As tristes anedotas de George Santos; leia o artigo de David Brooks

Deputado trumpista filho de brasileiros mentiu sobre o currículo escolar e trabalhos durante campanha para o Congresso dos EUA

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Por David Brooks
Atualização:

Como será ficar tão envergonhado de sua própria vida a ponto de se sentir compelido a inventar uma vida nova?

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A maioria das pessoas não se sente compelida a fazê-lo. A maioria de nós pega os eventos verdadeiros de nossas vidas, incluindo fracassos e fragilidades, e constrói narrativas coerentes sobre quem somos. Essas narrativas autobiográficas são constantemente atualizadas conforme o tempo passa — e evidentemente tendem a ser, ao menos modestamente, autolisonjeiras. Mas para a maioria de nós, a narrativa de vida que contamos tanto para o mundo quanto para nós mesmos nos dá uma sensação estável de identidade; nos ajuda a tomar nossas decisões mais importantes. Conforme observou certa vez o filósofo Alasdair MacIntyre, você não pode saber o que fazer se não sabe de que história você faz parte.

Uma narrativa autobiográfica razoavelmente acurada e coerente é uma das coisas mais importantes que uma pessoa pode ter. Se você não tem uma história real, não tem um ser real.


Deputado trumpista filho de brasileiros, George Santos discursa em evento em Las Vegas após vencer eleições de meio de mandato  Foto: John Locher / AP

George Santos, por outro lado, é um homem jovem que aparentemente se sentiu compelido a descartar grande parte de sua vida real e substituir por fantasia. Conforme Grace Ashford e Michael Gold, do Times, têm noticiado, em sua bem-sucedida campanha para o Congresso, neste ano, ele afirmou ter um grau universitário que não tem; afirmou que teve empregos que não teve; e afirmou ser proprietário de imóveis que aparentemente não são seus. Ele afirma que nunca cometeu fraude com cheques, mas o Times revelou registros judiciais sugerindo que cometeu. Ele afirma que nunca se descreveu como judeu, apenas como adjacentemente “ju-deu”. Autodescrito como um homem gay, ele escondeu um casamento heterossexual de anos que acabou em 2019.

Todos os políticos — talvez todos os seres humanos — se adornam. Mas o que Santos fez vai além disso. Ele fabricou uma nova personalidade, de um super-homem da meritocracia. Ele afirma ser um populista que odeia as elites, mas quis que você pensasse que ele já trabalhou para o Goldman Sachs. Imagine o quão inadequado você precisaria se sentir para se dar a todo esse trabalho.

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Eu não consigo sentir muita raiva de Santos por sua falsidade, sinto apenas um pouco de pena. Extirpar a si mesmo em tamanha medida da verdade fundamental desestabiliza toda sua vida. Santos tornou seu próprio passado indigno de confiança, perpetuamente à venda. Mas quando você faz isso, também elimina qualquer visão coerente para seu futuro. As pessoas podem se perguntar como Santos pôde ter sido tão burro. Na vida política, suas fabricações estavam fadadas a ser descobertas. Talvez isso ocorra porque pessoas dissimuladas com frequência tenham problemas em antecipar o futuro; elas ficam empacadas no agora.

Em certo sentido, Santos é uma versão triste e cômica do lugar para onde Donald Trump levou o Partido Republicano: uma terra de irrealidade, o continente das mentiras. A tomada do Partido Republicano por Trump não foi primeiramente uma conquista ideológica, foi psicológica e moral. Não sinto pena de Trump da mesma maneira que sinto pena de Santos porque Trump é cruel demais. Mas ele introduziu, em uma escala muito maior, a mesma nota patética na nossa psicologia nacional.

Em seu livro “The Strange Case of Donald J. Trump” (O estranho caso de Donald J. Trump), o eminente psicólogo da personalidade Dan McAdams argumenta que Trump seria capaz de mentir continuamente para si mesmo porque não tem senso real de si mesmo. Não existe nenhuma pessoa real, vida interior ou narrativa autobiográfica para trair. McAdams cita pessoas que foram próximas a Trump que relataram que estar com ele não era como estar com uma pessoa convencional, era como estar com uma entidade que estava desempenhando o papel de Donald Trump. E o papel não tinha nenhum senso de continuidade. Ele mergulhava completamente em qualquer batalha de dominância que estivesse travando naquele momento.

McAdams qualifica Trump como um “homem episódico”, que experimenta a vida como uma série de momentos desconexos, não como um fluxo de consciência com narrativa coerente. “Ele não considera o que poderá estar adiante, pelo menos não muito adiante”, escreve McAdams. “Trump não é introspectivo, retrospectivo nem prospectivo. Não há profundidade; não há passado; não há futuro.”

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Os Estados Unidos sempre tiveram impostores e pessoas que reinventaram seus passados. (Se fosse real, Jay Gatsby poderia ter vivido — estimativas das localizações precisas dos ficcionais East e West Egg variam — no distrito que agora é de Santos.) Esta sensação é diferente. Imagino se a era dos déficits de atenção e dos avatares online está criando um novo tipo de caráter: a pessoa que não experimenta a vida como um acúmulo ao longo de décadas, mas como uma série de apresentações desconexas no aqui-agora, com eco de vazio interno.

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Nesta semana, Santos tentou algum controle de dano em entrevistas, incluindo na rádio WABC, em Nova York. A conversa teve um ar de irrealidade. Santos estava incoerente, evasivo e aleatório, reajustando suas narrativas de maneira vaga e fluida. O apresentador, John Catsimatidis, não o questionou da maneira que um jornalista faria. Ele praticamente dava dicas para Santos sobre o que dizer. A perturbadora dúvida a respeito de integridade pessoal não esteve no radar de ninguém. E então a conversa chegou a um crescendo tomwolfeiano quando o ex-congressista Anthony Weiner apareceu de repente — e acabou se mostrando o único entrevistador semicompetente no recinto.

Karl Marx afirmou famosamente que sob a influência do capitalismo tudo que é sólido desmancha no ar. Imagino se algum elixir da influência trumpista e a modernidade online poderão surtir o mesmo efeito sobre personalidades de indivíduos. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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