THE WASHINGTON POST - À medida que as forças russas recuam no campo de batalha, a retórica de Vladimir Putin a respeito de usar armas nucleares escala. O presidente russo tem feito ameaças atômicas de crescente intensidade desde a primeira semana da guerra na Ucrânia — quando ele colocou seu arsenal em alerta elevado. Agora, ele ameaça usar armas nucleares para defender o território ucraniano que a Rússia anexou ilegalmente.
“Isto não é um blefe”, alertou ele ao Ocidente. “E aqueles que tentarem nos chantagear com armas nucleares deveriam saber que o cata-vento pode mudar e apontar para a sua direção.”
E se Putin não estiver mesmo blefando? Que tipo de ataques nucleares a Rússia, o país com o maior estoque de armas atômicas no planeta, tem capacidade de realizar? E que tipo de destruição esse armamento é capaz de espalhar pela Ucrânia e além?
“Armas nucleares são diferentes de qualquer outro tipo de armamento”, afirmou Joe Cirincione, especialista em armas atômicas e ex-presidente do Ploughshares Fund. “E falo apenas da explosão — sem mencionar os efeitos térmicos e as temperaturas produzidas.”
É muito improvável que a Rússia use suas armas nucleares mais poderosas para acertar as contas com Kiev; Moscou tende muito mais, concordam especialistas, a usar armamentos atômicos menores, na esperança de alcançar algum objetivo específico em batalha. Contudo, ponderam esses mesmos especialistas, uma vez que uma arma nuclear é acionada, é difícil controlar o que acontecerá depois.
Para Entender
“Quando começamos a falar de bombas atômicas, vale tudo”, afirmou Hans Kristensen, diretor do Projeto de Informação Nuclear da Federação de Cientistas Americanos. “Então não está claro aonde isso vai chegar.”
Quantas armas eles têm?
A primeira e mais básica dúvida a respeito do arsenal nuclear russo é: Quantas armas a Rússia possui? É uma pergunta difícil de responder.
Armas nucleares são comumente divididas em duas categorias: armas estratégicas — mísseis de maior alcance capazes de atravessar oceanos e ameaçar superpotências rivais — e armas táticas, de capacidade mais limitada e que, pode-se argumentar, poderiam servir a objetivos mais limitados.
Os Estados Unidos têm uma boa noção a respeito da quantidade de armas estratégicas dos russos porque Washington e Moscou são obrigados a relevar esses números sob os termos do tratado New START, o último pacto de controle de armamento nuclear ainda em vigor. Essa contagem de armas estratégicas divide-se entre ogivas carregáveis em mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs), mísseis balísticos disparados por submarinos (SLBMs) e bombas lançadas por aeronaves.
Quando se trata de armas táticas, a comunidade de inteligência dos EUA não consegue ir muito além da adivinhação, e diferentes agências possuem estimativas distintas. A aproximação com a qual todas concordam fica entre 1 mil e 2 mil armas táticas (que, deve ser notado, podem ser disparadas de lançadores terrestres, navios e aeronaves, mas não são instaladas previamente em projéteis ou dispositivos de detonação). Depois de um estudo cuidadoso, a Federação de Cientistas Americanos colocou sua estimativa em 1.912 — mas pondera que esse número pode incluir armas aposentadas ou desativadas.
Qual é o poder de destruição dessas armas?
O poder de uma arma nuclear é expresso enquanto potência, e essa potência é medida em força equivalente de TNT. O Departamento de Energia dos EUA estima que as bombas atômicas americanas detonadas em Hiroshima e Nagasaki tiveram potências de 15 e 21 quilotons, respectivamente — equivalentes, portanto à força de explosão de 15 mil e 21 mil toneladas de TNT.
As armas nucleares estratégicas modernas possuem potência enorme. As mais comuns, de 500 quilotons, 800 quilotons e até 1 megaton — o equivalente a 1 milhão de toneladas de TNT. A Rússia detém o recorde de detonar a bomba nuclear mais potente na história: em 1961, o país testou uma bomba de pelo menos 50 megatons, apelidada de “Czar Bomba” — a bomba suprema.
As armas nucleares táticas modernas normalmente têm potência de 10 a 100 quilotons, o que ainda as torna, em média, mais destrutivas do que as bombas de Hiroshima e Nagasaki. Rússia e EUA também possuem armas nucleares de “baixa potência”, de força “leve”, até mais baixa do que 1 quiloton. Mas mesmo a bomba nuclear menos potente — de 0,3 quiloton — tem aproximadamente a mesma força que a explosão de 2020 no porto de Beirute.
Quais armas nucleares a Rússia tende a usar?
A Rússia possui vários tipos de armas nucleares táticas. Algumas são projetadas para ser usadas pela Marinha, outras pela Força Aérea e outras pelo Exército, tanto em mísseis superfície-superfície de curto alcance quanto em defesas terra-ar. Sua potência varia em função do propósito, já que mais força é necessária, digamos, para penetrar um bunker subterrâneo do que para impedir um avião de guerra inimigo.
A Rússia possui estoques de diferentes tamanhos de todo esse armamento. Por exemplo, a Federação de Cientistas Americanos acredita que a Rússia tenha cerca de 500 armas nucleares táticas em sua Força Aérea, entre bombas de gravidade e mísseis ar-terra. Muitas dessas ogivas podem ser disparadas das aeronaves que vemos em missões de bombardeios convencionais na Ucrânia — entre elas, o bombardeiro Tu-22 “Backfire” que a Rússia usou para atacar a Ucrânia; e o caça Su-34 “Fullback”, a Ucrânia alegou ter derrubado um deles no mês passado. Mas especialistas não acham que os russos usarão necessariamente essas armas.
Um candidato muito mais provável é o sistema de mísseis 9K720 Iskander, classificado pela Otan como SS-26, um sistema terrestre de mísseis balísticos. Mas de acordo com Kristensen, da Federação de Cientistas Americanos, não há tantos sistemas desse tipo no arsenal russo — somente cerca de 100. Então por que o Iskander seria o sistema preferido de lançamento de ogivas nucleares?
“Simplesmente porque é o mais confiável e teria mais chance de atingir o alvo”, afirmou Kristensen. “Sem ser derrubado, sem falhar.”
Quanta destruição essas armas são capazes de causar?
A primeira métrica para se atentar ao estimar a capacidade de destruição de uma arma nuclear é sua potência. Se o número de quilotons é maior, a explosão será maior, mantidas inalteradas outras variáveis. Mas as outras variáveis não são constantes. O terreno pode ser um fator — se há colinas em torno do local da explosão, elas podem absorver parte da radiação emitida; se o alvo for subterrâneo, assim como a explosão, o solo é capaz de absorver parte do impacto; e a bomba ser detonada sobre a superfície ou pouco acima também pode surtir uma diferença enorme.
Também há o fator da radiação, da nuvem radioativa e da contaminação a longo prazo para se preocupar. Mas de acordo com Kristensen, há maneiras de evitar esse impacto se as pessoas no entorno da explosão se abrigarem apropriadamente, o que pode ser impossível em uma zona de guerra.
“Se você vai para o porão de sua casa e fica lá com o sistema de ventilação desligado por três ou quatro dias, o pico de radiação terá se dissipado depois disso, e você poderá pelo menos ficar ao ar livre”, afirmou ele. Mas ainda que as pessoas possam respirar mais aliviadas nesse ponto, elas terão de se certificar de que alimentos e água que forem consumir não estejam contaminados.
Haverá algum tipo de aviso?
A história e Hollywood incutiram no nosso imaginário cenas de líderes mundiais com os dedos coçando sobre um grande botão nuclear, a apenas um descuido ou um espirro de destruir o mundo com fogo atômico. Ainda que grandes armas estratégicas possam ser lançadas minutos depois da ordem ser transmitida, isso não vale para as armas nucleares táticas da Rússia.
Essas armas estão armazenadas em poucas instalações espalhadas pelo país, das quais têm de ser removidas e transportadas. Esse processo leva dias, de acordo com especialistas. E esses movimentos provavelmente seriam detectados pelos serviços de inteligência americanos e europeus.
Os espiões estarão atentos a elementos como mobilizações de unidades militares que não apresentam atividade normalmente; presença maior de forças estratégicas; e mais caminhões ou trens movimentando-se na direção da Ucrânia a partir de localidades nas quais as autoridades sabem que essas armas estão armazenadas. Nos dias recentes, relatos sobre vagões de trem blindados se movimentando na região central da Rússia causaram inquietação, e alguns se preocuparam em estar testemunhando o primeiro sinal de um ataque nuclear. Mas até aqui os especialistas seguem firmes.
“Interprete isso com enorme ceticismo, porque há todo tipo de razão para os sistemas de entrega estarem nesses vagões”, afirmou Kristensen, sublinhando que as agências de inteligência dos EUA estão notadamente caladas — o que não seria o caso se um ataque nuclear contra a Ucrânia fosse iminente. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
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