Se você sabe de antemão como os juízes vão votar com base no presidente que os nomeou, então qual é o sentido de ter uma corte que, em teoria, opera acima da política? Quando o juiz Antonin Scalia morreu, no início de 2016, tanto liberais como conservadores concordaram que o próximo juiz poderia transformar a vida americana por uma geração ou mais.
Donald Trump alertou que, se Hillary Clinton conseguisse fazer a nomeação, “o país se transformaria na Venezuela”. Hillary respondeu que um juiz indicado por Trump “ameaçaria o futuro do planeta”. As previsões partidárias ficarão ainda mais agourentas com as audiências sobre a indicação de Brett Kavanaugh para a sucessão de Anthony Kennedy na Suprema Corte. Um único assento no Judiciário não deveria ser tão temido. E pode não ser, se a Corte não estivesse tão disposta a se envolver em disputas que deveriam ser determinadas pelo processo político.
Podemos nos orgulhar de termos autogoverno, mas por décadas nós nos voltamos para a corte para chegar a um acordo sobre nossas questões sociais e políticas mais difíceis: aborto e casamento gay, financiamento de campanhas e controle de armas, até mesmo uma disputada eleição presidencial.
Quando os juízes governam da maneira que gostamos, nós os elogiamos por “interpretar” a Constituição. Quando eles não o fazem, reclamamos que eles estão “fazendo a lei” com base em suas predileções. O tribunal tornou-se apenas mais um prêmio político a ser conquistado pelo partido no poder, não o árbitro neutro que os fundadores dos EUA previram. “Precisamos de mais republicanos em 2018 e sempre devemos manter a Suprema Corte!”, tuitou o presidente meses atrás. Esse tipo de cinismo corrói qualquer legitimidade que tenha restado no tribunal.
O Supremo quer que acreditemos que é apenas um espectador, mas a realidade é que os juízes têm virtualmente controle total sobre quais casos eles ouvem. São muitas as vezes em que o tribunal entra na briga meramente porque pode. Tão ruim quanto isso, quando os juízes deveriam se envolver – para corrigir falhas estruturais no processo eleitoral ou para proteger os direitos das minorias – eles muitas vezes se esquivam de seus deveres.
A arrogância da corte enfraquece o Congresso. Os legisladores reconhecem que há pouco benefício em realizar seu trabalho se, no final, a corte vai resolver as questões difíceis de qualquer forma. É por isso que muitos reformadores e ativistas se concentram no tribunal. Quando os manifestantes se reúnem diante da Suprema Corte, eles certamente não se dão conta da ironia de estarem passando por trás do Capitólio, do outro lado da rua.
No passado, os presidentes não eram guiados apenas pelos programas acentuadamente partidarizados para a corte, em parte porque o tribunal não estava no redemoinho de tantas questões que causam divisões, como ocorre hoje. Sim, os juízes às vezes desapontavam os presidentes que os nomeavam. Mas agora, graças a um escrutínio mais crítico, os indicados atuam na banca da maneira esperada pelos presidentes que os escolheram.
Quando os votos em casos contenciosos podem ser previstos desde o início, a lei constitucional simplesmente se torna política partidária com outro nome. Se você costuma saber de antemão como os juízes votarão com base em qual presidente os indicou, qual é o sentido de ter um tribunal que, em teoria, opera acima da política?
Claro, o tribunal às vezes deve agir de forma decisiva para proteger direitos. Por definição, a Suprema Corte não eleita, e em grande parte livre de responsabilidade, serve como salvaguarda contra maiorias tirânicas. A garantia de liberdade de expressão da 1.ª Emenda prevê a proteção de opiniões ofensivas ou repulsivas. E poucos legisladores estão inclinados a defender os direitos dos suspeitos de crimes. É por isso que existem proibições constitucionais contra buscas não razoáveis e contra a autoincriminação. O papel do tribunal é reivindicar essas proteções impopulares.
A atual formação da Suprema Corte dos EUA
Houve uma época em que os liberais olharam para a Suprema Corte para garantir a justiça social, enquanto os conservadores abominavam o que eles chamavam de ativismo judicial. Agora que os conservadores estão prestes a garantir o domínio da corte, eles mal podem esperar que o tribunal consagre nova doutrina legal para alcançar vitórias que lhes escaparam nos ramos políticos ou, se necessário, para validar os sucessos obtidos, uma vez que a Casa Branca e o Congresso estão nas mãos dos republicanos.
A autopromoção da corte nas últimas décadas é o mais insidioso e destrutivo dos valores americanos no longo prazo. Com profunda desconfiança em nossos representantes eleitos, chegamos a acreditar que a democracia está abalada. Com muita frequência, esperávamos que os juízes fossem nossos salvadores. Mas, mesmo na era atual, precisamos exigir mais dos braços políticos de nosso governo. Nós não precisamos, nem deveríamos querer, que o tribunal nos salvasse de nós mesmos. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO
*É ESCRITOR E JORNALISTA
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