Atos para lembrar 108 anos do genocídio armênio têm tom político após guerra em Nagorno-Karabakh

Ato convocado pelo partido nacionalista Federação Revolucionária da Armênia na capital teve até queima de bandeiras

PUBLICIDADE

Foto do author Fernanda Simas
Atualização:

ENVIADA ESPECIAL A EREVAN - A guerra de 44 dias entre Azerbaijão e Armênia em 2020 e o sequente bloqueio que o governo azeri impõe à região de Nagorno-Karabakh impactaram o início dos atos pelo Dia da Memória do Genocídio Armênio na capital, Erevan. A marcha desta segunda-feira, 24, que lembrava os 1,5 milhão de armênios mortos no Império Turco-Otomano entre 1915 e 1923, contrastou com o discurso inflamado e a queima das bandeiras de Turquia e Azerbaijão um dia antes.

PUBLICIDADE

No domingo, o ato convocado pelo partido nacionalista Federação Revolucionária da Armênia na Praça da República reuniu centenas de pessoas a partir das 19 horas e se transformou em uma manifestação política. Mulheres, crianças, jovens - muitos com as bandeiras da Armênia - se reuniram e presenciaram um discurso inflamado contra a Turquia e o Azerbaijão, mas também contra o atual primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinyan.

Nesta segunda-feira, feriado no país, a manhã foi marcada pela caminhada de milhares de pessoas das ruas de Erevan até o memorial do genocídio, onde flores foram depositadas ao lado da “chama eterna”, que representa os armênios mortos. Homens, mulheres, crianças, soldados e policiais se juntavam e caminhavam carregando bandeiras da Armênia ou de alguma organização. Assírios, iranianos e representantes do Curdistão também se juntaram à marcha.

Pessoas caminham até o memorial do genocídio em marcha pelos 108 anos do massacre Foto: Fernanda Simas/Estadão

Em silêncio, todos se dirigiam ao memorial. Cartazes com os dizeres “negar o genocídio resulta em novos genocídios” eram carregados perto da chama.

“A marcha até o monumento em memória as vítimas do genocídio é o símbolo da resistência e do espírito do povo armênio. Descendentes de armênios do mundo inteiro vão até Erevan para prestar homenagem aos seus antepassados e, especialmente neste ano, mostrar aos governos da Turquia e do Azerbaijão que a diáspora está unida contra a nova tentativa de genocídio em Artsakh”, afirma Rafael Balukian, presidente da União Geral Armênia de Beneficência do Brasil, se referindo ao bloqueio em Nagorno-Karabakh.

Publicidade

Após depositarem as flores no local, as pessoas davam a volta e a massa de manifestantes se dispersava pelas ruas fechadas aos veículos. “O genocídio é parte da identidade do povo armênio. Aqui tentamos mostrar a história do que aconteceu e porque aconteceu”, afirma o diretor do museu do genocídio, Harutyun Marutyan.

Oposição articula atos

O partido Federação Revolucionária da Armênia, que realizou o ato da noite de domingo, também abordou o sentimento de continuidade do genocídio que os armênios têm, principalmente depois de 2020, mas também afirmou que o atual governo era “traidor” e estava “atuando em conjunto com (o presidente da Turquia, Recep Tayyip) Erdogan”.

Em diversos momentos, quando o líder do partido gritava “força” e discursava contra o atual governo, os manifestantes que estavam ali não seguiam o coro. Uma ou outra pessoa repetia os gestos do braço empunhado para cima.

O tom do ato surpreendeu muitos armênios no local. “Eu não esperava por isso, não concordo com a queima de bandeiras”, disse a estudante Natalia.

O chefe da Igreja Apostólica Armênia, Karekin II, lidera um serviço religioso no Memorial do Genocídio Armênio Tsitsernakaberd em Erevan Foto: KAREN MINASYAN / AFP

Rafael Balukian condenou o ato. “O governo da Armênia declarou que condena os atos de vandalismo, assim como a Ugab Brasil, que é a favor da diplomacia e nunca incentivou este tipo de atitude.”

Publicidade

Antes das tochas serem acesas, um desfile com as bandeiras dos 31 países que reconhecem formalmente o genocídio armênio passou pela praça. O Brasil não reconhece formalmente o genocídio.

Embora não traga consequências legais, a designação dada por alguns países incomoda Ancara, que rejeita o termo “genocídio” e nega qualquer menção a extermínio, enquanto argumenta que estava em uma guerra civil que deixou centenas de milhares de mortos dos dois lados.

Em seguida, as bandeiras da Turquia e do Azerbaijão foram queimadas, as tochas acesas e uma marcha começou em direção ao memorial do genocídio.

Entenda o que foi o genocídio armênio

Nesta segunda-feira, o massacre de armênios praticado pelo Império Otomano durante a 1ª Guerra, descrito pela maioria dos historiadores como genocídio, completa 108 anos. Segundo autoridades armênias, 1,5 milhão da população de 2,5 milhões foram mortos entre 1915 e 1923, sendo 1,2 milhão apenas entre 1915 e 1916.

Bandeiras de países que reconhecem o genocídio armênio  Foto: Fernanda Simas/Estadão

O advogado polonês Raphael Lemkin (1900 - 1959) desenvolveu o conceito de genocídio como crime dentro do direito internacional com base, em parte, no que aconteceu aos armênios e, em parte, no holocausto de judeus, na 2ª. Guerra.

Publicidade

Em 2021, o presidente americano Joe Biden fez uma declaração reconhecendo o genocídio armênio.


* A repórter viajou a convite da União Geral Armênia de Beneficência do Brasil

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.