Ataque direto do Irã a Israel é improvável, mas regime pode retaliar via Hezbollah, dizem analistas

Teerã não deve atacar diretamente Israel por temer resposta israelense e escalada regional do conflito, mas deve usar os grupos que apoia no Oriente Médio para atacar Tel-Aviv

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Foto do author Daniel Gateno

Israel está em alerta com uma possível escalada nas tensões com o Irã nesta sexta-feira, 12. Segundo veículos americanos, Tel-Aviv se prepara para um ataque iraniano que poderia levar o Oriente Médio a uma guerra aberta. Analistas entrevistados pelo Estadão apontam que um ataque direto do território iraniano para o israelense é improvável, mas que Teerã pode acionar um dos grupos que apoia na região como a milícia xiita radical Hezbollah para realizar um ataque.

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“O Irã deve usar um dos grupos que apoia para atacar porque se fizer isso pode negar a autoria do ataque”, opina o professor de relações internacionais da ESPM-SP, Gunther Rudzit. O padrão iraniano é usar os grupos que apoia como Hezbollah, Houthis e o grupo terrorista Hamas, além de grupelhos xiitas na Síria e no Iraque, como instrumento para buscar seus objetivos na região, segundo o especialista.

De acordo com a emissora americana CBS, o plano de ataque iraniano poderia incluir o uso de 100 drones e dezenas de mísseis com o intuito de atingir alvos militares israelenses dentro do país Já o The Wall Street Journal aponta que a Guarda Revolucionária do Irã forneceu diversas opções de ataque ao líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei.

Há indícios, no entanto, de que o país persa ainda não tomou uma decisão final. Teerã teme que uma possível retaliação israelense poderia prejudicar sua infraestrutura.

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O líder do supremo do Irã, o Aiatolá Ali Khamenei, reza em uma mesquita em Teerã, Irã  Foto: Escritório do líder supremo do Irã / AP

“Os iranianos sabem que, se atacarem diretamente, Israel vai revidar com um ataque em seu território. Neste caso, viraria uma guerra entre Estados, diferente do que está acontecendo agora entre Israel e o grupo terrorista Hamas”, avalia Vitelio Brustolin, professor de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da Universidade de Harvard.

O ataque iraniano seria uma resposta a um bombardeio aéreo que atingiu a embaixada do Irã em Damasco, capital da Síria, no dia 1 de abril. O ataque matou sete pessoas, incluindo dois generais da Guarda Revolucionária do Irã. Teerã culpa Tel-Aviv, que não assumiu a autoria.

Em um discurso na quarta-feira, 10, durante uma celebração do Eid al-Fitr, o feriado que encerra o mês sagrado do Ramadã, o aiatolá Khamenei, ressaltou que quando o ataque israelense atingiu uma embaixada iraniana, o território do país persa foi atacado. O chanceler israelense, Israel Katz, respondeu à provocação e afirmou que caso o país fosse atacado pelo Irã iria responder com um ataque em solo iraniano.

Rudzit avalia que não existe a possibilidade de o Irã não retaliar e Teerã poderia “dar o troco” com um ataque a uma embaixada ou consulado israelense. Tel-Aviv colocou todas as suas embaixadas em alerta para um possível ataque iraniano.

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O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, visita uma base aérea em Rehovot, Israel  Foto: Kobi Gideon /EFE

Hezbollah

Dentre os grupos do eixo de influência do Irã, a milícia xiita radical Hezbollah é o grupo mais bem equipado para realizar um ataque de maior escala contra Israel. “Hamas e Jihad Islâmica estão dentro da Faixa de Gaza, os Houthis estão muito longe e o Hezbollah tem uma estrutura militar bem maior”, destaca Brustolin.

O Hezbollah teve grande influência do Irã em sua criação. Teerã explorou o caos da guerra civil do Líbano e especialmente a invasão israelense do Líbano em 1982 para semear as forças que amadureceram o Hezbollah. O grupo radical islâmico já se envolveu em duas guerras com Israel, em 1982 e também em 2006.

Apesar de o Hezbollah ter um arsenal superior ao Hamas e ter a capacidade de realizar estragos na infraestrutura israelense, Tel-Aviv está bem equipada com fortes defesas antiaéreas, segundo o professor de relações internacionais da ESPM.

Possível nova Guerra Fria

Mesmo avaliando que um ataque direto do Irã a Israel é improvável, o pesquisador da Universidade de Harvard acredita que retaliação desta magnitude poderia mudar o patamar da guerra.

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“É um cenário de segunda guerra fria”, aponta Brustolin, que relembra a relação próxima do Irã com Rússia e China. Teerã tem fornecido drones a Moscou em sua guerra contra a Ucrânia. O professor de relações internacionais da UFF destaca que Israel tem ogivas nucleares, apesar de o país não admitir isso, e uma ameaça existencial ao território israelense poderia levar Tel-Aviv a acionar este arsenal.

Com medo de um cenário mais drástico, os Estados Unidos pediram para que a China use a sua influência com Teerã para evitar uma guerra regional no Oriente Médio. O chanceler da China, Wang Yi, conversou por telefone com o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, e afirmou que deseja que Washington assuma “um papel construtivo” no Oriente Médio.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, cumprimenta o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Tel-Aviv  Foto: Brendan Smialowski/AFP

Os Estados Unidos ressaltaram que defenderiam Israel em caso de um ataque iraniano direto. “O presidente Joe Biden vai ter que defender Israel. Ele já perdeu boa parte do eleitorado pró-israel, mas em uma situação dessa, para não ser chamado de fraco por Donald Trump, ele precisaria mostrar força”, opina Rudzit.

O papel da China

Pequim poderia usar este momento para exercer seu poder de mediação. A China foi responsável por costurar um acordo que reatou as relações diplomáticas entre Irã e Arábia Saudita em março do ano passado.

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“Neste momento é ressaltado o papel da China. Os EUA pediram que a China contribuísse para uma redução das tensões entre Israel e o Irã, o país pode ajudar de novo como fez em relação a Arábia Saudita e Irã”, avalia Brustolin.

O professor de relações internacionais da ESPM pondera que um conflito mais abrangente entre Irã e Israel seria ruim para o país asiático porque a produção de petróleo do Irã seria afetada. “O mundo sofreria muito porque o Irã é um grande fornecedor de petróleo no mundo. Não é do interesse chinês que ocorra um aumento nos preços”.

Netanyahu beneficiado politicamente

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O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, seria beneficiado por uma escalada dos conflitos no Oriente Médio. Impopular perante a sociedade israelense e com uma relação cada vez mais azeda com Biden, Netanyahu usaria um aumento nas tensões para se perpetuar no poder, segundo Rudzit.

Biden subiu o tom contra Netanyahu após a morte de sete trabalhadores humanitários da World Central Kitchen no dia 1 de abril em um bombardeio israelense. Durante uma ligação na semana passada descrita como “longa e tensa” o presidente americano expressou sua frustração com o assassinato dos funcionários da ONG pelas forças militares israelenses e ressaltou a necessidade do envio de mais ajuda humanitária a Gaza.

Mas quando se trata de uma ameaça iraniana, os dois países estão unidos. O principal comandante militar americano para o Oriente Médio, general Michael Kurilla, viajou a Israel nesta sexta-feira para coordenar uma resposta a uma possível retaliação iraniana, disseram autoridades dos EUA. “Nossos inimigos pensam que dividirão Israel e os Estados Unidos”, disse o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, em comunicado, após se reunir com o general Kurilla. “Eles estão nos conectando e fortalecendo o relacionamento entre nós.” Se o Irã atacar, acrescentou, “saberemos como responder”.

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