O aumento da criminalidade no Chile se tornou mais um problema para o governo do presidente Gabriel Boric, de centro-esquerda, após pouco mais de um ano no cargo. A alta na taxa de homicídios e roubos preocupa os chilenos e ameaça a aprovação ao trabalho do presidente.
Em 2022, os homicídios cresceram 33,4% em relação ao ano anterior, segundo dados da sub-secretaria de Prevenção da Criminalidade do Chile. O número representa a segunda maior variação na América Latina, perdendo apenas para o Equador, onde se observou um aumento de mais de 80% deste tipo de crime. Os roubos violentos aumentaram 63,1% em 2022 e os de automóveis, 39,8%.
Apesar do aumento porcentual, no entanto, o Chile ainda é um país com uma taxa de homicídios relativamente baixa para a região, com 4,6 mortes para 100 mil habitantes, segundo levantamento da InsightCrime, com números relativos a 2022. Comparado com o resto da América Latina, é a menor taxa do continente, ainda que o levantamento não tenha dados de Argentina, Bolívia Peru e Cuba.
A crise na segurança pública se soma a derrotas recentes do governo, como a rejeição à nova proposta de Constituição do país e o fracasso da reforma tributária, crucial para financiar novos programas sociais, no Congresso. Com isso, a aprovação a Boric, que tem se recuperado lentamente desde o ano passado, mas ainda se encontram em níveis abaixo dos 40%, segundo o instituto de pesquisas Cadem, pode voltar a cair, segundo analistas.
No front político, a oposição batalha pela aprovação de leis mais duras em resposta ao aumento da violência. No Congresso, controlado pela centro-direita, tramita em tempo recorde a lei “Naín-Retamal”, que estabelece uma legítima defesa privilegiada dos policiais para liberar os profissionais da corporação de responsabilidade criminal quanto atuarem em legitima defesa ou para impedir um crime.
O projeto —similar ao excludente de licitude que o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro tentou, sem sucesso, aprovar no Brasil — ganhou força depois da morte de Rita Olivares, uma policial dos carabineros, a polícia militar chilena. Ela foi vítima de uma emboscada ao atender uma ocorrência em Quilpué, cidade a 120 quilômetros de Santiago, em março. Na quarta-feira, 5, o Senado aprovou e encaminhou o projeto de lei “Naín-Retemal” para um terceiro processo legislativo na Câmara dos Deputados.
Diante da pressão popular por leis mais duras contra o crime, Boric se vê diante de uma encruzilhada. Eleito com uma proposta de esquerda crítica ao abuso da violência policial, sobretudo durante os protestos contra o governo Sebastián Piñera, em 2019, o presidente procura uma saída para a crise na segurança pública sem desagradar sua base política nem uma fatia maior dos chilenos. Segundo analistas, em 2021, muitos eleitores alinhados ao centro preferiram votar nele para evitar a vitória do ultradireitista José Antonio Kast.
Mudança de tom
Nesta semana, Boric passou a apoiar as ações mais contundentes contra a criminalidade. “São os criminosos que devem sentir medo, não as instituições, muito menos os cidadãos honestos e trabalhadores, que são a grande maioria”, disse o presidente na terça-feira, 4.
Apesar disso, ele defendeu cautela com a tramitação da lei. “Peço que votemos essa lei com um grande sentido de responsabilidade, ouvindo os especialistas e organizações que alertam para seus riscos.”
De acordo com o professor da Universidade Del Desarollo, em Santiago, Eugenio Guzman, Boric se vê numa encruzilhada porque sua coalizão tem muitas discrepâncias internas sobre como tratar o tema da segurança pública, o que tem dificultado diversos acordos para a tramitação de leis.
“Se a lei não for aprovada, o governo será acusado de não apoiar medidas mais fortes contra o aumento da criminalidade e se o projeto for aprovado, será uma solução de curto prazo porque o problema não será resolvido imediatamente”, disse o especialista ao Estadão.
Alta em roubos e homicídios
Em um comunicado, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), pede ao governo Boric que realize um processo participativo na tramitação dos projetos de Lei Naín-Retamal”.
“É importante que as polícias contem com proteção regulatória para a manutenção da segurança pública, mas o Estado deve garantir uma participação mais ampla que inclua membros da sociedade civil, especialistas, acadêmicos e organizações não governamentais”, disse a CIDH.
Boric é aprovado por apenas 35% da população chilena, segundo o levantamento mais recente do instituto de pesquisa Cadem. 60% da população desaprova o seu governo, que sofre, além da violência urbana, com a alta da inflação, que nos últimos 12 meses foi de 11,9%./
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