Apoio à Ucrânia em xeque, guerras no Oriente Médio, Trump: o que esperar no mundo em 2025

Governos eleitos na maratona de votações que marcaram o ano que está terminando serão testados a partir de janeiro por crises simultâneas

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Foto do author Jéssica Petrovna
Atualização:

É difícil prever o que está por vir. Especialmente, se o mundo está marcado por eventos que pareciam impensáveis até não muito tempo atrás. Donald Trump saiu do banco dos réus para voltar à Casa Branca, Israel trava uma guerra indireta com o Irã, enquanto a Rússia ameaça usar armas nucleares na Ucrânia, e eventos climáticos extremos são o “novo normal”. Nesse cenário, uma coisa parece certa para 2025: a persistência de crises em larga escala.

Nos Estados Unidos, Trump se cerca de aliados para avançar com a agenda “América Primeiro”. Seus planos incluem a deportação em massa de imigrantes; a imposição de tarifas com potencial para acirrar a disputa EUA-China; e o fim da guerra na Ucrânia, que poderia ser forçada a negociar com a Rússia em condições desfavoráveis.

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No Oriente Médio, operações israelenses enfraqueceram os comandos do Hamas e do Hezbollah. Os rebeldes sírios aproveitaram a guarda baixa dos aliados de Bashar Assad para tomar o poder e o momento é de reorganização das forças. Resta saber, para 2025, se a disputa entre Israel e Irã vai escalar da troca de provocações, até aqui calculadas, para o confronto direto, com ataques a instalações nucleares iranianas, no intuito de estabelecer a “nova ordem” defendida pelo governo Binyamin Netanyahu.

Na África, a insegurança provocada por extremistas deve aumentar a pressão sobre regimes militares no Sahel. Em paralelo, os protestos de uma juventude conectada e insatisfeita com as condições de vida, que começaram no Quênia, podem continuar a se expandir pelo continente. Já na América Latina, uma das grandes ameaças previstas para o próximo ano é o aumento da violência do crime organizado.

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Para entender o que nos espera, o Estadão compilou tendências para 2025 com base nas previsões e análises de risco. A conclusão é que os governos eleitos na maratona de votações que marcaram o ano que está terminando serão testados a partir de janeiro por crises simultâneas.

Levados ao poder por um eleitorado insatisfeito com aqueles que os precederam, esses novos líderes chegam a 2025 com cobranças para entregar as mudanças que prometeram em um mundo cada vez mais desafiador.

De volta à Casa Branca, Donald Trump se cerca de aliados leais para avançar com agenda "Make America Great Again". Foto: Evan Vucci/Associated Press

Incerteza nos EUA e disputa com a China

A vitória de Donald Trump reforça a onda antissistema. O Partido Republicano levou a Casa Branca, virou a maioria do Senado e manteve a da Câmara em eleições marcadas pela insatisfação dos americanos, em especial a classe trabalhadora da branca, com os preços que insistiam em não cair, apesar da recuperação econômica dos EUA.

De volta à Casa Branca, Trump deve atacar a burocracia e cortar impostos das grandes empresas para atrair investimentos. Ao mesmo tempo, promete impor tarifas sobre os produtos importados, principalmente da China — política de caráter protecionista, que pode impactar as cadeias produtivas e pressionar a inflação além de desencadear retaliações e acirrar a disputa entre Washington e Pequim.

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Em certo sentido, Trump 2 deve se assemelhar ao primeiro governo. A diferença, aponta a consultoria ControlRisks é que ele assume o cargo mais preparado para explorar a extensão dos poderes presidenciais. “Além disso, está cercado por um grupo mais focado, embora menos qualificado, de partidários dispostos a dobrar e quebrar normas para alcançar seus objetivos”, afirma o relatório.

Mas isso não significa que a agenda MAGA (Make America Great Again) avançará sem resistências e a tendência é que a política americana fique ainda mais polarizada. São esperados protestos contra a deportação em massa de imigrantes e a retomada de atos pró-palestinos. Isso porque o republicano deve manter o apoio a Israel, com menos reservas que Joe Biden.

Teste de alianças e possibilidade de negociações sobre a guerra na Ucrânia

Aliados e adversários dos Estados Unidos estarão de olho na política “America First”, que testa o quão firmes são os compromissos de Washington com outros países. Crítico dos gastos bilionários com a Ucrânia, Trump sugeriu que poderia acabar rapidamente com a guerra e ameaçou retirar os EUA da Otan, alarmando os seus parceiros europeus.

Mas foi para a Rússia que o republicano passou recado ao pedir por cessar-fogo imediato. “Zelenski e a Ucrânia gostariam de fazer um acordo e acabar com a loucura”, escreveu na sua rede, a Truth Social, depois de se reunir com os presidentes da Ucrânia, Volodmir Zelenski, e da França, Emmanuel Macron, em Paris. “Eu conheço bem Vladimir (Putin). Este é o momento de ele agir. A China pode ajudar. O mundo está esperando!”

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Com isso, Trump sinaliza alguns caminhos possíveis para a guerra na Ucrânia, aponta Augusto Teixeira, professor de Relações Internacionais (UFPB), coordenador do Grupo de Pesquisa em Estudos Estratégicos e Segurança Internacional (GEESI) e autor do livro “Geopolítica: do pensamento clássico aos conflitos contemporâneos”.

“No primeiro cenário, Trump cumpre a sua promessa e impõe a negociação. A Ucrânia de certa forma perde porque vai ter que ceder território e Putin, que está em corrida para conquistar território e melhorar a sua posição, será visto como vitorioso”, afirma. Essa seria a solução favorável para a Rússia.

“No cenário intermediário, Trump entende que a Rússia, por ter as melhores cartas na mão não vai querer negociar de forma intempestiva. E o próprio Trump, para não sinalizar fraqueza, poderia escalar o conflito para colocar a Ucrânia em melhor posição de barganha e então desescalar”, segue o analista, que não descarta a possibilidade de Trump mudar de ideia sobre o apoio a Kiev. “Nesse caso, ele dobraria a aposta para que a Ucrânia “vença” a guerra, dando tudo aquilo que os ucranianos pediram e o governo Biden não deu ou deu de forma tardia”.

Donald Trump deve pressionar por negociações, mas pode expandir apoio à Ucrânia, caso a Rússia se recuse a cooperar. Foto: Tyler Hicks/The New York Times

Sandro Teixeira Moita, professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), concorda que a “eleição de Trump não é um cheque em branco para conquista da Ucrânia por parte de Rússia”. Ele destaca que a nomeação de Keith Kellogg como enviado especial para Rússia e Ucrânia sinaliza que Trump poderia oferecer apoio “jamais visto” a Kiev, caso Moscou crie entraves para a saída negociada.

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Kellogg defendeu, em artigo publicado no começo do ano, que os EUA deveriam buscar o cessar-fogo. A ideia em linhas gerais é que os americanos deveriam condicionar o apoio à Ucrânia à participação nas conversas. Esse apoio, por outro lado, deveria ser intensificado, caso a recusa partisse da Rússia.

Nas previsões da Good Judgment, empresa que recruta especialistas na tentativa de antecipar grandes eventos, só 34% apostam que o cessar-fogo, com duração de pelo menos quatro semanas, será anunciado nos próximos meses.

Disputa entre Israel e Irã molda o Oriente Médio

No Oriente Médio, Donald Trump não se comprometeu com a solução de dois Estados para o conflito árabe-israelense e sinalizou apoio a Israel, embora expresse pouca disposição de se envolver em conflitos alheios. Binyamin Netanyahu celebra a volta do republicano, na expectativa que os apelos por contenção de Joe Biden deem lugar a posição mais agressiva contra Teerã. No primeiro governo, Trump ordenou o assassinato de Qasem Soleimani, comandante da elite da Guarda Revolucionária Iraniana, abandonou o acordo nuclear com Teerã e pressionou o regime com sanções ao petróleo.

“Embora Trump tenha um histórico de ser mais agressivo em relação ao Irã, ainda não está claro se o governo dos EUA apoiaria um ataque israelense às instalações nucleares do Irã”, aponta análise da consultora Crisis24, destacando que Teerã deve elevar os custos para os adversários que ameacem a sustentação do regime. Isso inclui o aumento significativo do apoio militar a aliados que estão diretamente envolvidos no confronto com Israel, travado em sete frentes.

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Sem cessar-fogo à vista, a guerra na Faixa Gaza continua e é improvável que o Exército de Israel se retire do enclave palestino agora que está em vantagem. Isso pode levar à radicalização de grupos extremistas, com riscos para estabilidade de outros países do Oriente Médio. Na Jordânia, o reino teme que facções alinhadas ao Irã se aproveitem do momento para atacar. No Iraque e na Síria, a tendência é que o Estado Islâmico se reorganize com a retirada de tropas americanas.

Crise humanitária coloca a Faixa de Gaza em alerta para propagação de doenças. Riscos à saúde pública se estendem além das zonas de conflito. Foto: Abdel Kareem Hana/Associated Press

Guerras simultâneas ameaçam a saúde pública

As guerras simultâneas trazem ainda ameaças para saúde pública. Agências da ONU tem alertado repetidamente para a propagação de doenças, como a hepatite e pólio, na Faixa de Gaza, onde o sistemas de tratamento de lixo e esgoto colapsaram, a escassez de água é crônica e programas de vacinação são afetadas pelos bombardeios constantes.

“Os efeitos dos conflitos sobre as instalações médicas e o fornecimento adequado de alimentos e água agravarão as ameaças à saúde e à propagação de doenças”, alerta Jonathon Keymer, diretor de inteligência da consultoria Crisis24 em entrevista por e-mail ao Estadão.

E os riscos não se limitam às zonas de guerra. “Estima-se que 1,8 bilhão de pessoas vivam atualmente em áreas afetadas por guerras. A disseminação de doenças entre essas populações, incluindo pessoas deslocadas que cruzam fronteiras, pode gerar impactos indiretos na saúde, longe das zonas de conflito, no próximo ano”.

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Disputa entre grupos criminosos tende a se expandir no México.  Foto: Isaac Guzman/AFP

Crime organizado: o desafio na América Latina

Enquanto isso, na América Latina, o crime organizado continua sendo um dos principais desafios. No México, a tendência é que a violência se espalhe por Estados com forte atuação do Cartel de Sinaloa, com a disputa por poder que teve início este ano após a prisão do líder Ismael “El Mayo” Zambada, nos EUA.

Enquanto grupos menores disputam o controle do Cartel de Sinaloa, o Jalisco Nova Geração, seu principal adversário, deve explorar a violência para fortalecer posições e se expandir. Em paralelo, as políticas de Donald Trump para o controle das fronteiras americanas devem criar oportunidades de lucro para facções criminosas que exploram imigrantes desesperados.

A escolha de Marco Rubio, como secretário de Estado — o primeiro latino a ocupar o cargo — sugere que a América Latina receberá mais atenção da Casa Branca, com foco no combate à imigração e ao crime, especialmente no que diz respeito às relações com México, América Central e Caribe.

Na América do Sul, o interesse do governo americano será a presença crescente da China, maior parceiro comercial dos países da região. “Esses países podem se sentir pressionados a tomar partido sabendo que os Estados Unidos são um parceiro histórico e culturalmente importante”, alerta o professor de Relações Internacionais da FGV Pedro Brites.

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Aumento da violência política e avanço do populismo

O avanço de grupos nacionalistas, a polarização e a radicalização política — impulsionada por discurso de ódio e desinformação nas redes sociais — tornam o cenário propício para o aumento da violência política em 2025. Esse risco é acentuado pela Inteligência Artificial, que pode ser usada para promover assédio e ameaças, alerta o relatório do Control Risks.

As tensões, alimentadas pela crise econômica e a imigração, abalam até mesmo democracias consolidadas na Europa, onde o populismo avança. Na Alemanha, as pesquisas indicam que o AfD, partido da extrema direita que tem laços com neonazistas, deve ficar em segundo lugar nas eleições gerais de fevereiro, antecipadas pelo colapso do governo Olaf Scholz.

Avanço do extremismo e protestos na África

Extremistas devem continuar avançando no Sahel, desestabilizado por uma sequência de golpes de Estado, aumentando a pressão sobre regimes militares, que tendem a ficar isolados com a retirada de Mali, Burkina Faso e Níger da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental em 2025. A região está na mira da Rússia, que expande a sua influência no vácuo deixado pelas potências Ocidentais, e pode avançar em suas ambições no continente.

Outro foco de tensão na África é a disputa entre a Etiópia e a Somália, que agora conta com o apoio do Egito. A Etiópia busca saída para o mar por meio de acordo com a Somalilândia — que se proclamou independente, mas é reconhecida como território da Somália. E o envolvimento egípcio contribui para o risco de escalada.

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Na África subsaariana, os protestos de uma juventude conectada e insatisfeita com as condições de vida podem se espalhar. As manifestações começaram no Quênia e chegaram a outros países como Uganda, Nigéria, Gana e Moçambique.

Retrocessos no combate às mudanças climáticas

Outro desafio no horizonte são as mudanças climáticas. Os eventos extremos estão cada vez mais frequentes, duradouros e devastadores, mas o combate à crise deve sofrer reveses com o retorno de Donald Trump. O republicano deve retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris — o compromisso de limitar o aquecimento global a 1,5ºC — como fez durante o primeiro mandato.

Trump deve ainda expandir a extração de petróleo, seguindo o slogan de campanha, “perfurar, baby, perfurar”. E pode tentar retirar os subsídios para energia limpa, parte do ambicioso plano de Joe Biden para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa, mas enfrentará resistências até mesmo dentro do Partido Republicano. Isso porque muitos Estados vermelhos têm sido beneficiados por políticas de transição energética.

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