Autoridades de alto escalão do Serviço Secreto dos EUA negaram repetidamente os pedidos de recursos e pessoal adicionais solicitados pela equipe de segurança de Donald Trump nos dois anos que antecederam sua tentativa de assassinato em um comício na Pensilvânia no último sábado, 13, segundo pessoas familiarizadas com os pedidos.
Os agentes encarregados de proteger o ex-presidente solicitaram magnetômetros e mais agentes para fazer a triagem dos participantes em eventos e outras grandes reuniões públicas das quais Trump participou, bem como atiradores de elite adicionais e equipes especializadas em outros eventos ao ar livre, disseram as pessoas, que falaram sob condição de anonimato. As solicitações, que não foram relatadas anteriormente, às vezes eram negadas por autoridades seniores da agência, que citavam vários motivos, inclusive a falta de recursos em uma agência que há muito tempo luta contra a escassez de pessoal.
Essas rejeições - em resposta a pedidos que foram feitas várias vezes por escrito - levaram a tensões que colocaram Trump, seus principais assessores e sua equipe de segurança contra a liderança do Serviço Secreto, com assessores de Trump preocupados que a agência de segurança não estivesse fazendo o suficiente para proteger o ex-presidente.
O Serviço Secreto, depois de negar a recusa de pedidos de segurança adicional, agora está reconhecendo que alguns podem ter sido rejeitados. A revelação vem no momento em que veteranos da agência dizem que a organização foi forçada a tomar decisões difíceis em meio a demandas concorrentes, uma lista crescente de protegidos e verbas limitadas.
Um homem armado conseguiu disparar tiros de um rifle AR-15 de um telhado a cerca de 150 metros do ex-presidente em comício do último sábado. Trump ficou ferido, assim como outras duas pessoas. A agência está sendo investigada por falhas de segurança no comício.
A raiva dos assessores de Trump aumentou depois que um porta-voz da agência negou publicamente que qualquer pedido de segurança adicional apresentado por Trump ou por seus assessores tenha sido rejeitado. A diretora do Serviço Secreto, Kimberly Cheatle, pressionada a se demitir por causa de falhas de segurança no comício, repetiu essa negação em uma reunião com a liderança da campanha de Trump em Wisconsin na segunda-feira, 15.
“A afirmação de que um membro da equipe de segurança do ex-presidente solicitou recursos adicionais de segurança que o Serviço Secreto dos EUA ou o Departamento de Segurança Interna rejeitaram é absolutamente falsa”, disse Anthony Guglielmi, porta-voz do Serviço Secreto, em um comunicado no dia seguinte ao atentado.
Depois de receber perguntas detalhadas do The Washington Post, Guglielmi disse que a agência havia recebido novas informações indicando que a sede da agência pode ter de fato negado algumas solicitações de segurança adicional e estava analisando a documentação para entender melhor as interações específicas.
“O Serviço Secreto tem uma missão vasta, desafiadora e intrincada”, disse ele em um comunicado. “Todos os dias trabalhamos em um ambiente dinâmico de ameaças para garantir que nossos protegidos estejam seguros e protegidos em vários eventos, viagens e outros ambientes difíceis. Executamos uma estratégia abrangente e em camadas para equilibrar pessoal, tecnologia e necessidades operacionais especializadas.”
Em resposta a um pedido de comentário, uma porta-voz da campanha de Trump se referiu a uma declaração que Trump publicou no Truth Social elogiando seu próprio serviço secreto.
A longa disputa sobre a proteção de um ex-presidente que realiza eventos públicos regulares que atraem grandes multidões levanta novas questões para o Serviço Secreto, uma força de proteção há muito admirada que protege os presidentes americanos, suas famílias e outras autoridades de alto escalão. No entanto, o Serviço Secreto vem sofrendo com a escassez de pessoal e limites de contratação desde 2010 e sofreu uma série de falhas de segurança embaraçosas durante os governos Obama e Trump.
Um funcionário do Serviço Secreto, que falou sob condição de anonimato para descrever discussões internas delicadas, disse que a agência tem recursos finitos e precisa fazer malabarismos com demandas concorrentes, especialmente para seus atiradores de elite, equipes de contra-ataque e equipes de oficiais de divisão uniformizados que ajudam a examinar os participantes em busca de armas em eventos usando magnetômetros.
Atualmente, a agência é responsável pelos detalhes de segurança de mais de 20 pessoas, a maioria delas exigindo segurança em tempo integral e algumas outras recebendo o que é informalmente chamado de proteção “porta a porta” a partir do momento em que saem de suas casas. Os protegidos incluem o presidente e o vice-presidente e suas famílias, bem como ex-presidentes, candidatos e um número cada vez maior de altos funcionários da administração. Após o atentado contra Trump em Butler, a agência acrescentou uma equipe de proteção para Robert Kennedy Jr., candidato independente à presidência, e agora está protegendo também o candidato a vice-presidente do Partido Republicano, J.D. Vance.
Bill Gage, ex-agente do Serviço Secreto que atuou em equipes de proteção presidencial e de contra-ataque durante os governos Bush e Obama, disse que a agência está sempre se afogando em um número muito maior de solicitações e eventos do que é possível atender com seus limites de contratação, e isso faz com que a sede negue solicitações com ainda mais frequência durante a movimentada temporada de campanha.
“Detesto ter que simplificar tanto, mas é um simples caso de oferta e demanda. As solicitações são recusadas rotineiramente”, disse Gage. “Um diretor precisa finalmente se manifestar para dizer que estamos com falta de pessoal e que não podemos continuar com essa missão de zero falhas sem um orçamento significativamente maior.”
O Office of Protective Operations (Escritório de Operações de Proteção) do Serviço analisa as solicitações de segurança para eventos e, como parte de um processo regular de “empurra-empurra”, às vezes reconsidera as recusas iniciais depois de ser persuadido de que o risco justifica a despesa, disseram as autoridades. Mas é preciso equilibrar a realidade de que cada agente, contra-atirador ou magnetômetro designado para cobrir um evento reduz o que está disponível para outras pessoas que o serviço protege.
Leia também
No fim de semana do tiroteio em Butler, o Serviço Secreto havia enviado várias equipes de contra-atiradores e centenas de agentes para a Convenção Nacional Republicana e também estava protegendo um evento de Jill Biden e uma viagem programada do presidente Biden a Austin no dia seguinte ao tiroteio. “É simplesmente verdade - não temos os recursos para protegê-lo [Trump] como fizemos quando ele era presidente”, disse o funcionário.
Nenhuma das solicitações negadas que o The Washington Post analisou estava relacionada ao comício na Pensilvânia em que Trump foi atingido. Mas uma das recusas que mais preocupou as autoridades de Trump ocorreu quando ele realizou um comício na Carolina do Sul em julho de 2023, um dos primeiros eventos de grande escala de sua atual campanha. Trump estava discursando em uma praça no centro de Pickens, uma pequena cidade a 32 quilômetros a oeste de Greenville, em um local cercado por edifícios comerciais e residenciais. Pessoas familiarizadas com a solicitação disseram que a equipe de segurança de Trump pediu que mais atiradores de elite fossem posicionados nos telhados para se protegerem contra possíveis atiradores ou outros ataques.
As pessoas disseram que o evento em Pickens foi um dos vários em que foi negado à equipe de Trump mais apoio tático. A equipe de Trump foi informada de que a sede do Serviço Secreto havia negado fornecer os recursos mesmo depois de a equipe de Trump apresentar um extenso argumento sobre a necessidade dos reforços.
Guglielmi disse que o Serviço ainda está revisando o planejamento para o evento em Pickens, mas que os contra-atiradores locais, em vez das equipes do Serviço Secreto, estavam à disposição para ajudar a enfrentar as ameaças de possíveis atiradores.
Em várias outras ocasiões, a equipe de Trump solicitou magnetômetros e ajuda adicional para fazer a triagem dos participantes de eventos esportivos com Trump, especialmente luta livre e jogos de futebol americano universitário, segundo pessoas familiarizadas com essas solicitações. A resposta foi negativa porque os eventos não eram de campanha.
Em um caso, o Serviço Secreto argumentou que a triagem era desnecessária porque Trump entraria em um estádio para assistir a um jogo de futebol por um elevador seguro e depois seria guiado por uma área segura até uma suíte particular com acesso controlado, de acordo com um funcionário do Serviço Secreto que analisou algumas das solicitações de segurança. “Ele não estava passando pela população em geral”, disse o funcionário. “Não é necessário revistar o estádio inteiro” nessas circunstâncias.
Mas os assessores de Trump disseram que ele frequentemente passava por saguões ao ar livre nos jogos, interagindo com grande parte do público. Alguns assessores de Trump ficaram preocupados com sua segurança nos eventos esportivos enquanto ele circulava pelas áreas, disseram pessoas familiarizadas com o assunto.
As pessoas ao redor de Trump também estavam preocupadas com o que temiam ser um número insuficiente de magnetômetros e pessoal de segurança nos comícios, disseram eles, incluindo um em 2023 em Macomb, Michigan, onde alguns participantes pularam sobre bicicletários para passar pela segurança e foram contidos pela polícia local, de acordo com pessoas próximas a Trump que testemunharam o episódio.
Vários assessores de Trump disseram que as negações causaram frustração por mais de um ano. O Serviço Secreto estende o mais alto nível de proteção aos atuais presidentes e autoridades. Os ex-presidentes recebem um grau significativamente menor de proteção do Serviço Secreto, mas a importância e as rotinas diárias de Trump fazem dele um tipo diferente de desafio de segurança do que a maioria dos ex-presidentes, segundo ex-agentes do Serviço Secreto.
Trump também é o primeiro ex-presidente nos tempos modernos a concorrer à reeleição, o que acarreta ônus adicionais de segurança, embora os candidatos não recebam o mesmo nível de segurança que os presidentes em exercício.
Outros ex-presidentes raramente fazem grandes aparições públicas, levando uma vida mais privada. Trump, por outro lado, está quase sempre perto de multidões, em seus clubes e campos de golfe, e realiza eventos de campanha frequentes com a presença de milhares, se não dezenas de milhares, especialmente desde que anunciou uma nova candidatura à presidência em novembro de 2022.
Cheatle, uma agente veterana do Serviço Secreto, chamou de inaceitável a falha de segurança no comício de 13 de julho, pois foi permitido que um atirador disparasse de um telhado sem segurança a cerca de 150 metros de onde Trump se dirigiu à multidão. O atirador foi visto agindo de forma suspeita antes de Trump começar a falar, mas o Serviço Secreto não interveio nem impediu Trump de subir ao palco.
O Serviço Secreto e o círculo de pessoas próximas de Trump também discutiram sobre o planejamento da Convenção Nacional Republicana, especialmente sobre o tamanho do perímetro de segurança que a agência imporia. A relação se tornou tão amarga que os republicanos seniores buscaram repetidamente reuniões com a liderança do Serviço Secreto em Washington depois de brigar com os agentes no local sobre segurança e logística.
Na quinta-feira, 18, o conselheiro sênior de Trump, Chris LaCivita, pediu a renúncia de Cheatle, assim como vários legisladores de ambos os partidos. Durante a convenção, vários senadores republicanos perseguiram Cheatle na arena em Milwaukee, onde ela viajou para informá-los sobre a investigação. Os senadores gritaram com ela depois que ela se recusou a responder perguntas sobre a tentativa de assassinato.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.