HAIA, HOLANDA - Passou a valer nesta quinta-feira, 1, na Holanda, a lei que proíbe o uso de adereços que cubram o rosto, como burcas e niqab, em “instituições e prédios públicos, hospitais e transporte público”, segundo comunicado do ministério do Interior. O governo alega a "boa comunicação" e questões de segurança em certas localidades.
A lei, conhecida como um banimento parcial, não proíbe o uso de roupas que cubram o rosto na rua. Entretanto, a multa estabelecida para quem violar as regras para locais fechados é de 150 euros, e até mesmo a prisão é permitida.

Apesar de outros acessórios também estarem inclusos na nova lei, como capacetes e balaclavas, por exemplo, segundo citou o próprio ministério, a medida é vista como uma ameaça às mulheres muçulmanas, segundo grupos de direitos humanos, que afirmam que a lei descrimina e ataca a liberdade de expressão das muçulmanas.
A medida gerou tanta polêmica que as próprias autoridades locais e setorizadas afirmaram que não darão prioridade ao cumprimento da lei. O texto incumbe funcionários de escolas, hospitais, instituições e motoristas de transportes públicos a negar o acesso a uma mulher com um véu integral, ou chamar a polícia caso a pessoa se recuse a se retirar.
A prefeita de Amsterdã, Femke Halsema, foi a primeira a se manifestar contra a lei há quase um ano, afirmando em entrevista que “Não cabe a Amsterdã retirar mulheres de trens por usarem um nucabe”. Apesar de, tecnicamente, uma lei nacional deva ser cumprida, Halsema apontou que oficiais “podem decidir qual parte do texto se prioriza e qual parte não”.
A polícia nacional emitiu posteriormente dicas informando que funcionários em órgãos governamentais, escolas, hospitais e no transporte público teriam o dever de solicitar às pessoas a retirar vestes que cubram o rosto ou pedir para que se retirem. Para entrar em postos policiais, também será preciso retirar os adereços. Mas o texto da polícia não menciona aplicação de multa ou prisão.
Em entrevista ao portal holandês NU.nl, o diretor da Associação Holandesa de Transporte Público, Pedro Peters, afirmou que a prioridade do órgão seria o deslocamento adequado de ônibus e trens.
“Não dá para parar um ônibis por meia hora porque alguém está usando uma burca”, defendeu. “Nós não temos a permissão de recusar ninguém, porque temos uma obrigação nos transportes”.
Similarmente, a Federação Holandesa de Centros Médicos Universitários informou que iria protelar o encaminhamento dos casos à polícia, de acordo com a agência Associated Press. “Nós não temos conhecimento de nenhum caso onde o uso de roupas que cubram o rosto tenham levado a problemas”, informou em comunicado.
Estima-se que dos 17 milhões de habitantes holandeses, somente entre 150 e 400 sejam mulheres que usam burcas e niqabs, segundo a professora de sociologia da Universidade de Amsterdã, Annelies Moors. De acordo com o estudo encaminhado por ela para entender o potencial efeito da lei, somente 5% da população adulta holandesa é muçulmana.
Qual a diferença entre burca e niqab?
A burca, vestimenta islâmica mais conhecida pelo senso comum, é a peça única que cobre dos tornozelos até o rosto. Somente os olhos ficam à mostra, e na maioria das peças há uma rede transparente na frente dos olhos, para que não fiquem diretamente expostos.
Já o niqab é um lenço que cobre o pescoço e o rosto de quem o usa, podendo ser mais comprido e cubrir metade do dorso. Os olhos ficam à mostra, mas sem uma rede na frente. Qualquer outro tipo de roupa pode ser utilizado junto com o niqab para cobrir o resto do corpo, apesar da maioria das mulheres muçulmanas utilizarem vestes compridas, tornando a aparência geral muito semelhante à da burca.
Veto à burca na Europa
Com a aprovação da lei em junho de 2018, a Holanda se juntou a países como França, Bélgica, Dinamarca, Áustria e Alemanha.
Entretanto, na França o uso de burcas e niqabs é proibido até nas ruas, desde 2010. Bélgica, Dinamarca e Áustria adotaram restrições semelhantes, onde o uso é proibido em qualquer espaço público.
Em 2016, a França também expandiu a discussão para os burquinis, vestes de banho para mulheres muçulmanas, que cobrem o corpo e os cabelos. Não foi aplicado um veto nacional, mas algumas cidades litorâneas na Côte D'Azur acabaram proibindo o uso do burquini, como Nice e Cannes.
A discussão na União Europeia sobre o uso de vestes muçulmanas ocorre desde 2003, quando a Corte Constitucional decidiu a favor de uma professora de origem afegã que queria usar o véu para dar aulas.
O primeiro país a efetivamente vetar o uso foi a França, em 2011. Em 2010, a Bélgica já havia aprovado a lei, que também só passou a valer em 2011.
A proposta na Holanda foi apresentada ainda em 2005, pelo político conservador anti-islã e então deputado Geert Wilders. Nesta quinta, o líder do Partido Pela Liberdade comemorou a data como um “dia histórico” e publicou uma foto que diz que o próximo passo seria banir lenços de cabeça, ou seja, o hijab e variados, que cobrem os cabelos, mas deixam o rosto inteiro à mostra. / NYT, W. POST e AFP