Com o acirramento da tensão na Venezuela às vésperas da eleição presidencial no país e a declaração de Nicolás Maduro sobre um possível “banho de sangue” dependendo do resultado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que enviaria Celso Amorim, seu assessor especial para assuntos internacionais, para acompanhar o pleito. Essa decisão tardia e sem grande relevância evidencia o quanto a longa crise venezuelana representa uma oportunidade perdida para o Brasil exercer liderança regional e ampliar seu prestígio internacional.
Ao longo das últimas duas décadas, mas particularmente desde a morte de Hugo Chávez, em 2013, a Venezuela tem enfrentado crises políticas e econômicas profundas, exacerbadas por processos eleitorais controversos. A democracia do país desmoronou nos últimos anos sob Maduro, o que aumentou a violência no país e levou milhões de venezuelanos a fugirem. Esse contexto fez com que o país se consolidasse como a principal vitrine global para os problemas da América Latina, chamando atenção internacional.
A crise no país também foi por muito tempo uma oportunidade para o Brasil demonstrar a sua capacidade de liderança internacional. Como maior e mais poderoso país da América do Sul, havia uma expectativa por parte das grandes potências de que o governo brasileiro tivesse uma atuação intensa na busca por uma resolução para a situação da Venezuela.
Em entrevistas com a comunidade de política externa dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, ouvi repetidas vezes que liderar os esforços internacionais para solucionar a crise na Venezuela era um passo importante para que o Brasil aumentasse seu status global – o que nunca aconteceu de fato.
Historicamente, o Brasil tem tentado se posicionar como um moderador na América Latina, promovendo a integração regional e a resolução pacífica de conflitos. No entanto, sua resposta à crise venezuelana tem sido inconsistente e, em muitos casos, limitada a declarações diplomáticas vagas e sem ações concretas. Essa postura contrasta com a expectativa internacional de que o Brasil, como uma potência emergente, assuma um papel mais ativo na promoção da democracia e da estabilidade regional.
Nos últimos anos, essa falta de ação tomou duas formas diferentes. Sob Jair Bolsonaro, o Brasil rompeu relações com o país e se rejeitou a reconhecer a legitimidade do governo de Maduro, o que não ajudou a resolver o problema. Com a volta de Lula ao poder, por outro lado, as relações foram retomadas, mas o presidente brasileiro passou a defender o venezuelano e a ideia de que há democracia no país, apesar da escalada autoritária dos últimos anos. Nenhuma das duas posturas ajudou a promover a estabilização da Venezuela e o fortalecimento da sua democracia.
Por mais que nos últimos dias Lula tenha adotado um tom mais duro, criticando as declarações de Maduro sobre violência política e defendendo que o venezuelano aceite uma possível derrota, a mudança não chega a ter efeito real sobre o que acontecerá nas eleições. Da mesma forma, é difícil imaginar que a presença de Amorim em Caracas vá ter algum efeito para garantir a lisura da votação e o reconhecimento de um resultado contra o regime.
Ao não liderar um movimento internacional para ajudar a resolver a crise na Venezuela, o Brasil deixou um vácuo que outras potências, como os Estados Unidos, a Rússia e a China, têm tentado preencher. Isso ficou evidente quando o Brasil não teve protagonismo nas discussões sobre a ameaça venezuelana de invadir o território da Guiana. A falta de ação reduz a capacidade do Brasil de moldar o futuro político da região conforme seus interesses e limita a capacidade de usar a liderança regional para construir um papel global mais relevante.
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A liderança em um esforço multinacional para restaurar a democracia na Venezuela poderia ter elevado o status do Brasil em fóruns internacionais, fortalecendo sua candidatura a assentos em órgãos como o Conselho de Segurança da ONU e promovendo uma imagem de defensor dos direitos humanos e da democracia.
O Brasil não só perdeu a chance de influenciar positivamente o futuro político da Venezuela, como também comprometeu sua posição como potencial líder regional. Sem esse passo inicial, as possibilidades de construção de um papel de maior prestígio internacional ficam ainda mais limitadas, e o país continuará muito mais tempo sem ter uma voz forte na política mundial.
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