Inflação em janeiro perde força na Argentina e dá respiro a Milei em batalha política com Congresso

Preços subiram 20,6%, frente aos 25,5% do mês anterior, e taxa de 12 meses avançou para a 254,2%

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Foto do author Carolina Marins
Atualização:

O primeiro índice de inflação na Argentina sob o comando de Javier Milei indica uma desaceleração na alta dos preços. Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), a inflação subiu 20,6% em janeiro, depois de uma alta de 25,5% em dezembro. O refresco dá um respiro político a Milei, depois de uma dura derrota no Congresso na semana passada, quando seu projeto de reforma econômica retornou às comissões legislativas por falta de apoio dos deputados de sua base.

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Ainda de acordo com o Indec, a variação anual dos preços chegou a 254,2%, a maior desde os anos 1990. Embora ainda muito alta, o resultado de janeiro envia um sinal positivo ao governo que acabou de completar dois meses e havia prometido conter a sombra de uma hiperinflação no horizonte.

Parte da alta está relacionada à retirada de subsídios anunciada por Milei, sobretudo no setor de transportes, telefonia e banda larga, e na extinção de regras que tabelavam preços de serviços, como por exemplo, os planos de saúde. O setor de bens e serviços, subiu 44,4%, seguido por transporte que registrou aumento de 32,6%. A alta dos alimentos, que prejudica sobretudo os mais pobres, no entanto, perdeu força.

Um homem observa o preço dos produtos em supermercado de Buenos Aires em 13 de dezembro de 2023 Foto: Agustin Marcarian/Reuters

Consultoras argentinas e internacionais preveem que a tendência de recuo na inflação se manterá ao longo deste ano e é possível que a Argentina retroceda a uma inflação anual abaixo de 200%.

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Vitória política

O dado é uma vitória do governo em meio a uma série de reveses que vem sofrendo este ano. Milei desencadeou uma crise política na semana passada ao sair em uma cruzada contra quem chamou de “traidores”. Após voltar à estaca zero em sua chamada Lei Ônibus, que visava reformular aspectos profundos da economia e do Estado argentino, o presidente promoveu uma caça às bruxas a deputados e governadores de sua própria base de apoio, colocando em xeque o futuro de seus planos econômicos.

“O governo é otimista [com as futuras taxas de inflação], mas tudo dependerá de como vai ir manejando esses dilemas políticos”, afirmou o professor de Economia da Universidade de Buenos Aires (UBA) Fabio Rodriguez. “Agora, quando voltar de sua viagem, é muito importante que Milei envie um sinal de contenção da crise política”, completou em referência às viagens a Israel, ao Vaticano e Roma que Milei fez nos últimos sete dias.

Uma recessão proposital

Economistas dizem que a inflação subiu menos em janeiro em consequência da aposta da equipe de Milei em controlar a alta do dólar e em dar um choque recessivo na economia argentina, fazendo com que as pessoas comprem menos.

“O dado de janeiro é positivo e tem duas causas fundamentais para essa desaceleração que já não são, entre aspas, positivas: congelar o tipo de câmbio e a queda no consumo”, explica o economista e diretor do Instituto de Trabalho e Economia da Fundação German Abdala, Juan Manuel Telechea. “É bem conhecido na Argentina que a inflação se move muito em consonância com o que acontece com o valor do dólar. Então, ao promover a desvalorização de maneira drástica e depois manter o câmbio fixo, vemos essa desaceleração.”

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Ao desvalorizar o peso argentino em mais de 50% em dezembro, Milei fixou o preço do dólar oficial a 800 pesos argentinos. Por um tempo, o dólar paralelo - e os outros vários tipos de câmbio do país - não aumentaram drasticamente em resposta, como havia acontecido em desvalorizações anteriores.

“Os alimentos dispararam em novembro e dezembro”, afirma Fabio Rodriguez. “E em janeiro começamos a ver menos aumento em algumas áreas, o que é óbvio porque com menos dinheiro e menos capacidade aquisitiva, se começa a esfriar a subida de preços. Como não podem subir ao infinito, começaram a retroceder”.

O presidente da Argentina, Javier Milei, durante visita à Itália em 12 de fevereiro Foto: Remo Casilli/Reuters

“Os dois principais objetivos do governo são segurar os preços e reduzir o déficit fiscal. Com isso, poderá parar de emitir moeda sem lastro e pavimentar um caminho rápido de combate à inflação”, completa.

O outro fator apontado por Telechea é a queda no consumo, que segue uma lógica de que com menos gastos, menos dinheiro circula e logo o salto inflacionário desacelera. “O governo espera que a demanda discipline a inflação”, afirma.

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O problema, apontam ambos os economistas, é o quanto esta lógica é sustentável com o passar do tempo. O câmbio já voltou a apresentar subidas - embora muito menores em comparação com o período eleitoral. Nesta quarta, o dólar paralelo mais utilizado (chamado de dólar Blue) cotava acima de 1.100 pesos. Já a queda no consumo, que trará um recessão certa, tem um custo humano alto que em breve tende a se refletir no humor da população.

Inflação de um dígito?

A tendência é que o dado continue a cair, com projeções já apontando taxas abaixo de 20% em fevereiro e março. O governo é otimista e crê que depois de abril já verá a inflação de um dígito de volta. No Twitter, o ministro da Economia Luis “Toto” Caputo escreveu que prevê 18% em fevereiro, 15% em março e 13% em abril. Consultorias e o próprio Fundo Monetário Internacional, no entanto, preveem que este um dígito virá apenas da metade do ano para frente.

Os economistas, no entanto, afirmam que mesmo essa projeção é otimista. “Existe um conceito que pode ser o grande calcanhar de Aquiles deste governo que é a inércia inflacionária”, observa Telechea. “Quando se tem uma inflação elevada por muito tempo, digamos, vários anos, isso gera mudanças no comportamento das pessoas e das empresas. Uma pessoa na Argentina não poupa dinheiro da mesma forma que uma pessoa na Alemanha, e uma empresa na Argentina não precifica observando as mesmas variáveis que uma empresa nos EUA ou no Brasil”.

Pelo lado das pessoas, a mudança de comportamento que se observa é uma busca cada vez maior por dólares, em uma economia que lida cada vez mais com a falta da moeda. Ainda que haja um incentivo a não usar a moeda, as constantes desvalorizações do peso faz com que os argentinos confiem e poupem muito mais dólares do que em sua própria moeda. Já por parte das empresas, além do uso do dólar como referência, os preços e contratos são fechados com base em dados de inflação do mês anterior, fazendo com que sempre haja um defasagem na correção.

“Os contratos, os aluguéis, os aumentos de preço, tudo isso se faz observando a inflação recente, e é aí que aparece a inércia. Por mais que se faça uma política de choque, os preços demoram a ir baixando porque estão justamente sendo puxados por uma inércia que surge do que passou com a inflação dos meses anteriores. Por isso é tão difícil baixar a taxa de um dia para o outro. Não acredito que poderemos ver uma inflação de um dígito de forma sustentável este ano”.

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