O primeiro carro-bomba que explodiu na tarde da quarta-feira, 30, em Quito, abriu uma sequência devastadora de atentados que desencadearam terror sem precedentes. Imagens do ataque mostraram resquícios dos eventos: nuvens de fumaça preta elevando-se sobre a linha do horizonte, fachadas de prédios destruídas pelos impactos, chamas consumindo carros amassados nas calçadas, pessoas correndo pelas suas vidas.
Em menos de 48 horas, três outros veículos foram detonados no norte de Quito, na cidade de Cuenca e na província costeira El Oro. Pela primeira vez na sua história, o Equador, antes um dos países de menor taxa de criminalidade da América do Sul, presenciou inerte como ataques com carros-bomba arrasam os últimos vestígios de segurança da nação.
Os atentados, que ocorreram poucas semanas após as eleições presidenciais e o assassinato do político, jornalista e candidato à presidência Fernando Villavicencio, não deixaram vítimas nem feridos - na maioria, foram direcionados contra edifícios vinculados ao Serviço Nacional de Atendimento Integral a Pessoas Privadas de Liberdade (SNAI), o departamento estatal encarregado do controle e administração das 35 prisões da nação sul-americana.
Informes preliminares da polícia Nacional do Equador deram indícios do possível motivo dos atentados: no mesmo dia 30 de agosto, policiais e militares haviam feito uma intervenção na prisão de Cotopaxi, a 100 km de Quito, para transferir seis detentos para presídios considerados de segurança máxima. Entre eles estavam Luis Arboleda — conhecido no país como “Luis Gordo”, um dos nomes na liderança da organização criminosa local Los Lobos — e outros homens de identidades não reveladas, mas que de acordo o secretario nacional de Segurança, Wagner Bravo, são de grande interesse no caso do assassinato de Villavicencio.
“As medidas que tomamos, especialmente dentro do sistema prisional, criaram reações violentas por parte das organizações criminosas”, escreveu na rede social X o presidente do Equador, Guillermo Lasso. “Mas nós somos fortes e não vamos recuar”.
Crise de violência extrema no Equador
O caos no Equador não ocorreu apenas nas ruas. Na manhã de quarta-feira, os detentos da prisão de El Turi, que fica na província de Azuay, fizeram um motim e sequestraram um grupo de guardas penitenciários e policiais que faziam parte da guarda interna do local. Durante o dia, os presos passeavam pelos telhados do centro penitenciário e não permitam a entrada de militares e polícias. A cena foi repetida em outros cinco presídios ao redor do país, totalizando um total de 57 reféns. Os guardas foram libertados pelos presos na última sexta-feira, 1.
Em entrevista ao Estadão, a Secretária de Segurança de Quito, Carolina Andrade, afirmou que os ataques da última semana deixaram em evidência a fragilidade do país em torno de eventos altamente violentos e a incapacidade do Estado equatoriano para prevenir e frear ataques de grupos criminosos que têm aumentado sua influência no país com a penetração da indústria do narcotráfico.
“Os atentados ocorridos com a utilização de gás liquefeito em carros nos mostra que ultrapassamos os limites em termos de violência e criminalidade das organizações criminosas e, por outro lado, a fragilidade que persiste na capacidade do Estado em prevenir e alertar sobre possíveis atividades criminosas dentro e além da capital do país”, disse ela. “A reação da sociedade (aos atentados) foi de medo, de terror. E da parte do município, mais uma vez, foi de exigir que o governo central faça algo a respeito. A segurança no Equador é uma responsabilidade do governo central. Os governos locais têm uma responsabilidade compartilhada nos domínios da violência e da prevenção da criminalidade, mas não no crime organizado nem nos serviços de inteligência”, afirmou.
Para a Secretária de Segurança, a violência causada pelo crime organizado saiu totalmente do controle das autoridades no Equador, que não conseguem intervir de forma eficaz no fluxo do tráfico de drogas que ocorre nos maiores portos do país, em Guayaquil e em Manta, onde os criminosos ocuparam o vácuo deixado pelo estado nos últimos anos. “Estes atos de violência voltam a pôr à prova a capacidade do Estado de alertar para novas ações do crime organizado, especificamente de grupos locais e nacionais de violência organizada, como Los Lobos e Los Tiguerones, que têm interesse em controlar e monopolizar as redes de tráfico para consumo interno”, disse a funcionária ao Estadão.
“Não é por acaso que estes acontecimentos se desenrolaram nos arredores dos locais onde funcionava o SNAI, ou seja, o organismo que substitui o Ministério da Justiça na gestão das prisões, mas também na implementação de toda uma política de reabilitação social. Em Quito, estamos alarmados com a possibilidade de futuros ataques contra pessoas do sistema judicial, do Ministério Público, da própria polícia ou de outros serviços do Serviço Nacional para as Pessoas Privadas de Liberdade”, afirmou a Secretária de Segurança.
Nas horas subsequentes dos atentados de quarta-feira e de madrugada da quinta, ao menos dez suspeitos foram presos em Quito, como foi informado anteriormente pelo Estadão. Quatro suspeitos eram de nacionalidade equatoriana e dois colombianos, que de acordo com a polícia já tinham sido condenados por extorsão, roubo e homicídio.
De acordo com Carolina Andrade, na quinta-feira, 31, foram encontradas na casa de um dos acusados três granadas que ainda não haviam sido detonadas, e as investigações levaram as autoridades a acreditar que estes dispositivos podiam ter tido o fim de ataques a membros da comunidade política.
Para ela, não houve nos últimos meses uma reação forte do Estado na luta contra os grandes cartéis e grupos criminosos, fundamentalmente nas cidades costeiras.
A resposta maior, ela acredita, tem vindo dos departamentos de polícia municipais, que quase sempre conseguem encontrar os culpados de operações criminosas, que executam diretamente os assassinatos encomendados, sequestros ou atentados, mas que têm grandes dificuldades para conectar os crimes com quem está no comando, o líder intelectual.
“Vemos como as organizações criminosas estão cada vez mais bem informadas, mais bem organizadas e mais bem articuladas, enquanto o Estado está desorganizado e sem capacidade de prevenção”, disse ela. “Nosso sistema de inteligência está totalmente enfraquecido”.
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Nos primeiros seis meses deste ano, a Polícia Nacional registou 3.568 mortes violentas no Equador, em comparação com as 2.042 registadas no mesmo período de 2022. O ano passado terminou com um saldo de 4.600 mortes violentas — a taxa mais elevada da história do país e o dobro do total de 2021, enquanto os cartéis lutam pelo controle das rotas de transporte de cocaína, que é produzida majoritariamente na Colômbia, enviada para o Equador e depois distribuída para os mercados da Europa e dos Estados Unidos.
Em um país que não consegue retomar o controle e a segurança das suas ruas, as pessoas vivem cada vez mais amedrontadas pela violência extrema. O medo tem tomado conta de cada canto da nação e o desespero dos cidadãos pode impactar drasticamente no segundo turno das eleições, que deve ocorrer no próximo 15 de outubro entre a candidata da esquerda tradicional, Luisa González, e o candidato centrista Daniel Noboa.
A Secretária de Segurança da capital equatoriana acredita que a luta contra as organizações criminosas é difícil e vai exigir não apenas grandes reformas no sistema de segurança nacional, mas também o aprimoramento dos sistemas de inteligência.
“Com os recursos investidos de forma adequada, seria necessário recuperar o controle das prisões, mas infelizmente temos de começar pelo mais básico, que é dotar a polícia de questões logísticas básicas. Enquanto isso, temos de reforçar rapidamente os sistemas especiais de tecnologia de inteligência na investigação para podermos nos orientar e ter informações sobre o que está acontecendo em Esmeraldas, em Guayaquil, em diferentes partes do país”, disse ela.
“Isto não significa que não haverá mais represálias por parte dos grupos criminosos. Mas estes são os pontos de partida para que o Estado possa recuperar o controle e não ficar em desvantagem”.
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