BUENOS AIRES - Pelo menos 94 pessoas foram detidas na Argentina na terça-feira, 22, após episódios de saques a supermercados e comércios em diferentes pontos da grande Buenos Aires. Autoridades locais disseram que as ações foram incitadas pelas redes sociais, com o objetivo de provocar desestabilização. Em meio à corrida eleitoral pela presidência, candidatos trocam acusações sobre as responsabilidades
O Ministro da Segurança da Província de Buenos Aires, Sergio Berni, afirmou que na noite de ontem houve tentativas de roubo “de maneira coordenada” em centros comerciais dos subúrbios das cidades de Moreno, José C. Paz e Escobar. Um dos supermercados sofreu grandes estragos e os autores do ataque atearam fogo ao local, segundo imagens da televisão. Não há informações sobre feridos.
Inicialmente o governo havia apontado o número de 56 detidos, mas atualizou a informação nesta quarta-feira, 23. “Há 94 detidos hoje, neste momento, nas mãos da Justiça”, afirmou o governador de Buenos Aires, Axel Kicillof, em declarações à imprensa ao lado de Berni. Segundo ele, foram identificados ao menos 150 tentativas de saques.
“Não tenho dúvidas de que foi organizado”, afirmou Berni, em entrevista coletiva durante madrugada. “Depois de uma onda durante todo o dia incitando esses episódios de violência. Tem gente que tem a estupidez de pensar que quanto pior, melhor.”
As acusações foram reafirmadas por Kicillof hoje que disse que começaram a aparecer “imagens falsas” de “furtos em uma loja de eletrônicos e outra de roupas, inclusive com a intervenção de algumas figuras políticas”. Ele não especificou quem seriam essas figuras. “São fatos verificáveis que houve movimentação por redes sociais, grupos e redes oficiais de lideranças políticas falando sobre assuntos que não ocorreram”.
Por sua parte, o ministro da Segurança Nacional, Aníbal Fernández, defendeu a ideia de que os ataques não foram espontâneos, embora tenha realçado que o Executivo não dispõe de dados confiáveis sobre a autoria intelectual e anunciou a criação de um comando unificado para investigar os fatos.
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No fim de semana, houve episódios similares nas províncias de Córdoba, Mendoza e Neuquén. Muitos negócios dos bairros de Once e Flores, na capital, caracterizados por suas lojas de roupa a preços baixos, alteraram suas rotinas por temer saques. Prefeitos da grande Buenos Aires denunciaram ontem que circulavam mensagens e notícias falsas sobre saques.
Segundo as autoridades, a situação estava sob controle nesta quarta. A polícia, porém, continuava a patrulhar e helicópteros sobrevoavam os subúrbios da capital.
Corrida eleitoral
A Argentina está em meio a uma acirrada campanha eleitoral antes das eleições gerais de outubro, em meio a uma taxa de pobreza de 40% e uma onda de insatisfação crescente contra a classe política. A inflação ao consumidor está em 113,4%, na comparação anual, segundo o dado de julho, o que está correndo o poder de compra dos argentinos.
O tema da segurança, embora não seja o primeiro nas prioridades dos argentinos nessas eleições, ganhou certo destaque conforme episódios de violências aumentam e o narcotráfico ganha capilaridade. Candidatos que se definem como “linha-dura”, como a centro-direita Patricia Bullrich, ex-ministra de Segurança, e o libertário Javier Milei, ganharam destaque ao abordar o tema neste pleito.
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Mais cedo, a porta-voz da presidência, Gabriela Cerruti, afirmou que os episódios eram instigados por seguidores de Javier Milei, da coalizão A Liberdade Avança. Em um vídeo transmitido no TikTok, Cerruti descreveu esta série de ataques e roubos a empresas como uma “operação armada pelo grupo de Milei”, que “visa gerar desestabilização, gerar incerteza, ir contra a democracia”.
“Se houver criminosos, eles irão para a cadeia. E se houver desestabilizadores e golpistas, terão a resposta de toda a sociedade que os repudia”, publicou em sua conta na rede social X, antigo Twitter. Milei é um dos favoritos na disputa presidencial, após ficar à frente nas primárias ocorridas em 13 de agosto.
O candidato negou as acusações. “Embora a situação seja delicada, isso não dá aval para a violência. Se entendemos que uma Argentina distinta é impossível com os mesmo de sempre, grande parte da solução está próxima”, afirmou.
Já Bullrich, candidata da formação oposicionista Juntos pela Mudança, direcionou os seus ataques ao governo e publicou uma mensagem na mesma rede social em que sublinhava a “ausência” das autoridades nacionais, como o presidente, Alberto Fernández, e a vice-presidente, Cristina Kirchner, “diante de uma situação trágica ou desordenada”.
“É NECESSÁRIO ORDEM. As pessoas estão sozinhas e ninguém as protege”, escreveu. A candidata sugeriu que se o governo está perdendo o controle da segurança “deveria pedir um Estado de Sítio”.
Em um comunicado, a Câmara Argentina de Comércio e Serviços (CAC) condenou as “tentativas de saque”, que qualificou de “atos criminosos”. “A delicada situação econômica e social que a Argentina atravessa de forma alguma justifica a prática de atos criminosos, ainda mais quando a motivação de muitos deles não é a necessidade, mas a mera vocação para gerar medo e desordem”, afirmou.
Segundo a CAC, a Argentina “não pode ficar refém de pequenos grupos de desajustados que, escondendo-se atrás do genuíno mal-estar de amplas camadas da população, pretendem infringir a lei e causar o caos”.
Também nesta terça-feira, o chefe do Gabinete de Ministros e candidato a vice-presidente na candidatura de Sergio Massa, Agustín Rossi, afirmou que o Executivo tinha informações sobre possíveis episódios organizados por cidadãos desde sexta-feira. “Não vemos uma reação social, mas eventos que merecem todo o peso da lei para serem julgados”, disse Rossi à rádio La Red./AP e EFE
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