Argentina faz maior gasto militar desde a ditadura, se alinha aos EUA e esnoba China; saiba por quê

Após recusar aviões chineses, Javier Milei concluiu a compra de 24 caças F-16 americanos que eram da Dinamarca, concretizando o maior investimento argentino em Defesa desde a redemocratização

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Foto do author Daniel Gateno

O presidente da Argentina, Javier Milei, iniciou o seu mandato no dia 10 de dezembro do ano passado com uma mensagem realista e pregando austeridade: “infelizmente não há dinheiro”. O governo do libertário manteve a doutrina da contenção de gastos em todas as áreas de sua administração até agora. Por isso, o anúncio da compra de 24 caças F-16 americanos que eram da Dinamarca no mês passado foi um ponto fora da curva.

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Com trajes no estilo Top Gun - Ases Indomáveis de 1986, o ministro da Defesa da Argentina, Luis Petri, assinou a compra dos aviões de guerra e concretizou o maior investimento argentino no setor de Defesa desde a redemocratização.

Segundo o governo Milei, a Argentina vai gastar US$ 300 milhões com a compra dos F-16, mas de acordo o jornal portenho La Nación as cifras devem chegar a US$ 650 milhões, por causa do pacote de armas que entrou na negociação. O primeiro caça deve chegar até o final do ano a Buenos Aires.

O ministro da Defesa da Argentina, Luis Petri, posa para foto ao lado do ministro da Defesa da Dinamarca, Troels Lund Poulsen, e da delegação argentina em frente a um caça F-16 na base aérea de Skrydstrup, na Dinamarca  Foto: Bo Amstrup/AFP

“Hoje estamos concluindo a aquisição militar mais importante desde 1983″, disse Petri na cerimônia de assinatura do contrato no dia 16 de abril, em uma base aérea em Skrydstrup, na Dinamarca. “Com estes aviões, damos um passo fundamental na nossa política de defesa, recuperando a capacidade supersônica da nossa aviação e preparando a nossa Força Aérea para os desafios tecnológicos do século 21″, apontou o ministro da Defesa.

Mesmo passando uma mensagem de austeridade desde o início de seu governo, Milei e Petri já haviam ressaltado o interesse em melhorar as condições dos equipamentos das Forças Armadas da Argentina.

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O libertário fechou a transação envolvendo os F-16, mas negociações para a compra dos aviões de guerra ocorrem desde o último governo de Cristina Kirchner, que terminou em 2015, segundo analistas entrevistados pelo Estadão.

Neste mesmo ano, a Força Aérea Argentina se despediu dos caças Mirage III, de fabricação francesa, que foram desativados após 40 anos de serviço na frota argentina. A substituição dos aviões de guerra só foi concretizada nove anos depois.

“O projeto de aquisição de caças já vem de muito tempo. Nos anos 2000, antes da desativação dos caças Mirage, já havia uma procura. Quando os caças de fato foram desativados em 2015, ainda não havia substituto. A compra era necessária, a Argentina estava há dez anos sem capacidade supersônica e com uma Força Aérea muito atrasada em termos tecnológicos”, avalia Andrei Serbin Pont, analista internacional argentino e presidente do CRIES, think tank que promove políticas públicas de integração regional na América Latina.

O ministro da Defesa da Argentina, Luis Petri, posa para foto junto a um F-16 ao lado da delegação argentina com uma bandeira do país na base aérea de Skrydstrup, na Dinamarca  Foto: Bo Amstrup/AFP

A procura por aviões

Os argentinos avaliaram diversos modelos antes da compra dos F-16 americanos que eram da Dinamarca. Quando os caças Mirage foram desativados, Buenos Aires quase optou pelo caça IAI Kfir, produzido por Israel, mas o negócio não foi para frente. O governo argentino também avaliou a compra dos caças JF-17, produzidos conjuntamente por China e Paquistão.

Todos os estudos foram feitos na gestão Alberto Fernandez, Milei apenas concretizou o negócio, explica Serbin Pont. Os F-16 começaram a ser usados em 1979 e a Força Aérea da Dinamarca quer renovar a sua frota, substituindo os aviões de guerra pelos modernos caças americanos F-35. 19 caças foram doados por Copenhague para a Ucrânia e 24 foram vendidos a Buenos Aires. A Dinamarca garante que os F-16 que irão para a Argentina passaram por modernizações.

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“Milei comprou os aviões porque era uma necessidade e as condições econômicas e políticas da compra eram muito boas. Os Estados Unidos deram o aval para a compra e a Argentina poderá pagar o montante total pelos aviões em cinco anos. Os caças contam com um ótimo sistema de armas”, apontou Serbin Pont.

Os aviões podem ser usados em missões ar-ar e também em um ataque terrestre por serem monomotores. Os caças F-16 contam com dois mísseis ar-ar AIM 9 e dois mísseis ar-ar AIM 9, além de um canhão multicano M-61A1 com um cartucho de 500 tiros e estações externas que podem transportar até seis mísseis ar-ar e munições convencionais ar-ar e ar-superfície.

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Alinhamento com os EUA

A escolha pelos F-16 também representa mais um passo no alinhamento do governo Milei com os Estados Unidos. A aprovação de Washington para a compra dos caças, que era necessária para a realização da transação porque os EUA produziram os aviões militares, ocorreu sem dificuldades.

Diversas autoridades americanas visitaram a Argentina nos últimos meses, mostrando que a aproximação parece estar dando certo. Em fevereiro, Milei recebeu a visita do secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, em Buenos Aires. Em abril, o libertário viajou até Ushuaia para receber a chefe do Comando Sul do Exército americano, Laura Jane Richardson.

O presidente da Argentina, Javier Milei, conversa com o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, na Casa Rosada, em Buenos Aires, Argentina  Foto: Agustin Marcarian/AP

No mês passado, Washington também aprovou o envio de um subsídio de 40 milhões de dólares para que a Argentina reforce o setor de defesa, por meio do programa de Financiamento Militar Estrangeiro dos EUA, que busca contribuir para a modernização do setor de países aliados dos americanos. Esta é a primeira vez que a Argentina recebe dinheiro deste fundo desde 2003.

Milei entendeu que o setor de defesa pode aproximar a Argentina e os Estados Unidos e está agindo de acordo com isso, avalia Fabian Calle, professor de relações internacionais da Universidade Católica Argentina (UCA). “Washington prioriza a questão de segurança e defesa na região mais do que antes por conta da presença da China e o presidente argentino faz questão de lidar com este setor de forma engajada”.

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Freio a China

A China vem aumentando a venda de aparato militar para países da região. Os laços militares avançaram principalmente na Venezuela, mas também em países como Peru, Equador e Bolívia. De 2006 a 2022, os chineses forneceram US$ 629 milhões para a Venezuela em material militar, segundo um relatório do Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI).

Durante o governo de Alberto Fernandez, a mídia argentina relatou em diversos momentos que a gestão do ex-presidente estava negociando uma possível compra dos caças JF-17, de fabricação conjunta de China e Paquistão. Mas não existiu consenso político para a transação e o ex-presidente argentino chegou a admitir em uma entrevista para o Financial Times no final de 2022 que a compra dos caças não era prioritária porque “a Argentina estava em um continente que não há problemas de guerra”.

“Para os Estados Unidos, era bastante importante que a Argentina optasse pelos F-16 para que a China não conseguisse mais um contrato militar na região e Milei obviamente prefere fazer negócios com Washington”, destaca Serbin Point.

O analista explica que se Buenos Aires optasse pelos aviões chineses, seria um divisor de águas no intercâmbio militar entre Pequim e a América Latina. “Os aviões supersônicos são a espinha dorsal das Forças Aéreas, os outros contratos que a China possui na região não tem esta magnitude. Se a espinha dorsal da Força Aérea Argentina fosse um caça de fabricação chinesa, isso seria muito problemático para os EUA em termos geopolíticos e representaria um avanço na relação entre China e Argentina”.

Fabian Calle aponta que o governo Milei tem se aproximado dos EUA em questões de defesa, mas não fecha as portas para a China na política externa. O libertário despachou a chanceler argentina, Diana Mondino, para uma viagem a Pequim no final de abril. A chanceler se encontrou com o vice-presidente da China, Han Zheng, e celebrou os 52 anos de relações diplomáticas entre os dois países.

Malvinas

A compra dos F-16, o maior investimento militar argentino desde a redemocratização do país, também colocou a disputa pelas ilhas Malvinas em evidência. A Argentina reivindica o território que pertence ao Reino Unido e o tema é caro aos argentinos, principalmente por conta da Guerra das Malvinas, em 1982, que deixou 649 argentinos mortos.

Em uma cerimônia em homenagem aos mortos na Guerra das Malvinas no dia 2 de abril, Milei prometeu uma “reivindicação real e sincera das Malvinas” e disse que os argentinos precisam se reconciliar com as Forças Armadas. “Ninguém escuta ou respeita um país que só produz pobreza e cujos políticos desprezam as próprias Forças Armadas”, afirmou o presidente.

No dia 6 de maio, Milei voltou a falar sobre o tema e ressaltou que a disputa pelas Malvinas “pode durar décadas”. O presidente disse que deseja recuperar o território por meio de canais diplomáticos.

O presidente da Argentina, Javier Milei, participa de uma cerimônia em homenagem aos soldados argentinos mortos na Guerra das Malvinas, em 1982, em Buenos Aires, Argentina  Foto: Natacha Pisarenko/AP

Após a Guerra das Malvinas, o Reino Unido impôs um veto de armas a Argentina e precisa aprovar todas as vendas de aparato militar para Buenos Aires que tenham componentes britânicos. “Os caças F-16 não tem componentes que os britânicos poderiam vetar, eles teriam que pressionar os Estados Unidos para isso, mas não é do interesse de Londres fazer isso porque eles também querem frear a China ao lado de Washington”, aponta Serbin Pont.

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Neste momento, nas situações em que o veto britânico à Argentina é imposto, ocorre mais por falta de capacidade política do governo argentino do que preocupação do Reino Unido com a questão das Malvinas, segundo o analista. “Diversos componentes das Forças Armadas da Argentina são de fabricação britânica, então é preciso relativizar a questão do veto”.

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