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Guerra interna para assumir o Grupo Wagner se intensifica após a morte de Prigozhin

Andrei Troshev, integrante de alto escalão do grupo Wagner, emergiu como um potencial candidato para intervir e comandar o que resta do grupo

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Por Mary Ilyushina, Francesca Ebel, Rachel Chason e Claire Parker

Com o chefe do Wagner, Ievgeni Prigozhin, e dois dos outros líderes importantes do grupo dados como mortos, abriu-se um vácuo de poder, o que deixa o Kremlin, as facções internas do Wagner e as forças paramilitares externas competindo pelo controle de um império global lucrativo, mas obscuro.

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Prigozhin se autodenominava o líder insubstituível do grupo, centro de uma intrincada rede de mercenários, empresas de mineração, consultores políticos e agentes de desinformação. Ele também construíra laços com governos africanos, permitindo que o grupo Wagner servisse aos interesses de Moscou em todo o continente, muitas vezes sob a mira da arma.

“Tem algumas pessoas competentes que adorariam assumir e tomar seus orçamentos, mas não existe nenhuma figura semelhante a Prigozhin, com seu enorme fluxo de dinheiro, além de sua eficiência e entusiasmo”, disse Denis Korotkov, veterano jornalista russo que fez reportagens sobre o grupo Wagner na última década.

Uma bandeira do grupo Wagner e uma imagem do ex-chefe da organização Ievgeni Prigozhin foram colocadas em um memorial que foi feito em homenagem a Prigozhin em Moscou, Rússia  Foto: Natalia Kolesnikova/ AFP

No entanto, Andrei Troshev, integrante de alto escalão do Wagner, emergiu como um potencial candidato para intervir e comandar o que resta do grupo. Acredita-se que Troshev, antigo tenente-coronel do Ministério dos Assuntos Internos da Rússia, tenha sido o principal elemento de ligação entre Prigozhin e o Ministério da Defesa durante a guerra na Ucrânia. E ele é uma das poucas figuras públicas do Wagner que não constava da lista de passageiros do avião que caiu a noroeste de Moscou na quarta-feira.

Canais de Telegram ligados ao Wagner e blogueiros militares disseram nas últimas semanas que Troshev havia sido expulso do grupo, alegando que ele traíra Prigozhin após a rebelião de junho e estava tentando fechar um acordo com o Ministério da Defesa. Sergei Shoigu, ministro da Defesa da Rússia, há muito vem tentando assumir o controle da força paramilitar, e sua rivalidade com Prigozhin ajudou a precipitar a breve marcha de Wagner sobre Moscou.

“Troshev pode ser um dos futuros líderes do Wagner atualizado, uma vez que o antigo Wagner já não existe e não existirá mais”, disse Anton Mardasov, especialista em assuntos militares baseado em Moscou do Russian International Affairs Council.

“Vários comandantes o acusaram de traição, dizendo que ele estava atraindo pessoas para a companhia militar privada Redut”, disse Lilia Yapparova, repórter do canal Meduza, que passou anos investigando o Wagner e outros exércitos privados. O Redut é uma força privada controlada pelo Ministério da Defesa e acredita-se que seja financiada por Gennady Timchenko, bilionário e aliado de longa data de Putin.

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Máscaras do presidente da Rússia, Vladimir Putin, do chefe do grupo Wagner, Ievgeni Prigozhin e do líder soviético Josef Stalin são vendidas em uma loja em São Petesburgo, Rússia  Foto: Dmitri Lovetsky / AP

Futuro

Putin já havia sugerido que ficaria feliz em ver Troshev assumir o poder. Em 29 de junho, cinco dias após a rebelião, Putin reuniu dezenas de líderes e comandantes do Wagner, entre eles Prigozhin, no Kremlin para discutir sua futura “aplicação de combate”.

De acordo com um repórter do Kommersant, Putin ofereceu aos membros do Wagner a oportunidade de assinar contratos com o exército regular e continuar guerreando sob as ordens de um comandante chamado Sedoi, codinome de Troshev.

“Todos poderiam se juntar num só lugar e continuar o serviço”, disse Putin. “E nada mudaria para eles. Eles seriam liderados pela mesma pessoa que sempre foi seu verdadeiro comandante”.

Quando Prigozhin rejeitou a oferta, Putin o acusou de contrariar os desejos de seus combatentes, que ele alegou terem “acenado” em concordância durante a reunião.

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“Parece que Putin tentou chegar a um acordo com o grupo Wagner sem entrar em conflito direto com Prigozhin”, disse Tatiana Stanovaya, investigadora sênior do Carnegie Russia Eurasia Center. “Putin ainda precisava do líder do Wagner para garantir que houvesse uma transição suave para Troshev, que o Wagner entregasse seu equipamento pesado ao Ministério da Defesa e que o exército de mercenários se deslocasse para Belarus sem quaisquer incidentes”.

Após o motim, Prigozhin viajou para a Rússia, para a nova base Wagner em Belarus e até para África, um choque para muitas das elites de Moscou, que viram isso como um sinal da fraqueza de Putin. Mas as viagens deram tempo para o Kremlin se reagrupar e mapear quais dos ativos de Prigozhin seriam mais úteis.

“O Kremlin pôde avaliar a receptividade de cada comandante do Wagner. E acabou descobrindo que não havia mais necessidade de Prigozhin”, disse Stanovaya.

Outros grupos

O grupo Wagner é o exército privado mais conhecido da Rússia, mas não é o único. Empreendimentos semelhantes surgiram com o apoio de oligarcas russos, dando a Putin uma série de forças por procuração para cumprir suas ordens, ao mesmo tempo que lhe proporcionavam a possibilidade de negar qualquer envolvimento. Há pelo menos cinco anos essas empresas recrutam combatentes em associações de veteranos, equipes de segurança de empresas estatais, clubes de luta e academias locais.

Nos dias que antecederam a misteriosa queda do avião na quarta-feira, pelo menos dois grupos paramilitares – ambos controlados ou ligados ao Ministério da Defesa e a líderes leais a Putin – começaram a contratar pessoas para operações na África, um sinal de que o Kremlin planejava assumir os contratos de segurança de Prigozhin na região.

O Konvoi, um grupo relativamente novo que surgiu no ano passado como mais um canal para recrutar soldados para a Ucrânia, publicou um anúncio na segunda-feira à procura de pilotos para receberem formação em drones e serem enviados para a Ucrânia e a África.

Seu líder, Konstantin Pikalov, já trabalhou para o grupo Wagner na África e disse ao meio de investigação russo Important Stories: “Foram tomadas medidas sem precedentes para libertar os países africanos da dependência colonial (...). Vamos dar novas armas aos soldados africanos e lhes ensinar como usá-las”.

Mercenários do grupo Wagner participam de uma parada em Bangui, na República Centro-Africana  Foto: Ashley Gilbertson / NYT

O Redut, que guerreou na Síria, também procurou expandir suas operações na África, com anúncios de recrutamento aparecendo recentemente na rede social VKontakte.

O Redut e o Konvoi não alcançaram vitórias significativas na Ucrânia, são considerados grupos menos profissionais do que o Wagner e não são bem vistos pelos mercenários russos mais experientes, disse Korotkov.

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Mas um novo plano de recrutamento combinando combatentes do Wagner e de outros exércitos privados era possível, disse Mardasov, o analista.

“É claro que a espinha dorsal do Wagner não ficará feliz com a decisão de misturar as fileiras, mas eles não têm escolha”, disse ele.

Prigozhin passou seus últimos dias visitando países africanos, em um aparente esforço para impedir que os altos escalões da Rússia cooptassem essa parte de seu negócio.

“Prigozhin, é claro, sabia desses planos e supostamente tentou interferir neles, o que foi o objetivo de sua última viagem de negócios ao Mali”, disse Yapparova.

Mas sua abordagem pessoal aos líderes africanos parece ter sido insuficiente. No Mali e na República Centro-Africana (RCA), onde o Wagner é mais proeminente, as autoridades preferiram a continuidade.

Membros do grupo Wagner posam para foto em Belarus durante treinamento  Foto: Ministério da Defesa de Belarus / AP

Fidèle Gouandjika, um dos principais conselheiros do presidente da RCA, Faustin-Archange Touadéra, disse que o governo assinou um contrato com a Federação Russa e que foi a Rússia quem subcontratou o grupo Wagner, enviando tropas para o país em 2018.

“Portanto, a morte de Prigozhin é uma grande perda para nós, porque ele ajudou a salvar a democracia na RCA”, disse Gouandjika em entrevista na sexta-feira. “Mas nada vai mudar. A Rússia pode decidir sobre outro líder para o grupo Wagner”.

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Gouandjika previu que o Wagner, e não outra força, continuaria o trabalho, ressaltando a extensão das operações do grupo na RCA e acrescentando que uma nova rotação de tropas Wagner havia chegado meses atrás. Mas, em última análise, disse ele, caberia a Moscou decidir.

“Temos um acordo com o governo russo e é a Rússia quem escolhe quem enviar”.

Touadéra não se encontrou pessoalmente com Prigozhin durante a reunião Rússia-África no mês passado em São Petersburgo – em vez disso, encontrou-se com Putin, em um aparente esforço dos líderes da RCA para se distanciarem do senhor da guerra rebelde.

No Mali, o governo há muito se recusa a discutir a presença das forças Wagner, referindo-se a elas como “instrutores russos”. Adama Ben Diarra, proeminente conselheiro em Bamako e membro do conselho de transição da junta do Mali, disse na sexta-feira que “o Mali trabalha com a Rússia de estado para estado e que a cooperação continuará”.

Prigozhin também vinha tentando para manter sua posição na Líbia, onde o Wagner serviu como força mercenária para o Exército Nacional Líbio de Khalifa Hifter.

Mesmo antes do motim, Hifter estava cada vez mais desiludido com Prigozhin, segundo Anas El Gomati, diretor do Sadeq Institute, um think tank com sede em Trípoli. A relação entre os dois “foi deteriorando significativamente ao longo do ano passado”, disse ele, em parte porque Hifter reteve pagamentos ao Wagner na tentativa de garantir equipamento militar.

“Prigozhin deveria entregar essas coisas, mas não entregou”, disse El Gomati.

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O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa da 15° cúpula do Brics de forma virtual  Foto: Marco Longari / AP

Um dia antes da queda do avião, o vice-ministro da Defesa russo, Yunus-bek Yevkurov, que Prigozhin chegou a tomar como refém em um quartel-general do sul durante o motim, visitou a Líbia para oferecer garantias de que os combatentes Wagner permaneceriam no leste do país – mas sob comando do Kremlin.

Mardasov disse que a visita de Yevkurov, que tem extensos laços com a agência de inteligência estrangeira da Rússia, a GRU, foi “evidência direta” da decisão de Moscou de formalizar suas futuras relações com Hifter.

A Líbia é o centro nevrálgico das operações da Rússia na África, servindo como centro logístico que liga os combatentes e equipamentos russos na Síria aos países do Sahel.

Moscou “não pode encerrar as operações na Líbia e continuar as operações na África”, disse El Gomati. À medida que prossegue sua guerra opressora na Ucrânia, a Rússia provavelmente tentará manter uma posição estratégica ao longo do flanco sul da Otan.

David Lewis, professor da Universidade de Exeter que pesquisou as redes de negócios ilícitos do Wagner, disse que Moscou já demonstrou que manteria a presença global do Wagner.

Lewis destacou que a presença do grupo na África era relativamente modesta – alguns milhares de homens – e poderia ser facilmente substituída.

“É um custo em termos de mão-de-obra e gastos com defesa, mas é bem provável que seja visto como um custo relativamente baixo para a forma como a Rússia está se beneficiando geopoliticamente”, disse ele. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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