WASHINGTON - A China é um ator “predatório”, que oferece à América Latina um modelo de desenvolvimento que pode levar à “dependência e ao endividamento”. Foi com essas críticas que o secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, iniciou nesta quinta-feira, dia 1º, seu tour de seis dias por países da região, palco de uma nova disputa geopolítica. “A América Latina não precisa de novos poderes imperiais”, disse.
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As declarações foram dadas horas antes do início da viagem, que não inclui o Brasil. Na agenda, uma das prioridades será a Venezuela. Poucas horas antes de embarcar, Tillerson levantou a possibilidade de um golpe militar para pôr fim à crise venezuelana e garantir uma “transição pacífica” de poder.
“Na história da Venezuela e de outros países da América Latina, com frequência são os militares que cuidam disso. Quando as coisas estão tão ruins que a liderança militar conclui que não pode mais servir aos cidadãos, eles devem administrar uma transição pacífica”, declarou durante apresentação da estratégia dos EUA para a região. “Se isso será ou não o caso aqui, eu não sei.”
A América Latina foi marcada por ditaduras militares nos anos 60 e 70, mas desde a redemocratização da década de 80 o Exército foi subordinado ao poder civil na maioria dos países, que passaram a ter transições de poder por meio de eleições.
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Tillerson disse que os EUA não defendem uma mudança de regime na Venezuela e ressaltou que gostaria de ver Nicolás Maduro deixar o poder de maneira voluntária. Segundo ele, Washington quer o retorno à Constituição e a realização de eleições livres. “Se ele não for reeleito, que assim seja. Se a cozinha ficar quente demais para ele, tenho certeza que seus bons amigos em Cuba podem dar-lhe uma boa hacienda na praia e ele poderá ter uma boa vida por lá.”
Em sua primeira visita à América Latina, o chefe da diplomacia dos EUA passará por México, Argentina, Peru, Colômbia e Jamaica. Fontes ouvidas pelo Estado disseram que o Brasil não foi incluído em razão da crise política e da ausência de uma agenda bilateral que pudesse produzir resultados concretos.
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“O Brasil está em uma fase de transição, com um governo fraco e impopular, cuja legitimidade é questionada”, disse Michael Camilleri, diretor do programa de Estado de Direito do Inter-American Dialogue, que trabalhou no Departamento de Estado de 2012 a 2017. “Até que as coisas se assentem, não há muito o que fazer no Brasil.”
Em conferência telefônica com analistas, uma fonte da diplomacia americana também disse que os EUA deram prioridade a países que estão aprovando reformas, como a Argentina. Quando visitou a região no ano passado, o vice-presidente Mike Pence também excluiu o Brasil do roteiro.
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As declarações de Tillerson em relação à China representam uma mudança radical da retórica dos EUA em relação à crescente influência do país na região. “A China está usando instrumentos de governo para puxar a região para a sua órbita”, afirmou, fazendo referência à ação de estatais e a empréstimos. “A questão é a que preço?”
Valores americanos. O governo Barack Obama defendia respeito a leis ambientais, trabalhistas e aos direitos humanos, mas dizia que a China teve impacto positivo na América Latina por ter estimulado o crescimento com sua demanda por matérias-primas. Tillerson contrapôs a estratégia da China à dos EUA. “Enquanto esse comércio trouxe benefícios, as práticas comerciais desleais usadas por muitos chineses também prejudicaram esses países e seus setores industriais, criando desemprego e reduzindo salários”, ressaltou. “Nós buscamos parceiros com valores compartilhados e visões para criar um hemisfério seguro e próspero.”
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