Até onde Xi Jinping irá para confrontar Donald Trump e os EUA? Seus escritos ajudam a decifrar

O líder da China é do tipo que assume riscos. Até onde ele irá para confrontar os Estados Unidos?

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Por The Economist

Conforme Donald Trump reúne sua equipe de política externa, muitas de suas escolhas trazem uma característica comum: são falcões estridentes em relação à China. Aqueles que buscam uma abordagem mais dura em relação ao rival americano variam de Mike Waltz, o conselheiro de segurança nacional proposto por Trump, a Marco Rubio, seu indicado para secretário de Estado. Parte de seu trabalho será entender como as relações mudaram nos quatro anos desde o último governo Trump, um período em que a economia chinesa desmoronou, as tensões em torno de Taiwan e no Mar da China Meridional aumentaram e a guerra na Ucrânia dividiu ainda mais as maiores potências do mundo. Ao pesar os riscos que Xi Jinping está preparado para correr em sua competição com os Estados Unidos, novos cálculos são necessários. Para formá-los, é necessário estudar o que motiva o líder da China.

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Uma ferramenta valiosa é o vasto corpo de textos que supostamente foram escritos por Xi. O número de volumes que levam seu nome, explicando suas visões para as principais preocupações da China em casa e no exterior, excede em muito o de livros de autoria de Trump ou Putin — ou mesmo de líderes chineses anteriores. De acordo com uma estimativa do China Media Project, ele publicou 120 volumes na primeira década de seu governo. Este ano, pelo menos nove foram adicionados à pilha (“Trechos de discursos de Xi Jinping sobre o trabalho com recursos naturais” foi publicado este mês).

Esses livros são tediosos, mas também são importantes. Eles refletem a ideologia que guia o partido e mostram como Xi está tentando reformulá-la para justificar sua abordagem distinta para o governo do país e a projeção do poderio chinês. Em 2017, durante o primeiro mandato de Trump, “Inside the Mind of Xi Jinping” de François Bougon, um jornalista francês, tornou-se o primeiro estudo crítico em tamanho de livro do que é comumente conhecido como “Pensamento de Xi Jinping”. Bougon argumentou que Xi “manobra, experimenta e busca seu equilíbrio” entre forças ideológicas conflitantes na China. “Nada indica que ele seja o autor de uma doutrina coerente própria.”

Imagem do dia 19 mostra desembarque do presidente chinês Xi Jinping em Brasília Foto: Wagner Lopes/Casa Civil

Os analistas agora têm muito mais do pensamento de Xi para peneirar. Entre os estadistas globais, Kevin Rudd é um dos poucos que assumiu essa tarefa. Rudd foi primeiro-ministro da Austrália entre 2007 e 2010, quando Xi era o herdeiro aparente do governo da China, e novamente em 2013, depois que Xi se tornou líder. Em um livro recente, “On Xi Jinping: How Xi’s Marxist Nationalism is Shaping China and the World”, Rudd, que agora é embaixador de seu país nos Estados Unidos, diz que “os contornos do admirável mundo novo de Xi estão agora escondido à vista de todos nós”. Sua bibliografia lista bem mais de 50 livros de Xi. Mais de um quarto deles foram publicados depois que Trump deixou a Casa Branca.

De acordo com Rudd, a ideologia é o principal impulso por trás das ações de Xi. O líder da China vê forças históricas poderosas levando ao declínio do Ocidente e à ascensão inelutável do Oriente. O processo pode ser acelerado por um Partido Comunista disciplinado que entenda o processo dialético. Em sua busca pelo “grande rejuvenescimento da nação chinesa” até 2049, quando o partido marca o centenário de seu governo, um objetivo definidor é a “reunificação” com Taiwan. Como seus antecessores, Xi não descarta o uso da força.

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Xi conduziu a China em direção ao que Rudd chama de Nacionalismo Marxista. Em outras palavras, ele expurgou o partido e fortaleceu seu controle, mudou a política econômica das forças de mercado para um maior planejamento central e embarcou em uma política externa mais belicosa. Na visão de Rudd, Xi gostaria de tomar Taiwan — idealmente sem uma guerra — até o final de seu quarto mandato em 2032. “A única coisa que o impediria seria uma dissuasão militar eficaz e confiável dos EUA, Taiwan e aliados — e a crença de Xi de que haveria um risco real de a China perder tal enfrentamento”, escreve Rudd.

Aí está o problema. Quem sabe como Xi avaliaria esses riscos? Ao se cercar de bajuladores, ele pode ter dificultado que opiniões divergentes se aproximassem. E Xi certamente corre riscos. Seus expurgos de altos funcionários, ostensivamente por corrupção, são um sinal disso (milhões devem estar furiosos com ele). Assim como suas demonstrações de força militar em Taiwan e nos bancos de areia reivindicados pelas Filipinas. Em ambos os lugares, um pequeno conflito pode aumentar. Mesmo que o comportamento de Xi até agora não tenha sido tão imprudente quanto o de Putin, sua conduta pode se tornar ainda mais arriscada que a do líder russo.

Correr riscos ou resistir

No entanto, os escritos de Xi (ou os dos escritores que escrevem em seu nome, supervisionados por Wang Huning, seu principal ideólogo e autor de um livro sombrio sobre os Estados Unidos chamado “América contra a América”) também são embebidos na ansiedade em relação a ameaças ao partido. Ele frequentemente pede que as autoridades aprendam lições com o colapso da União Soviética. Em outro livro publicado este ano, “The Political Thought of Xi Jinping”, Steve Tsang e Olivia Cheung, da School of Oriental and African Studies, em Londres, argumentam que a ideologia de Xi é principalmente uma fachada. É menos uma questão de socialismo e mais uma questão de fortalecer o poder do partido. Se os autores estiverem certos, isso pode sugerir que o foco de Xi está em evitar o colapso. Ele acharia que perder uma guerra poderia desencadear uma reação ameaçadora ao regime em casa.

De fato, está longe de ser claro se Xi é realmente um maoísta ou marxista. Mao pediu uma luta de classes sem fim contra as elites burocráticas e os “capitalistas”. Os escritos de Xi enfatizam a necessidade de estabilidade. Ele não tem envolvimento nem com protestos de nacionalistas — não houve grandes protestos durante seu governo, ao contrário dos anos anteriores.

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O presidente da China, Xi Jinping, participa de uma cerimônia no Palácio da Alvorada, em Brasília, Brasil  Foto: Eraldo Peres/AP

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Em seu manejo da economia, Xi assustou empreendedores com seu discurso de esquerda. Sua campanha de “prosperidade comum”, lançada em 2021, levantou o espectro de grandes novos esquemas de redistribuição. Esse esforço coincidiu com uma repressão regulatória contra grandes empresas de tecnologia que se assemelhava a um ataque ideologicamente motivado aos titãs da iniciativa privada. Mas nos dois anos mais recentes, Xi tem lutado para reanimar a economia. Isso envolveu tratar empresas privadas com um toque mais suave e promover a fabricação de alta tecnologia. É difícil detectar muito no caminho do socialismo nos esforços dele. Alguns economistas argumentam que mais gastos com bem-estar ajudariam a economia ao incentivar as pessoas a economizar menos e gastar mais, mas Xi critica a distribuição de dinheiro para tais propósitos.

Duas vertentes do pensamento de Xi são muito menos duvidosas para aqueles que o estudaram. Uma é seu leninismo, ou seja, sua ênfase no partido como um instrumento de controle. Ele culpa o colapso soviético pela frouxidão ideológica. Ele quer que seus funcionários repitam linhas doutrinárias bem gastas, em vez de debatê-las.

O objetivo final é capturar ou ‘modernizar e transformar’ a ordem internacional em uma ordem que se encaixe nos pensamentos de Xi.

Steve Tsang e Olivia Cheung, autores de The Political Thought of Xi Jinping

A outra vertente é o nacionalismo de Xi. A mensagem transmitida por suas obras contrasta com a de Deng Xiaoping, que disse que a China deveria “esconder suas capacidades e esperar seu momento”. Xi diz que a China deve se mover para o “centro do cenário global”. Algumas das escolhas de Trump para cargos do alto escalão acreditam que isso significa mais do que um mero desejo por status de grande potência (a China já tem isso). “Eles estão tentando nos suplantar e estão tentando substituir a democracia e o capitalismo por seu tecno-estado de partido único”, disse Waltz no ano passado.

Xi tem o cuidado de evitar tal linguagem, mas Tsang e Cheung concordam que ele quer a liderança global. Não se trata “de assumir o lugar dos Estados Unidos como hegemonia global, com toda a bagagem da liderança americana”, dizem eles. “Também não se trata de derrubar abertamente a ordem internacional liberal. O objetivo final é capturar ou ‘modernizar e transformar’ a ordem internacional em uma ordem que se encaixe nos pensamentos de Xi.” Isso, claramente, seria um mundo assustador para a democracia.

O presidente da China, Xi Jinping, participa da foto de líderes na cúpula do G-20, no Rio de Janeiro, Brasil  Foto: Silvia Izquierdo/AP

No entanto, apesar de todas as palavras publicadas por Xi, é possível interpretá-las mal. “Às vezes me preocupo que o grande volume de reflexões de Xi ofusque mais do que ilumine”, diz Jonathan Czin, ex-analista da China na CIA. “No sistema da China, Xi é, na verdade, papa e imperador — responsável por governar, bem como por promulgar justificativas ideológicas que parecem um tratado teológico obscurantista da Idade Média.”

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Conforme os Estados Unidos e a China lutam para entender um ao outro durante a nova era Trump, muitas serão as interpretações equivocadas. Isso tornará um relacionamento tenso ainda mais perigoso. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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