistas esperavam quando foi lançado, no outono (Hemisfério Norte). Uma pesquisa divulgada na semana passada pelo jornal Bild, conduzida pela empresa de pesquisas INSA, constatou que 43% dos alemães dizem agora que as políticas de Merkel foram ruins para o país, em comparação com 31% afirmando que foram boas.

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De muitas maneiras, Merkel se encontra em uma posição histórica semelhante à do ex-presidente americano Bill Clinton. Ela já foi a líder mais popular de sua geração, com a força de ter coordenado um boom econômico. Agora, assim como Clinton, que viu a opinião pública se voltar fortemente contra seus movimentos ao assinar o NAFTA e abrir o comércio com a China, Merkel vê seu legado sob ataque.

Ela responde expressando pouco arrependimento e, com a eleição se aproximando, criticando Merz.

Essa crítica gerou uma reação negativa e um foco renovado sobre Merkel mesmo que ela não esteja concorrendo a um assento parlamentar neste mês.

Friedrich Merz, o líder da CDU, participa de um compromisso de campanha em Darmstadt, Alemanha  Foto: Kirill Kudryavtsev/AFP

“O livro de Merkel e sua recente declaração pública são, infelizmente, mais sobre ela insistir que está certa do que sobre fornecer soluções funcionais para os problemas atuais das pessoas”, disse Nico Lange, ex-chefe de gabinete de um dos ministros da defesa de Merkel. Suas ações, acrescentou ele, foram “portanto percebidas negativamente, mesmo pela maioria de seus antigos apoiadores”.

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Nenhuma ação política isolada movimenta mais os eleitores alemães nesta eleição do que a decisão de Merkel sobre refugiados em 2015.

Na época, Merkel elogiou o público alemão por acolher migrantes oprimidos, mesmo aqueles que não se qualificavam para o status oficial de refugiados. Mas a sociedade alemã tem sido pressionada por um fluxo de imigrantes de uma década, composto por pessoas que chegaram com pouco ou nenhum conhecimento da língua alemã e que muitas vezes receberam assistências sociais significativas.

Uma série de ataques mortíferos, aparentemente não relacionados, realizados por imigrantes em cidades da Alemanha no último ano, levou a imigração ao topo das preocupações dos eleitores, juntamente com a economia.

Analistas concordam amplamente que esse foco ajudou o AfD, que teve facções classificadas como extremistas pela inteligência alemã.

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Merz tentou responder às preocupações dos eleitores sobre imigração quando apresentou um pacote de medidas duras contra a imigração no Parlamento, no fim do mês passado, quebrando um consenso do pós-guerra contra trabalhar com partidos considerados extremistas para aprovar leis.

A decisão de Merkel de permitir que refugiados entrem livremente no país “foi um choque grande demais para a Alemanha, com o qual ainda estamos lutando, o que explica parte da política atual”, disse a cientista política Cornelia Woll, presidente da Escola Hertie, uma faculdade privada em Berlim. “Acho justo dizer que nossos olhos foram maiores do que nossas barrigas.”

Pesquisas econômicas constatam geralmente que os imigrantes favoreceram o crescimento da economia alemã na década recente, trabalhando e gastando dinheiro. Segundo algumas métricas, a Alemanha tem tido mais sucesso do que muitos de seus pares em ajudar os imigrantes a se integrar e aprender a língua local.

Um relatório do ano passado elaborado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico descobriu que o índice de emprego de imigrantes na Alemanha chegou a 70% em 2022, um recorde e muito mais elevado do que na maioria dos países da União Europeia.

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O líder da oposição, Friedrich Merz, discursa no Parlamento alemão enquanto o chanceler Olaf Scholz escuta, em Berlim, Alemanha  Foto: Ebrahim Noroozi/AP

Criticas

Ainda assim, as pesquisas mostram um crescente desconforto dos eleitores em relação à imigração e a crimes cometidos por imigrantes. Políticos, incluindo uma ampla gama de candidatos a chanceler nesta eleição, têm respondido cada vez mais criticando a política de boas-vindas de Merkel.

A candidata a chanceler pelo AfD, Alice Weidel, criticou repetidamente Merkel no mês passado, em uma entrevista ao bilionário Elon Musk em sua plataforma de rede social X.

O candidato a chanceler do Partido Liberal Democrático, Christian Lindner, favorável às empresas, disse em entrevista que alguns partidos alemães “ainda não reconheceram qual é o interesse primordial das pessoas neste país — ou seja, uma ruptura com as políticas de Merkel”.

Até Merz se juntou ao coro. “Nós fomos deixados aos frangalhos com 10 anos de políticas equivocadas de concessão asilo e imigração neste país”, disse ele no mês passado, criticando tanto o chanceler Olaf Scholz quanto Merkel.

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Posters de Olaf Scholz e Friedrich Merz em uma avenida de Berlim, Alemanha  Foto: Markus Schreiber/AP

Merz e seus democrata-cristãos se uniram ao AfD para aprovar uma medida sobre imigração, em grande parte simbólica, no fim do mês passado; uma segunda votação, com o objetivo de endurecer a lei de imigração, acabou não sendo aprovada em meio a algumas abstenções de membros de seu partido.

As críticas de Merkel a Merz ocorreram pouco antes da votação final e prejudicaram ainda mais sua relação com a legenda a que ambos são filiados. Merkel se recusou a assumir um cargo honorário no partido após sua aposentadoria, conforme o costume, e raramente aparece em eventos partidários.

As críticas também contribuíram para a imagem de teimosia que tem definido Merkel após a chancelaria.

“Ela realmente não reconhece os seus erros”, disse Stefan Meister, chefe do Centro de Ordem e Governança na Europa Oriental, na Rússia e na Ásia Central do Conselho Alemão de Relações Exteriores. “Para mim, isso é realmente crucial.”

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Em sua autobiografia, “Liberdade”, Merkel parece culpar líderes dos principais partidos políticos alemães por colaborar com a ascensão do AfD pendendo para a direita sobre sua questão primordial.

A ex-Chanceler Angela Merkel chega ao funeral do ex-presidente da Alemanha, Horst Koehler, ao lado de seu marido, Joachim Sauer  Foto: Odd Andersen/AFP

“Os partidos democráticos têm influência considerável sobre a força que o AfD é capaz de adquirir na prática”, escreveu Merkel. “Estou convencida de que, se assumirem que são capazes mantê-lo por baixo apropriando-se de seus tópicos favoritos e até mesmo tentando superá-lo na retórica sem oferecer nenhuma solução real para os problemas existentes, eles fracassarão.”

E embora Merkel tenha admitido poucos erros importantes em questões políticas, seu livro contém algumas admissões amplas de falibilidade. “Sei que não sou perfeita e cometo erros”, escreveu ela, quase na metade de suas 700 páginas.

Perto do fim, ela acrescenta: “Um chanceler nunca deveria ter de se desculpar com muita frequência, mas também não deve se abster de fazê-lo quando for inevitável, por temer que isso possa ser interpretado como fraqueza”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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