RIO – Após a tentativa do presidente da Argentina, Javier Milei, de ganhar notoriedade durante a cúpula de líderes do grupo das 20 maiores economias do globo (G-20), no Rio, a próxima edição do evento, na África do Sul, deve ser mais tensa. Até porque, no ano que vem, o americano Donald Trump, que é alinhado em ideias ao argentino e um crítico ao multilateralismo, já estará em exercício como presidente.
De acordo com fontes diplomáticas do Brasil, do Exterior e do próprio governo, o desenrolar do encontro no continente mais pobre do mundo virou uma grande incógnita. Apesar da preocupação dias antes do início da cúpula no Rio com a atuação do argentino, a expectativa era a de que ele apenas mantivesse seus embates “até a página 3″.
Mesmo assim, certamente foi um personagem monitorado por todos os membros desde sua chegada, principalmente depois que fracassou a divulgação do comunicado do W20, grupo voltado para as mulheres, por causa da Argentina. O contra argumento foi inesperado para várias comitivas, que disseram não contar com uma ação desse tipo do país sul-americano.
No meio diplomático, para ter um posicionamento contrário - e mantê-lo durante toda a programação do G-20 - é preciso medir riscos. No caso de Milei, sabe-se claramente que ele não “fala a língua” da maioria do grupo. Sua postura soou mais como uma bravata do que alguém que teria argumentos - ou mesmo musculatura - para atuar.
Na avaliação do governo brasileiro, a mudança de posicionamento de Milei e o aceite do líder da extrema direita ao comunicado da cúpula foi uma forma de o argentino evitar o isolamento no contexto internacional. Atores do G-20 passaram, inclusive, a disseminar a linha de raciocínio de que o vizinho apenas estava em busca de holofotes. De qualquer forma, o grupo se precaveu a arroubos solicitando que o presidente francês, Emmanuel Macron, fosse até Buenos Aires para “tentar acalmar a fera”.
A expectativa de que a situação na África do Sul possa ser mais “complicada” claramente não está ligada ao argentino, mas a Donald Trump, que será o presidente da maior economia do globo. Com Milei e Trump juntos, a extrema direita ganha força na cúpula, que atualmente está de forma mais isolada.
Algumas fontes lembraram, porém, que durante seu primeiro mandato (2017-2021), o americano compareceu a todas as reuniões do G-20 e que, apenas na de Osaka, no Japão, fez questão de se manter contrário ao grupo na questão do clima, levando à construção de um parágrafo (o de número 36) para explicitar a visão dos EUA.
Mesmo quando se tem poder suficiente para ir contra um grupo, a atuação pode sair cara. É preciso lembrar da icônica foto da reunião do grupo das sete maiores potências do globo (G-7) que ocorreu em 2018, quando a então chanceler Angela Merkel, de pé, encara Trump, que está sentado e com os braços cruzados. A imagem correu o mundo e desgastou o americano, que se tornou alvo de chacotas.
Se em 2024, Macron precisou intervir para facilitar o consenso na cúpula e evitar uma derrota do Brasil como país sede, 2025 exigirá maior presença dos líderes para fazer frente ao extremismo do argentino e americano. Por isso é preciso ter jogo de cintura, disse uma das fontes ouvidas pelo Estadão.
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