Até que ponto Putin é um líder à prova de golpes de Estado? Leia a análise

Insatisfação da oligarquia russa com efeito das sanções pode desencadear mudanças internas na política russa

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Por Samuel A. Greene
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - Enquanto a invasão russa à Ucrânia entra em sua terceira semana — com cada vez mais baixas entre civis, mais de 2 milhões de refugiados em fuga e números incalculáveis de de deslocados internos ainda dentro do país — há uma percepção crescente entre formuladores de políticas ocidentais de que a maneira mais rápida de pôr fim a esta guerra é com o presidente Vladimir Putin deixando o cargo, muito provavelmente contra sua vontade.

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Ainda que nenhum governo ocidental esteja buscando publicamente uma política de mudança de regime, todos esperam que as sanções motivem russos de todos os campos políticos e sociais a expulsar Putin. O que levanta a questão: Putin é à prova de golpes de Estado? Porque se anteriormente não existiam circunstâncias capazes de induzir uma transição de poder em Moscou, agora elas estão presentes.

As razões de Putin para ir à guerra permanecem insondáveis. Seja o que for que esta guerra possa alcançar, ela deixará a Rússia mais pobre e menos segura, aproximando mais a Otan de suas fronteiras — em vez de afastar a aliança — e fortalecendo a determinação de países que já fizeram parte do antigo império de Moscou em buscar proteção, seja nos Estados Unidos, na União Europeia ou na China.

O presidente russo Vladimir Putin em uma reunião de governo sobre a invasão da Ucrânia, em Moscou; elites russas decidirão futuro  Foto: Mikhail Klimentyev/Kremlin via Reuters

Mas a guerra também está reformulando radicalmente a estrutura do poder doméstico na Rússia de maneiras capazes tanto de consolidar a autoridade de Putin nos próximos anos quanto de possivelmente levar à derrocada de seu governo.

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Mudanças na política russa

Iniciar esta guerra, em suma, parece parte de um esforço contínuo de Putin para reformular a estrutura da política russa, transitando de uma situação na qual ele serviu aos titãs do empresariado, da política e da burocracia da Rússia para outra na qual essas elites o servem.

Se ele for bem-sucedido, em vez de uma grande e fragmentada classe de russos ricos e poderosos que mantêm ao menos alguns laços com Europa e EUA, restará aos líderes ocidentais lidar com Putin e seus comandantes de segurança — um grupo sobre o qual Washington, Londres e Bruxelas possuem influência consideravelmente menor. Essa Rússia será irrefreável e ainda mais imprevisível — e muito provavelmente bem mais tirânica, à medida que o Estado reivindica cada vez mais controle sobre a economia.

Putin se irrita há muito em relação ao seu comprometimento com as elites russas. Quando ele ascendeu ao poder, em 2000, sua capacidade de governar — assim como a de seu antecessor, Boris Yeltsin — era severamente limitada. Ele foi obrigado a lidar com magnatas de meios de comunicações e oligarcas, políticos e funcionários públicos — pessoas que não apenas perseguiam somente interesses próprios, mas que eram poderosas o suficiente para impor suas próprias agendas sobre o Kremlin.

Para remediar essa situação, Putin ofereceu uma barganha para a elite russa: lhe seria permitido ser fabulosamente rica sem dar nenhuma satisfação se ela concordasse em não usar sua influência para impedir Putin de agir conforme de aprouvesse.

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Policiais em Moscou se preparam para reprimir protestos contra a guerra na capital da Rússia; 15 mil já foram presos  Foto: Evgenia Novozhenina/Reuters

O fim de um acordo com os oligarcas

Essa barganha se sustentou por quase 20 anos. Qualquer um que a desafiasse — como o magnata das comunicações Vladimir Gusinski, os oligarcas Boris Berezovski e Mikhail Khodorkovski ou o ex-prefeito de Moscou Yuri Luzhkov — foram rapidamente presos ou partiram para o exílio. Outros obtiveram acesso a orçamentos federais, regionais e municipais e aos recursos de estatais como a Gazprom, empresas de transporte ferroviário e agências hipotecárias, todos encorajados a direcionar fundos a destinos convenientes politicamente.

Ainda que a elite nunca tenha possuído verdadeiramente os ativos que geravam sua imensa riqueza na Rússia, foi permitido aos seus membros enviar os lucros para o exterior, onde eles puderam investir, pegar dinheiro emprestado com essa garantia e viver vidas luxuosas. Enquanto isso, o papel de Putin foi manter o dinheiro fluindo, mediar conflitos entre interesses opostos e ser o rosto de um sistema que não tinha o interesse público no coração.

O impacto da crise econômica

Esse arranjo serviu bem aos dois lados — até que não. Na verdade, ao longo da década passada foi difícil encontrar algum membro da elite russa particularmente satisfeito. Quando a economia russa começou a cambalear, em 2014, Putin percebeu que não havia mais dinheiro suficiente no sistema para manter a elite feliz e começou a priorizar quem realmente sustentava seu governo: acima de tudo os serviços de segurança e os empresários do ramo petroleiro. Todos os outros tiveram de se contentar com um status reduzido.

As pessoas resmungaram, mas ninguém desafiou Putin. Uma mudança política ocasionaria vencedores e perdedores, além de considerável incerteza a respeito de quem prevaleceria. O próprio Putin ajudou a reforçar essa sensação de risco, colocando interesses políticos e econômicos um contra o outro e dificultando a formação de coalizões. Em resposta, a elite escondeu cada vez mais dinheiro fora da Rússia, protegendo-se da predação do Kremlin e resistindo aos contínuos pedidos de Putin para repatriar os fundos.

Agora essa era acabou. A guerra de Putin e as sanções que o Ocidente impôs privam os clientes econômicos e políticos de Putin de sua fonte crucial de semiautonomia: acesso ao Ocidente enquanto lugar seguro para proteger seu dinheiro, suas famílias e sua liberdade. O que acontecer a seguir decidirá o futuro da Rússia.

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A reação da elite russa

Se Putin — auxiliado pelas sanções do Ocidente — for bem-sucedido em privar do acesso ao Ocidente os homens que atualmente comandam as maiores indústrias, burocracias e regiões do país, subjugando os interesses deles e favorecendo os chefes dos serviços de segurança, eles seriam transformados em executivos e gerentes dispensáveis. Sem a proteção de um sistema político poderoso, essa classe perderia a capacidade de controlar seu próprio futuro. Se a sensação de perda for suficientemente disseminada, devemos esperar uma resposta. Não paralisadas pelo medo da mudança, as elites russas poderão começar a perceber que, sem mudança, todas sairão perdendo. O homem que antes garantiu sua prosperidade passaria a garantir, então, somente sua penúria.

Putin claramente percebe essa ameaça. Segundo relatos, ministros, funcionários de alto nível e diretores de grandes corporações receberam ordens para não renunciar aos cargos, sob ameaça de prisão. Até Elvira Nabiullina, a normalmente apolítica e tecnocrata chefe do Banco Central, foi forçada a fazer uma declaração pública dizendo para sua equipe — e para a dispersa elite econômica — “parar de discutir política” e voltar ao trabalho. Mas o problema de Putin é que esta guerra subverte a estratégia de dividir para governar que lhe serviu tão bem — e torna cada membro da elite russa um perdedor.

Manifestantes empunham cartaz contra a guerra em Moscou, durante protestos na capital russa no começo da invasão, em fevereiro  Foto: Evgenia Novozhenina/Reuters

Um retorno ao status quo

Um golpe de Estado no qual as elites russas apoiem um novo líder buscaria restaurar o sistema que essas classes desfrutavam antes de Putin enveredar para o caminho da guerra. Devolver a Crimeia à Ucrânia estaria fora de questão, mas o substituto de Putin, quem quer que fosse, teria uma procuração clara para tomar qualquer passo necessário para pôr fim às sanções, restaurar os laços econômicos com o Ocidente e usar o considerável controle que o Estado detém sobre os meios de comunicação e o sistema político para explicar aos russos o quanto eles foram enganados.

Observadores ocidentais deveriam ter cuidado, porém, para não confundir um golpe de Estado deste tipo com uma revolução democrática. O sistema continuaria quase inevitavelmente a ser corrupto e irresponsável, desdenhando do público russo e fundamentado na cleptocracia — mas não na guerra. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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*Samuel A. Greene é professor de política russa de diretor do Russia Institute na King’s College, de Londres. É coautor de “Putin v. the People: The Perilous Politics of a Divided Russia” (Putin versus O Povo: a arriscada política de uma Rússia dividida).

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