BUENOS AIRES - A Argentina vai deixar de pagar as importações procedentes da China em dólar e começará a fazê-lo em yuan com o objetivo de preservar suas reservas internacionais, anunciou o ministro da Economia, Sergio Massa, na quarta-feira, 26. A iniciativa, em meio a uma aproximação do gigante asiático com a América Latina, segue uma semelhante do Brasil, que firmou com Pequim um acordo para que o comércio e investimentos entre os dois países seja feito diretamente entre o real e o yuan (RMB), excluindo o dólar dos EUA das transações.
“O país poderá programar um volume de importações em yuanes por (o equivalente a) mais de US$ 1 bilhão (R$ 5 bilhões) a partir do mês que vem, que substituirão o uso de dólares na Argentina” nestas operações comerciais com Pequim, afirmou Massa em declaração ao lado do embaixador chinês em Buenos Aires, Zou Xiaoli, na sede do ministério. O anúncio foi transmitido pelo canal oficial da pasta de Economia.
Pequim e Buenos Aires já haviam implementado um mecanismo de “swap” ou intercâmbio de moedas ao qual o país sul-americano poderia recorrer em caso de necessidade.
Nesse contexto, Massa considerou que acionar essa possibilidade “melhora a perspectiva de reservas líquidas da Argentina”, e “permite manter o nível de atividade, o volume de importações, o ritmo de comércio entre Argentina e China e os níveis de funcionamento econômico que o país necessita”.
Há vários dias, a Argentina vivencia uma forte corrida cambial, que alcançou seu ápice na segunda-feira, quando a cotação do dólar, que é de 228 pesos no câmbio oficial, chegou perto de 500 no mercado paralelo.
A demanda por dólares, em um contexto de controle cambial, corrói as reservas cada vez menores do Banco Central, que, na terça-feira, interveio no mercado depois que o dólar ‘blue’ - como é conhecido o câmbio paralelo no mercado informal - era comercializado a 474 pesos. No dia anterior, esse valor era de 495.
O governo diz acreditar que o pagamento das importações em yuanes de seu segundo maior parceiro comercial permitirá a ele resistir à tempestade que atinge suas reservas.
“Recorrer ao swap nos dá mais liberdade e acrescenta capacidade de atuação a partir do Banco Central, nestes dias em que tivemos de tomar a decisão de intervir contra aqueles que, pensando que não tínhamos capacidade econômica como Estado, especularam e superespecularam”, afirmou o ministro.
Reestruturação da dívida
Um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para reestruturar uma dívida de US$ 44 bilhões (R$ 222,5 bilhões na cotação atual) limita a intervenção do Banco Central no mercado de câmbio, com o objetivo de aumentar as reservas.
Na segunda-feira, as reservas internacionais da Argentina ficaram em US$ 36,5 bilhões (R$ 184,5 bilhões), segundo o Banco Central. Contudo, analistas consideram que as reservas líquidas de livre disponibilidade são significativamente inferiores. No dia 2 de janeiro, esta quantia era de US$ 44,6 bilhões (R$ 225,5 bilhões, na cotação de hoje).
As reservas estão sob constante pressão na Argentina, onde o dólar é visto como um ativo de segurança para a população e as empresas diante da forte inflação, que supera os 100% em 12 meses.
Xou, por sua vez, destacou a importância do swap como instrumento financeiro para “proteger e desenvolver os mercados globais, apoiando as empresas para que possam utilizar as moedas locais para liquidação comercial”.
Segunda maior economia do mundo e grande adversário político dos Estados Unidos, a China vem tentando internacionalizar sua divisa há bastante tempo.
Especial
Recentemente, o Brasil, durante uma viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao gigante asiático, firmou com Pequim um acordo para realizar trocas comerciais em yuanes e reais. Lula também pediu aos países do Brics – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – que liquidem o comércio bilateral e os investimentos em suas próprias moedas.
Na quarta-feira, durante discurso na Espanha, Lula acrescentou ainda seu apoio à criação de uma moeda “assim como os europeus criaram o euro” para o comércio entre os países do Brics.
Na atualidade, o dólar dos EUA representa 42% das divisas utilizadas no comércio internacional, enquanto o euro representa 33%, a libra esterlina 6%, o iene japonês 5% e o yuan apenas 2%, segundo os últimos dados do sistema internacional de pagamentos Swift.
Há muito tempo a China quer aumentar o uso de sua moeda para transações internacionais em todo o mundo e, na terça-feira, o Conselho de Estado (Executivo) reiterou a intenção de aumentar o uso do yuan para liquidar essas negociações no plano internacional.
Um estudo da Bloomberg Intelligence divulgado no dia seguinte mostrou que a China usou o yuan mais do que o dólar em transações internacionais pela primeira vez. Especificamente, o uso do yuan nessas transações atingiu um recorde histórico de 48% em março, um mês em que o uso do dólar nas transações internacionais chinesas caiu para 47%.
Vale observar que, em 2010, a China quase não usou moeda chinesa para liquidar essas transações, fazendo-o quase que exclusivamente em dólares, que foram utilizados em 83% dos negócios.
Essa taxa é calculada com base no volume de todos os tipos de transações internacionais no país, incluindo a negociação de ações por meio das conexões entre os mercados da China continental e de Hong Kong./AFP e EFE
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