The Economist: As promessas horríveis de Trump sobre imigração podem funcionar?

Caminho que novo presidente dos EUA escolher não apenas dirá algo sobre sua gestão, como também poderá causar reverberações em muitos outros países ricos com problemas políticos sobre imigração

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Por The Economist
Atualização:

Nada confunde mais a mente das pessoas do que uma entrevista coletiva de Trump. Em 7 de janeiro, em seu palácio de inverno, na Flórida, o presidente eleito refletiu sobre anexar o Canadá, a Groenlândia e o Canal do Panamá — e também sobre atacar turbinas eólicas na costa por supostamente matarem baleias. Foi uma mistura entre livre associação, provocações alegres e intenções sérias de mudar o mundo.

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Algo menos notado em 7 de janeiro foi que a Câmara dos Deputados aprovou a Lei Laken Riley, que facilita a deportação de imigrantes não autorizados em razão de crimes menores, como furtos em lojas. Imigração é o tema que o próximo governo provavelmente escolherá para direcionar seus primeiros esforços depois da posse, em 20 de janeiro. E aqui, também, Donald Trump promete a mesma mistura desconcertante. Imigração ilegal é um problema que se presta a políticas selvagens, destrutivas e que agradam multidões ao mesmo tempo que apresenta oportunidades para uma reforma benéfica. O caminho que Trump escolher não apenas dirá algo sobre sua presidência, também poderá causar reverberações em muitos outros países ricos com problemas políticos sobre imigração.

Sob o presidente Joe Biden, o caos irrompeu na fronteira, pelo menos por um tempo. Prejudicando a si próprios na eleição, muitos democratas responderam culpando os eleitores por estarem irritados com isso. Nos números mais recentes, o Escritório do Censo registra um aumento de 2,8 milhões de imigrantes em 2023. A parcela de residentes nos Estados Unidos nascidos no exterior tem aumentado desde 1885, quando Frederick Trump deixou a Alemanha em direção a Nova York e atualmente é a maior em um século. Embora receba bem os imigrantes legais e o país seja competente em assimilá-los, a maioria dos americanos se ressente quando imigrantes pedem asilo e então desaparecem em um mercado de trabalho paralelo enquanto aguardam a audiência judicial.

Migrantes se entregam aos agentes da Alfândega e da Patrulha de Fronteira dos EUA após cruzarem muro da fronteira para os EUA. Foto: Brandon Bell /Getty Images via AFP

Trump assume o cargo com autoridade para incrementar os controles. Na campanha, ele ampliou a abominável retórica que marcou seu primeiro mandato falando sobre imigrantes “envenenando o sangue” dos EUA. O contraste em relação àquele primeiro mandato, quando na realidade menos pessoas foram deportadas do que sob Barack Obama, é que desta vez Trump parece querer que o foco sobre imigração seja verdadeiro. Seu subchefe de gabinete é Stephen Miller, que anseia por restringir a imigração legal e ilegal. Seu czar da fronteira é Tom Homan, um dos inventores da política de separação de famílias no primeiro mandato. E Trump ameaça mobilizar a Guarda Nacional para ajudar nas deportações, um campo em que presidentes anteriores usaram soldados apenas para dar apoio logístico.

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Trump não conseguirá levar a cabo sua ameaça de deportar 15 milhões de pessoas. Mandar embora um número tão grande de gente seria extraordinariamente caro e provocaria um choque no mercado de trabalho, aumentando os preços de bens e serviços que os imigrantes ilegais ajudam a fornecer. Pesquisas sugerem que as deportações sob Obama fizeram diminuir o ritmo da construção de residências ao expulsar muitos trabalhadores do setor. E expulsões em massa seriam impopulares, porque mais da metade dos imigrantes irregulares está nos EUA há mais de uma década, tem empregos e famílias e frequentemente vive em Estados democratas, que não cooperarão.

Em vez disso, Trump provavelmente buscará uma política mais prática. A tentação será empurrar o problema para o México. Ao deportar pessoas, um grande obstáculo é encontrar governos que as aceitem. Trump poderá, portanto, simplesmente mandar de volta quem que entra pela fronteira sul ameaçando o México com tarifas se o governo mexicano não permitir seu retorno. No entanto, não é do interesse de longo prazo dos EUA desestabilizar seu vizinho mais pobre ao sul. A presidente do México, Claudia Sheinbaum, reconhece que ajudar os EUA com a fiscalização da imigração é uma carta que vale muito em qualquer negociação com o governo Trump e sinalizou disposição para ajudar. O presidente eleito deveria buscar um meio-termo com a líder mexicana.

Outra tentação será colocar foco na crueldade teatral como um substituto para a ação real. Devemos esperar operações policiais em locais de trabalho com agentes acompanhados de equipes de filmagem, detenções severas em Estados fronteiriços e agentes do Serviço de Imigração e Controle de Aduanas surgindo em cidades consideradas seguras. Da mesma forma que no plano do Partido Conservador de terceirizar para Ruanda o sistema de concessão de asilo do Reino Unido, o objetivo é, em parte, dissuadir possíveis imigrantes. E também convencer os eleitores de que o governo fala sério.

A crueldade, por si só, é errada. Negar aos imigrantes sua humanidade brutaliza os valores americanos. E também pode se mostrar impopular. No primeiro mandato de Trump, os americanos reagiram contra a separação de famílias e o confinamento de crianças; o apoio à imigração aumentou. Assim que Biden assumiu o cargo, o apoio à imigração caiu. Essa dinâmica cria espaço para Trump operar algo menos severo e mais duradouro.

O primeiro passo é reforçar a fronteira. Trump tem sorte porque as travessias irregulares já caíram drasticamente desde o pico em 2022, depois que o governo Biden fez acordos com o México e outros países latino-americanos para ajudar a conter o fluxo. Trump pode se valer da situação enviando agentes de imigração para a fronteira para tomar decisões rápidas sobre quais reivindicações são válidas. Ele também pode obrigar os solicitantes de asilo a permanecer no México até que seus processos sejam decididos, como em seu primeiro mandato. O passo seguinte é concentrar as deportações em criminosos, conforme seu chefe de gabinete sugeriu que ele fará.

Isso poderia criar consentimento para um terceiro passo óbvio há muito, mas politicamente inalcançável. Tanto como uma questão prática quanto como exercício de justiça, os EUA não podem deportar todos os imigrantes ilegais. Não fazer nada significa que cerca de 11 milhões de pessoas passarão a vida inteira nos EUA sem jamais adquirir o direito de viver lá. Mas se os fluxos de imigração não estiverem sob controle a anistia para os imigrantes que já estão nos EUA poderia atrair outra onda de pessoas tentando entrar ilegalmente. A única solução é um acordo que combine uma aplicação eficaz da lei na fronteira com o direito de permanência para imigrantes cumpridores da lei.

O acordo do século

Esse compromisso é possível. Nenhum político republicano é capaz de criticar Trump em relação a imigração, e o alarde entre os democratas o ajuda a parecer durão. É provável que ele queira manter a imigração como uma questão polarizadora, arrumar brigas com governadores e prefeitos democratas e deixar as coisas, em geral, como as encontrar. Mas as condições para fazer um acordo que os últimos cinco presidentes não conseguiram estão lá — se ele quiser./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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