Ataques da Rússia a civis em Mariupol são ‘crimes de guerra’, diz relatório

Relatório da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) conclui que ataques a maternidade e a teatro que servia de abrigos em Mariupol são ‘desumanidades’

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Por Adela Suliman e Bryan Pietsch, The Washington Post
Atualização:

A Rússia infringiu o direito internacional humanitário ao atacar deliberadamente civis durante a invasão da Ucrânia, e os que ordenaram ataques a uma maternidade e teatro que se abrigaram na cidade sitiada de Mariupol cometeram crimes de guerra, determinaram especialistas da Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) em um relatório publicado nesta quarta-feira, 13.

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O órgão de segurança com sede em Viena acusou a Rússia de visar amplamente hospitais, escolas, prédios residenciais e instalações de água em suas operações militares, levando a mortes e ferimentos de civis.

A OSCE é a maior organização regional de segurança do mundo, abrangendo todos os Estados europeus, a Federação Russa, os países da Ásia Central, a Mongólia, os Estados Unidos e o Canadá, num total de 57 membros, existindo ainda 13 “parceiros para a cooperação” da Ásia e do Mediterrâneo. Seus relatórios podem ser usados como base para processos por crimes de guerra.

“Tomado como um todo, o relatório documenta o catálogo de desumanidade perpetrada pelas forças da Rússia na Ucrânia”, disse Michael Carpenter, embaixador dos EUA na OSCE, em um discurso nesta quarta-feira. “Isso inclui evidências de ataques diretos a civis, ataques a instalações médicas, estupros, execuções, saques e deportação forçada de civis para a Rússia”.

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Moradores de Mariupol passam por soldado russo nesta terça-feira, 12, dia em que tropas russas intensificaram ataques na cidade. Relatório chama cerco em Mariupol de crime de guerra Foto: Alexander Nemenov / AFP

O relatório concluiu que o ataque aéreo que destruiu uma maternidade em Mariupol foi um ataque russo. “Com base nas explicações russas, o ataque deve ter sido deliberado”, disse o relatório sobre o ataque de 9 de março à Maternidade e Hospital Infantil Mariupol. “Nenhum aviso efetivo foi dado e nenhum limite de tempo foi estabelecido. Este ataque constitui, portanto, uma clara violação do Direito Internacional Humanitário e os responsáveis por ele cometeram um crime de guerra”.

Embora o governo russo tenha alegado que o hospital foi usado para fins militares, Carpenter disse que “a missão rejeitou categoricamente essas alegações”. Os especialistas da OSCE não viajaram para a Ucrânia, mas selecionaram evidências de várias fontes, incluindo material de código aberto e relatos de grupos de direitos humanos e sem fins lucrativos.

O relatório da OSCE também descobriu que o ataque ao Mariupol Drama Theatre, onde centenas de civis estavam abrigados quando o prédio foi reduzido a escombros, " foi uma violação flagrante do direito internacional humanitário e aqueles que o ordenaram ou executaram cometeram um crime de guerra.”

No geral, a investigação encontrou “padrões claros de violações do direito internacional humanitário pelas forças russas em sua condução de hostilidades. No entanto, acrescentou que embora o relatório “contribuisse para uma primeira coleta e análise dos fatos, são necessárias investigações mais detalhadas, nomeadamente no que diz respeito ao estabelecimento da responsabilidade penal individual por crimes de guerra”.

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O relatório rastreou supostos abusos desde 24 de fevereiro, o dia da invasão russa, até 1º de abril, data do episódio relatado em Bucha, um subúrbio da capital, Kiev.

A OSCE iniciou sua investigação no mês passado após uma votação da maioria de seus estados-membro, incluindo a Ucrânia, para realizar uma missão de apuração de fatos. Os Estados Unidos fazem parte do corpo de 57 membros – assim como a Rússia e seu aliado, Belarus. Ambos estão entre os países que não votaram na revisão e ainda não comentaram publicamente o relatório.

Sacos com cadáveres em Bucha, prestes a serem transportados por tropas ucranianas. Após retirada dos russos, no dia 1º de abril, Ucrânia alegou encontrar centenas de civis mortos Foto: Miguel Gutiérrez / EFE

Autoridades ucranianas disseram que centenas de civis foram executados sumariamente em Bucha e que tinham evidências de tortura, desmembramento e tiroteio de pessoas à queima-roupa. Os supostos eventos em Bucha – descobertos quando a Ucrânia recapturou mais território e as forças da Rússia começaram a se deslocar de áreas próximas a Kiev para o leste e sul do país – levaram à suspensão da Rússia do Conselho de Direitos Humanos da ONU. A Rússia alegou que tais assassinatos foram “encenados” ou “falsos.

O relatório da OSCE concluiu que os eventos em Bucha merecem “uma séria investigação internacional, no local, com especialistas forenses”, e disse que “as evidências apontam para um grande crime de guerra e um crime contra a humanidade cometido pelas forças russas” na cidade a noroeste de Kiev.

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O promotor do Tribunal Penal Internacional, Karim Khan, chamou a Ucrânia de “cena de crime” nesta quarta-feira durante uma visita a Bucha, enquanto sua equipe coletava evidências. “Este relatório é apenas o primeiro de muitos”, disse o embaixador do Reino Unido na OSCE, Neil Bush. “Devemos, como comunidade internacional, responsabilizar os responsáveis pelas atrocidades cometidas na Ucrânia, incluindo comandantes militares e outros indivíduos do regime de Putin.”

Na terça-feira, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se referiu aos assassinatos na Ucrânia como um sinal de que a Rússia estava cometendo “genocídio”, um termo anteriormente evitado por autoridades dos EUA. Mais tarde, ele disse a repórteres que usou intencionalmente a palavra em seu discurso, embora tenha acrescentado que “deixaria os advogados decidirem internacionalmente se ela se qualifica ou não”. Mas ele disse: “Com certeza parece assim para mim”.

A guerra na Ucrânia já dura mais de sete semanas, com 1.892 pessoas mortas e 2.558 feridas, de acordo com uma contagem incompleta das Nações Unidas. Autoridades ucranianas disseram que o número real de mortes de civis é muitos maior. Cerca de 4,6 milhões de pessoas fugiram do país como refugiados.

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