Julian Assange foi levado para fora da Embaixada do Equador em Londres, com os vídeos de sua prisão mostrando o que parece ser uma versão excêntrica de um Papai Noel sitiado. Ou, dependendo da sua perspectiva, um assaltante de um romance de Dickens, cansado e em má fase.
Ele pode ser as duas coisas, seja em sua mente ou nas de seus admiradores e detratores. O que vai importar no tribunal é se o fundador do WikiLeaks cometeu um crime. E isso deve ser levado em conta assim como o debate para se saber se ele é um jornalista e editor e, portanto, se estava agindo sobre proteção da Constituição dos EUA e a Primeira Emenda devem proteger (uma importante questão caso o governo americano consiga extraditá-lo com sucesso do Reino Unido, para enfrentar as acusações).
Uma batalha legal sobre a extradição de Assange para os EUA pode durar meses ou anos, mas o debate sobre se ele é um jornalista deve ser resolvido muito mais cedo.
Em um indiciamento formal que os procuradores federais revelaram logo depois da prisão de Assange, o governo dos EUA acusou Assange de ajudar a ex-analista do Exército, Chelsea Manning, a piratear ilegalmente “uma senha armazenada nos computadores do Departamento de Defesa dos EUA.” O WikiLeaks, rede global que distribui notícias vazadas, informações confidenciais e outros documentos secretos, publicou o material de Manning, a partir de 2010.
Para refrescar sua memória: a invasão de Manning trouxe vídeo de militares americanos em um helicóptero atingindo fatalmente a tiros 18 pessoas no solo, no Iraque, além de cerca de 250 mil telegramas indiscretos e sensíveis enviados para o Departamento de Estado, registros militares confidenciais enviados do Iraque e Afeganistão e documentos secretos relativos ao famigerado campo de detenção de Guantánamo. Todo este material enriqueceu a compreensão do público sobre os dois complexos e guerras trágicas. E abriu uma janela para a batalha do governo federal contra o terrorismo após o 11 de Setembro.
Como jornalista e cidadão, fico feliz que a informação tenha se tornado parte de uma discussão pública. Na medida em que Assange e WikiLeaks apenas receberam e distribuíram as informações que Manning roubou dos computadores do governo, acho que está tudo bem. Na medida em que Assange e o WikiLeaks treinaram ou ajudaram Manning no roubo, acredito que seja ruim. Eles participaram de um crime e deixaram de ser jornalistas. Posso até ter problemas em alguns lugares por dizer isso, mas jornalistas deixam de ser jornalistas quando ajudam alguém a armar um ato criminoso.
O WikiLeaks citou o advogado de Assange em um tuíte, descrevendo a prisão do australiano como “um esforço sem precedentes por parte dos EUA buscando a extradição de um jornalista estrangeiro para enfrentar acusação criminal por publicar informações verdadeiras.” Mas essa declaração não diz se Assange ajudou Manning a hackear o Departamento de Defesa. Assange, seu advogado e o WikiLeaks terão de enfrentar o problema e não apenas se abrigar na preservação do sigilo do jornalismo e da verdade.
As opiniões as respeito de Assange e do WikiLeaks estão em uma área cinzenta, claro, dependendo do lado para o qual você está torcendo. Os aplausos para os vazamentos de Manning deram lugar ao desgosto entre alguns fãs de Assange e do WikiLeaks pelo papel na publicação de e-mails que os hackers russos roubaram de servidores do Comitê Nacional Democrata durante a eleição presidencial de 2016 nos EUA.
Parte disso pode se tornar um caminho perigoso. Se as organizações de jornalismo deixarem abertas caixas de coleta para receber informações secreta, poderemos considerar que estão encorajando o crime, mesmo que não estejam ajudando ou sendo cúmplices? Acho que não, mas qualquer decisão em torno de Assange pode ser interpretada como meios que fazem com que o governo e outros opostos à liberdade de imprensa tornem-se mais agressivos dizendo que esmagar o jornalismo é do interesse público.
O próprio Assange é um mensageiro imperfeito e pouco inspirador. Ele pode certamente alegar ser um objeto de consciência, engajando-se em uma longa e honrosa tradição de desobediência civil. Ele pode ter atuado como publisher às vezes, disseminando informações de outros. Mas se ele se tornou um hacker e quebrou a lei não foi mais apenas um mensageiro, foi um criminoso. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO