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Lula recebe Maduro no Planalto, critica sanções dos EUA e defende reabilitação da Venezuela

Maduro e Lula tiveram uma reunião privada no Palácio do Planalto, seguida por um encontro ampliado com membros da comitiva venezuelana e do governo brasileiro

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Foto do author Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu nesta segunda-feira, 29, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, no Palácio do Planalto. Na visita oficial, confirmada de última hora, Lula minimizou problemas do país vizinho, isentou Maduro de responsabilidades sobre a crise econômica que atinge o país e condenou as sanções que recaem sobre o regime chavista. “É o começo da volta do Maduro”, afirmou o petista, que classificou o encontro como um “momento histórico”.

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Sem citar violações de direitos humanos e políticos reconhecidos pelas Nações Unidas, Lula afirmou que as sanções contra a Venezuela, que impedem acesso a recursos bilionários no exterior e até a circulação de altos funcionários do regime, foram aplicadas por quem não gosta de Maduro. Ecoando o discurso do visitante, o petista afirmou que o “bloqueio”, liderado pelos Estados Unidos, é “pior do que a guerra” e “mata mulheres e crianças”.

“É efetivamente inexplicável um país ter 900 sanções porque o outro país não gosta dele”, afirmou Lula. “É culpa dos Estados Unidos, que fizeram um bloqueio extremamente exagerado. Eu sempre acho que bloqueio é pior do que a guerra, porque a guerra mata soltados em batalha. O bloqueio mata crianças, mulheres, pessoas que não têm nada a ver com a disputa ideológica em jogo.”

‘Narrativas’ sobre a crise

O presidente brasileiro afirmou, ainda, que a Venezuela precisa divulgar sua “narrativa” sobre a situação política e econômica do país para fazer frente ao que chamou de “narrativas” construídas por opositores no cenário internacional.

“Acho que cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa, para que possa fazer as pessoas mudarem de opinião. É preciso que você construa a sua narrativa e acho que por tudo que conversamos, a sua narrativa vai ser melhor do que a que têm usado contra você”, disse Lula, no microfone, em fala endereçada diretamente a Maduro. “Nossos adversários vão ter que pedir desculpa pelo estrago que fizeram na Venezuela.”

Na reunião, Maduro reclamou de perseguição. Afirmou que o país sofreu ameaças de invasão militar dos Estados Unidos e criticou a tentativa de impor um líder paralelo no governo de seu país - em uma referência ao reconhecimento de Juan Guaidó como presidente interino, em 2019. O chavista atribuiu a imagem de um Estado falido à imprensa e a uma suposta campanha de difamação nas redes sociais.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro (esquerda), e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, discursam após encontro no Palácio do Planalto, em Brasília  Foto: Gustavo Moreno/AP Photo

Mobilização contra sanções

Maduro afirmou que vai propor nesta terça-feira, dia 30, aos demais presidentes sul-americanos que defendam junto ao governo Joe Biden a suspensão de todas as sanções e medidas coercitivas unilaterais contra Caracas e demais países latino-americanos - caso de Cuba, por exemplo, e Nicarágua. Maduro afirmou que as políticas são uma forma de “chantagem do dólar”.

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Maduro não visitava o Brasil desde 2015, quando esteve na posse do segundo mandato de Dilma Rousseff. “É um prazer te receber aqui outra vez. É difícil conceber que tenham passado tantos anos sem que mantivessem diálogos com a autoridade de um país amazônico e vizinho, com quem compartilhamos uma extensa fronteira de 2.200 km”, declarou Lula.

Lula disse que o distanciamento entre os dois países ocorreu por “ignorância, contingências políticas e equívocos”, uma referência indireta aos governo anteriores do Brasil. O petista afirmou que a Venezuela é vítima de preconceito e que ouviu muitas afirmações de que o “Brasil viraria uma Venezuela” se ele vencesse as eleições, uma bordão de campanha do ex-presidente Jair Bolsonaro.

“O preconceito continua, ainda. O preconceito contra a Venezuela é muito grande. Quantas críticas a gente sofreu aqui durante a campanha por ser amigo da Venezuela. Havia discursos e mais discursos, os adversários diziam ‘Se o Lula ganhar as eleições, o Brasil vai virar uma Venezuela, uma Argentina, uma Cuba’, quando o nosso sonho era que o Brasil fosse o Brasil mesmo, melhor”, disse Lula.

‘Um pequeno problema’

O presidente brasileiro disse que a Venezuela sofre um “pequeno problema de ordem política, econômica, cultural e comercial. Entre 2016 e 2020, a Venezuela sofreu uma hiperinflação no qual os preços subiam mais de 1.800.000% ao ano. Mais de 7 milhões de pessoas fugiram do país e há 7 mil mortes suspeitas de execuções extrajudiciais.

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“Penso que esse novo tempo que estamos marcando agora não vai superar todos os obstáculos que você tem sofrido ao longo desses anos. Briguei muito com companheiros social-democratas europeus, com governos, com pessoas dos Estados Unidos. Achava a coisa mais absurda do mundo, para as pessoas que defendem democracia, negarem que você era presidente da Venezuela, tendo sido eleito pelo povo”, disse.

Oposicionistas ao governo Lula criticam essa posição de aproximação do Brasil com o governo venezuelano. Argumentam que a Venezuela é uma ditadura e que Maduro enfraqueceu as instituições democráticas do país.

Integração Plena

Lula disse saber das “dificuldades” na relação da Venezuela com o Brasil e com o resto do mundo – citou como exemplos a dívida externa e o combate ao narcotráfico –, mas afirmou que o governo buscará uma “integração plena” entre os dois países.

“Sabemos das dificuldades que nós temos, da quantidade de empresas que já estão na Venezuela e querem voltar para a Venezuela. Sabemos da dívida da Venezuela, e sabemos que tudo isso faz parte, e vai fazer parte de um acordo que a gente faça para que a nossa integração seja plena”, declarou o presidente brasileiro.

O Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, cumprimenta o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, ao lado da primeira-dama da Venezuela, Cilia Flores, e primeira-dama brasileira, a Janja Foto: Wilton Junior/Estadao

“Esse momento é importante por muitas razões, mas uma delas é porque a América do Sul tem que se convencer que temos que trabalhar como se fosse um bloco. Não dá para ninguém imaginar que, sozinho, um país da América do Sul vai resolver seus problemas que perduram mais de 500 anos”, completou Lula.

O presidente defendeu a formação de um novo órgão para ação política conjunta entre os 12 países da região e argumentou que juntos terão mais força negociadora.

Ele citou, por exemplo, o acordo comercial do Mercosul com a União Europeia e disse que o “problema” no capítulo sobre compras governamentais persiste. O texto foi negociado por duas décadas e acordado em 2019, mas nunca assinado. O presidente que rever esse treco em específico. Lula disse que o Brasil “não vai entregar” o setor aos europeus, porque do contrário não sobrará nada para as empresas pequenas e médias nacionais.

Defesa

Lula e Maduro afirmaram que vão retomar o relacionamento estreito entre as Forças Armadas. Ambos disseram que o descontrole nas fronteiras e o combate a crimes transnacionais ficou prejudicado pela falta de contato.

Os ministros da Defesa dos dois países, José Múcio Monteiro Filho e Vladimir Padrino López, irão manter um encontro em breve para estabelecer um protocolo de atuação conjunta.

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Maduro afirmou que, por quatro anos, as autoridades dos dois lados não tiveram um só telefone para se comunicar em caso de crimes na área de fronteira. “Era uma loucura a inexistência disso”, disse o venezuelano.

BRICS

Em mais um aceno ao chavista, Lula afirmou que apoiará o pleito de Venezuela de ingressar no bloco informal de coordenação geopolítica e econômica BRICS, formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

“Não depende da vontade do Brasil, mas de todos. Se tiver um pedido oficial, será levado ao BRICS e lá decidiremos. Se você perguntar minha vontade, eu sou favorável”, afirmou Lula.

Embora o assunto da adesão não tenha sido tratado na visita, Maduro confirmou que Venezuela tem interesse em participar do grupo. Ambos falaram em resposta a um questionamento de jornalista venezuelana.

O BRICS estuda uma série de pedidos de adesão, mas jamais entrou em acordo para autorizar a expansão.

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