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Argentinos estranham calmaria pós eleição de Milei em meio à transição presidencial incerta

Presidente eleito da Argentina anunciou privatizações, primeiras viagens e nomes de gabinete com sinais positivos do mercado

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Foto do author Carolina Marins

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - Muito diferente das primárias, quando Javier Milei havia celebrado a sua primeira grande vitória nessas eleições, o dia seguinte ao segundo turno não teve um choque econômico e escassez de produtos. Após a vitória histórica do libertário em cima do peronista Sergio Massa com 11 pontos porcentuais de vantagem, não houve correria por mercadorias e por dólares.

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Nas primárias, a vitória de Milei provocou agitação no setor financeiro devido à incerteza que o libertário trazia consigo. O governo peronista também precisava fazer uma desvalorização da moeda, a pedido do Fundo Monetário Internacional, para liberar novos pacotes de dinheiro para o país. A medida, tomada por Massa no dia seguinte às PASO (Primárias, abertas, simultâneas e obrigatórias) forçou comerciantes a retirarem seus produtos das prateleiras até que os preços normalizassem.

Os argentinos então entraram no modo pânico, temendo uma desvalorização do peso argentino. O temor levou a uma corrida para comprar e guardar mantimentos, além de uma tentativa de gastar o dinheiro que ia valer menos no dia seguinte. Mas não foi o que aconteceu esta segunda-feira, 20.

Homem lê um jornal que noticia a vitória de Javier Milei, e Buenos Aires Foto: LUIS ROBAYO/AFP

Muito possivelmente por conta do feriado do Dia da Soberania, que fez deste um fim de semana longo no país, o clima era de calmaria. Fabricio Arrieta, 33, comentou que sentia ser quase palpável a calma daquele dia. “Honestamente, eu esperava gente com tochas na rua”, disse, acrescentando que isso talvez ainda aconteça na terça-feira, quando a vida normal será retomada. Mas mesmo com a expectativa do caos, ele se via satisfeito com o resultado. “Não dava pra esperar mudança elegendo sempre os mesmos”.

O famoso Obelisco de Buenos Aires, que na noite anterior foi palco da festa libertária pela vitória, era um dos locais mais movimentados nesta segunda por turistas que aproveitavam o dia de sol. Em bares e restaurantes, argentinos mantinham conversas apaixonadas, mas sem exaltações, sobres os resultados e a história política argentina.

“Hoje a Argentina ainda está despertando para o que significa ter um partido político sem trajetória, sem história anterior há dois anos, recordemos que só haviam se apresentado nas eleições legislativas de 2021 ganhando apenas dois deputados, fique com a presidência da Nação”, avalia o cientista político da Universidade de Buenos Aires (UBA) Facundo Galván.

“Mas me parece que os verdadeiros movimentos, impactos nas ruas e tudo isso, vamos ver a partir de terça. Vamos ver o que acontece com o dólar, o que acontece com os movimentos financeiros. Por agora há uma calma tensa, mas não sabemos o que está acontecendo ainda. Ainda estamos em um impasse desde os resultado até agora”, continua.

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Argentinos e turistas aproveitam o feriado prolongado após eleições presidenciais na Argentina Foto: Carolina Marins/Estadão

Agitação política

No meio político, o clima estava longe da calmaria. Além das primeiras definições em seu Gabinete e plano econômico, o novo presidente definia, no Libertador Hotel, onde Milei montou o seu QG desde o primeiro turno, os primeiros nomes a compor o seu gabinete: o advogado Mariano Cúneo Libarona para o Ministério da Justiça e Carolina Píparo como a nova chefe da ANSES, entidade que cuida da assistência social do país e esteve sob o guarda-chuva do La Cámpora, grupo de jovens de esquerda do kirchnerismo. Píparo foi a candidata libertária para o governo da província de Buenos Aires.

O nome mais esperado, porém, segue um mistério. Milei negou apontar agora um ministro para a Economia porque, segundo ele, servirá para ser bombardeado pelo atual governo até a transição. “Eu tinha planos de anunciar isso hoje, mas dada a canalhice do ministro Massa de nos culpar pelas decisões tomadas pelo atual governo, e o fato de que ele vai tirar licença, isso indica que eles vão bombardear o ministro da Economia antes de tomar posse. O cenário mudou para mim ontem à noite”, afirmou.

Ele também evitou dar pistas de quem poderia ser o futuro nome, mas fez elogios a nomes próximos de Maurício Macri e Patricia Bullrich. Os dois, inclusive, estiveram reunidos com o novo presidente já desde a noite da vitória, costurando possíveis cargos no Gabinete.

Outras medidas adiantadas pelo libertário são privatizações e viagens internacionais. Em entrevista a rádios argentinas, Milei confirmou uma promessa de campanha ao anunciar a privatização dos meios de comunicação públicos do país, entre eles: TV Pública, Télam e Rádio Nacional. “Consideramos que a TV Pública se tornou um mecanismo de propaganda”, disse em entrevista à rádio Mitre. Segundo ele, esses veículos teriam se transformado em propaganda peronista e parte da campanha de medo promovida contra ele na campanha.

Apoiadores de Javier Milei celebram sua vitória em frente ao bunker em 19 de novembro Foto: Matias Delacroix/AP

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Ele também confirmou a privatização da estatal de petróleo e gás YPF, que recentemente esteve no meio de uma crise de combustíveis no país. “Tudo o que pode estar nas mãos do setor privado, vai estar nas mãos do setor privado”, disse. Ele sugeriu que poderia privatizar também a Aerolíneas Argentinas. O presidente eleito, porém, não definiu uma data para as privatizações.

Após as declarações sobre privatizações, as ações da petrolífera argentina em Wall Street saltaram quase 40%, num dia de aumentos generalizados nas empresas argentinas. Os títulos soberanos também subiram, em um sinal claro do mercado financeiro de otimismo com os primeiros movimentos do novo presidente.

Segundo explicou o economista da Universidade Católica Argentina (UCA) Juan Carlos Rosiello, para conseguir avançar com seus planos de dolarizar a economia argentina, Milei terá de enviar sinais cada vez mais claros de que avançará de forma rápida com seus planos econômicos a fim de conquistar a confiança de investidores. “Investir na dolarização vai ser um ponto importante para gerar essa confiança nos investidores”, afirma.

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Mas existem dúvidas quanto ao futuro das medidas que prometeu hoje. A dúvida é se poderá de fato realizar essas privatizações, já que necessita do apoio do Congresso, onde não tem maioria. Neste sentido, as alianças que deve construir, especialmente com o partido Proposta Republicana (PRO) de Mauricio Macri serão essenciais. O União Cívica Radical, outro partido anti-peronista, já sinalizou disposição para dialogar.

“Ele terá que fazer coalizões com gente do radicalismo, do PRO e também do peronismo”, observa o cientista política UCA Fabian Calle. “Há um peronismo que vai estar em estado de comoção durante um bom tempo, e ele deve saber aproveitar isso”.

Outras medidas anunciadas pelo novo presidente são as primeiras viagens internacionais. Nesse sentido, o Brasil ficou de fora dos primeiros destinos, quebrando uma tradição de o presidente eleito da Argentina visitar primeiro Brasília e vice-versa. Em entrevista à mesma rádio, Milei anunciou que sua primeira viagem será aos Estados Unidos e depois Israel, destinos que deve visitar antes mesmo da posse em 10 de dezembro, em duas viagens de cunho “espiritual”, disse.

Sergio Massa reúne sua equipe econômica nesta segunda em meio a rumores de demissão Foto: Ministério da Economia da Argentina via AFP

Transição incerta

Mas a maior incerteza desta segunda-feira é com a transição presidencial. Logo após o seu discurso de domingo em que reconheceu a vitória, Massa deixou no ar um rumor de que poderia renunciar ao cargo de ministro, já que havia dito que os problemas seriam “responsabilidade” do governo eleito. Os rumores aumentaram nesta segunda de que ele poderia pedir uma licença, o que na prática seria uma demissão.

A decisão final foi postergada para depois da reunião que o atual presidente, Alberto Fernández, teria com Milei. Mas, após enormes expectativas durante toda a manhã, a reunião foi adiada para uma data indefinida.

De acordo com os jornais argentinos, citando fontes próximas de Milei, a reunião não se deu devido a discordância com os detalhes, como lugar, participantes e até se tiram fotos ou não. No fim, depois de Milei chamá-lo de “canalha” pela possibilidade de renúncia, Massa disse que se manteria no cargo até 10 de dezembro, quando Milei toma posse.

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