Aumento do custo de vida e escândalos abalam popularidade de Charles III às vésperas da coroação

Pesquisas mostram um grau de indiferença de um número considerável de britânicos quando se trata da manutenção da instituição

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Por Renata Miranda, especial para o Estadão
Atualização:

LONDRES - Após 70 anos, a monarquia britânica passa, pela primeira vez, por uma transição em seu comando, com a coroação do rei Charles III. Embora as últimas décadas tenham sido marcadas por um longo período de popularidade e continuidade, graças à alta aceitação da rainha Elizabeth II, o novo monarca subirá ao trono em um novo contexto, no qual o apoio à instituição tem diminuído entre os britânicos.

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Além disso, o timing da cerimônia não tem sido dos melhores. A coroação ocorre num momento em que a fortuna da família real e seu valor para a economia do Reino Unido têm sido questionados. A percepção de desperdício é acentada em razão da o crise do alto custo de vida que afeta o Reino Unido, com inflação elevada e frequentes greves de médicos, professores e profissionais do transporte.

Mesmo contando com o fato de que a monarquia ainda tenha o apoio da maioria da população do país, uma pesquisa recente do instituto YouGov revelou que esse número caiu de 62% para 58%.

Um outro levantamento do Centro Nacional de Pesquisa Social indicou que, embora 55% do público britânico considere a monarquia importante, aqueles que dizem que sua manutenção é “muito importante” são apenas 29%, a menor proporção já registrada.

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Isso sugere um grau de indiferença de um número considerável de britânicos quando se trata da manutenção da instituição.

A queda no apoio à monarquia não se deve apenas a Charles — a família foi muito criticada pelo escândalo envolvendo o irmão mais novo do rei, príncipe Andrew, no esquema de prostituição infantil e tráfico de sexo coordenado por seu amigo pessoal, Jeffrey Epstein.

Os desafios do rei

“Uma coisa é fato: se a monarquia se tornar impopular, ela vai acabar porque depende inteiramente do apoio popular. Charles não é uma pessoa perfeita, mas quem é? Ele nunca será tão popular quanto sua mãe, mas acredito que as pessoas darão a ele o benefício da dúvida e, com o tempo, a imagem dela perderá força, enquanto a de Charles como rei se consolidará,” disse ao Estadão Robert Morris, pesquisador sênior da Unidade de Constituição da University College London.

A baixa popularidade de Charles III também é um fator e deve ser um desafio no início de seu reinado. O novo rei não é popular nem dentro da própria família. De acordo com outra pesquisa do YouGov, ele ocupa o quinto lugar na lista de popularidade de seus parentes, com 55% de aceitação, perdendo para a mãe (80%); a irmã, princesa Anne (66%); o filho William (65%); e a nora Catherine (65%).

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O fato de a rainha continuar no topo da lista também pode ser explicado pelas diferentes posturas que ambos os monarcas tiveram ao longo da vida. Enquanto Elizabeth II manteve em grande parte reservadas as suas opiniões pessoais sobre a maioria dos assuntos, Charles expôs suas posições sobre uma série de assuntos, como a mudança climática, agricultura, medicina alternativa e arquitetura moderna.

Membros da guarda real marcham próximos ao Palácio de Buckingham durante ensaio para a coroação, em imagem desta terça-feira, 2 Foto: AP / AP

Também não ajudou muito o fato de que a vida privada de Charles tenha estado em evidência por tantas décadas, desde as revelações de infidelidade durante seu casamento com a princesa Diana até seu relacionamento tenso com seu filho mais novo, o príncipe Harry.

“A popularidade de Charles sofre porque ele esteve sob os olhos do público durante toda a sua vida. Ele é visto como peculiar e excêntrico. Além disso, ele esteve diretamente envolvido em escândalos na década de 1990, com o povo ainda amando a princesa Diana”, explicou Pauline Maclaran, especialista na família real e professora de Marketing e Pesquisa do Consumidor na Royal Holloway University.

Uma pesquisa do YouGov divulgada no fim do ano passado confirma isso: mais de 25 anos após sua morte, Diana é mais popular que o rei Charles III e a monarquia, com sete em cada dez britânicos tendo uma visão positiva dela.

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Fortuna em evidência

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Recentemente, jornais britânicos têm questionado os limites de financiamento privado e público destinados à realeza, além de criticar a falta de transparência nas contas do rei e de sua família. Embora seja muito difícil estimar o valor total da fortuna de Charles III, o jornal The Guardian publicou reportagem afirmando que o rei herdou ativos que impulsionaram sua riqueza para quase £2 bilhões (cerca de R$ 12 bilhões).

Há 37 gerações e mais de 1.200 anos no poder, a Casa de Windsor tem um valor estimado de £19 bilhões, segundo a Forbes. O impacto econômico que a família provoca no Reino Unido, no entanto, é difícil de estimar.

“É complicado falar sobre esse impacto porque como você mediria isso? É quase impossível dizer porque você realmente não pode perguntar a cada turista que vem ao Reino Unido se eles estão visitando por causa da família real”, disse George Gross, pesquisador visitante da King’s College London.

Segundo especialistas, no entanto, apesar das diversidades que encontrará pela frente, Charles III deve conseguir manter a relevância da monarquia pelos próximos anos. “A monarquia mudou no passado para continuar a ser relevante. Aconteceu nos anos 90 quando eles olharam para o que estavam fazendo e viram como precisavam se adequar para se encaixar na sociedade moderna”, ressaltou Craig Prescott, especialista em Direito Constitucional e Política do Reino Unido, com foco na monarquia, da Bangor University.

“Tudo, é claro, depende de circunstâncias futuras, mas temos de lembrar que por trás de Charles III existe a instituição enorme que é a monarquia”, afirmou Pauline. “Ele estará cercado de assessores e conselheiros. Não vejo a monarquia indo embora tão cedo.”

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